domingo, 5 de março de 2017

O primeiro estádio do Brasil

O “Velódromo Paulista” foi o primeiro estádio de futebol construído em São Paulo. Na verdade ele foi construído para ser o palco de competições de ciclismo. Tinha capacidade para até 8 mil pessoas e ficava no bairro da Consolação, ao lado de onde hoje é a Praça Roosevelt. O projeto foi do arquiteto Tommaso Bezzi.

Sua inauguração aconteceu em 1895. Foi construído a mando de Antônio da Silva Prado, primeiro prefeito de São Paulo, de 1899 a 1911 e apaixonado pela prática do ciclismo. O terreno onde o “Velódromo” foi erguido pertencia a sua mãe, dona Veridiana da Silva Prado, uma nobre intelectual.

Os filhos de Antônio Prado, adeptos do ciclismo, segundo se sabe, pediram ao pai que autorizasse a construção do “Velódromo” dentro dos limites da antiga chácara de dona Veridiana Valéria da Silva Prado.

Sem o ar cosmopolita de grande metrópole que ostenta hoje, a São Paulo daquela época era ainda bastante provinciana e suas áreas de lazer eram vinculadas à aristocracia.

O “Veloce Clube Olimpic Paulista”, ou “Velódromo”, passou a ser o local onde a elite se encontrava para acompanhar as corridas de bicicletas, que eram moda na época.

A elite paulistana provavelmente tomou contato com bicicletas, que na época eram bastante caras e adquiridas em Paris, quando foi inaugurado o “Velódromo Paulista” com uma pista original de saibro.

Mas foi o futebol que cresceu no local. Isso, depois de um jogo ali ocorrido em 19 de agosto de 1900, entre os sócios do Sport Club Internacional, time de futebol paulista fundado em 1899. O campo de jogo foi marcado em um local destinado a um rinque de patinação no centro da pista.

O “Velódromo Paulista” foi o primeiro estádio de futebol do Brasil, mas não o primeiro campo. Antes, Charles Miller tinha apresentado o esporte aos brasileiros na “Várzea do Carmo”, São Paulo, em 1894.

Cinco anos depois, equipes formadas por ingleses, alemães e alguns brasileiros começaram a jogar na “Chácara Dulley”, também na cidade de São Paulo. Porém, nenhum destes lugares tinha arquibancadas.

O “Velódromo”, com melhores instalações, reinou como o principal palco dos Campeonatos Paulistas entre 1902 e 1912. A Liga Paulista de Futebol (LPF) pagava aluguel ao Paulistano pelo estádio e assim foi por uma década. Porém, uma ruptura entre o Paulistano e a LPF mudou tudo.

Paulistano e LPF estavam com relações estremecidas por conta de ideologias. O Paulistano, fiel ao amadorismo, característica ligada ao futebol mais elitizado, estava insatisfeito com a profissionalização crescente no futebol de São Paulo.

Para o “Campeonato Paulista” de 1913, o Paulistano pediu um alto valor a LPF pelo aluguel do “Velódromo” e a Liga preferiu pagar quatro vezes menos para usar o “Parque Antarctica”, que em 1920 foi comprado pelo Palestra Itália, hoje Palmeiras.

No dia do primeiro jogo no Paulista de 1913, contra o Americano, o Paulistano apareceu - em represália - no “Velódromo” e o rival entrou em campo no “Parque Antarctica”.

O Paulistano alegou que a mudança de estádio tinha sido mal comunicada e decidida às vésperas da partida, mas a LPF julgou o caso a favor do Americano. Foi o estopim para o Paulistano, que saiu da Liga e fundou uma organização paralela, a Associação Paulista de Sports Athleticos.

Dessa forma, de 1913 a 1916 foram disputados dois campeonatos paralelos em São Paulo, o da Liga e o da APSA, com clubes de origem aristocrata. Só em 1917, após várias tentativas de pacificação, a divisão terminou. Era o fim da primeira grande crise dentro do futebol paulista.

O “Velódromo” foi a primeira sede do aristocrático Club Athletico Paulistano, que passou a usar o espaço como sede esportiva. Pouco tempo depois, no centro da pista de ciclismo, foi construído um campo de futebol e também uma arquibancada capaz de abrigar duas mil pessoas (ampliada depois para cinco mil).

Em 1902, o estádio abrigou a maior parte do primeiro Campeonato Paulista, disputado por cinco clubes e vencido pelo São Paulo Athletic, de Charles Miller, pai do futebol no Brasil.

O Paulistano, que foi vice, existe até hoje (porém sem atividades no futebol desde 1929). O Paulistano guarda em seus arquivos sete fotos do “Velódromo”. Em uma delas, é possível ler a inscrição em uma placa na arquibancada: "É expressamente proibido vaiar". E qual era o motivo?

De acordo com o livro "A bola rolou", de Wilson Gambeta, as vaias não eram aceitas por conta do Velódromo "ser um espaço para a transmissão de valores morais".

Com origem nobre, o Paulistano zelava pelos bons costumes no ambiente. Também segundo o livro, "o juiz não podia ser alvo de vaias, pois mesmo se ele cometesse erros, era o único investido de poder interpretar as jogadas".

O mesmo valia para os jogadores, que não podiam ser vaiados por "serem homens dignos que pertenciam às principais famílias". Naquele tempo, os times eram formados por homens da aristocracia. Quem vaiasse, poderia até ser retirado pela polícia.

O jornalista Orlando Duarte, enciclopédia sobre o futebol brasileiro e mundial, contou como era o comportamento da torcida quando alguém mais crítico decidia vaiar.

“A vaia era indelicada”. Se uma pessoa vaiava, logo um torcedor do próprio time desaprovava e um torcedor do outro time também olhava estranho, com espanto.

Os torcedores usavam as melhores roupas para ir ao estádio, o futebol era um entretenimento para o público, não local de aborrecimento. Por isso as vaias eram condenadas, disse Orlando Duarte.

Foi desta maneira que o “Velódromo” se tornou o primeiro estádio de futebol e palco das principais partidas realizadas na cidade de São Paulo.

O “Velódromo” foi oficialmente inaugurado no dia 19 de outubro de 1901, com o jogo entre combinados Paulista X Cariocas que terminou empatado em 0 X 0.

Também foi ali que se enfrentaram no dia 8 de maio de 1902, as equipes do São Paulo Athletic Club X Club Athlético Paulistano, abrindo o certame paulista daquele ano. O São Paulo Athletic Club venceu por 4 X 0.

Ficha técnica do jogo:

São Paulo Athletic Club: Andrews - A.Kenworthy e G.Kenworthy. Heyecock - Wucherer e Biddell. H.S.Boyes – Brough - Charles Miller - Montandon e W.Jeffery.

Club Athletico Paulistano: Jorge de Miranda Filho - Thiers e Rubião. E.Barros - Olavo e Renato Miranda. B.Cerqueira - J.Marques - Álvaro Rocha - Ibanez Salles e O.Marques.

Árbitro: Antônio Casimiro da Costa. Os gols: Boyes (2) Jeffery e Charles Miller.

Foi ali que o futebol paulista conheceu os seus primeiros grandes momentos e viu o esporte crescer. E paralelamente assistiu o esmagamento da popularidade do esporte das bicicletas, que chegou a ser significativo no final do século XIX e início do XX.

Quando o futebol ainda começava, o “Velódromo” teve muita importância para conquistar o público por estar bem localizado, atraindo torcedores por seu fácil acesso. Depois a cidade cresceu, outros estádios surgiram e os transportes melhoraram, mas o “Velódromo” teve a importância dele, foi útil e cumpriu bem o seu papel enquanto existiu.

O “Velódromo” também foi responsável pelo nascimento da geral, característica importada da Europa e que vingou no Brasil justamente pelas características do lugar.

Explica-se: nos hipódromos da França, na segunda metade do século XIX, como as arquibancadas eram pequenas, milhares de fãs do turfe ocupavam aglomerados nos limites da raia e em colinas para ver as provas. Era a "pelouse".

No “Velódromo Paulista”, com o crescente interesse pelo futebol, as arquibancadas para 4 mil pessoas logo deixaram de ser suficientes e o comportamento visto nos hipódromos franceses foi "imitado".

Como o futebol ocupou a parte interna da pista, que era de saibro e tinha uma leve inclinação, acabou colaborando para a melhor visualização do gramado e os torcedores ganharam para si um espaço enorme que era destinado às corridas de bicicleta. Eram quatro mil lugares a mais, em setor que logo ganhou o nome de geral.

Desde os hipódromos franceses, "gerais" era o termo que designava os torcedores não associados aos clubes. Segundo o livro "A bola rolou", o nome "gerais" foi usado no “Velódromo Paulista” para identificar o conjunto de homens em pé, geralmente um público com menor escolaridade e poder aquisitivo.

Rapidamente, "o lugar dos gerais" virou "geral". E, evidentemente, os torcedores mais nobres tinham seus lugares garantidos na arquibancada.

Também de acordo com o livro "A bola rolou", o preço dos ingressos na geral era acessível ao povo. Primeiramente, foi concedida meia-entrada aos estudantes. Depois, o desconto foi estendido para todos os ingressos do setor e virou padrão.

Em alguns jogos, o preço para geral era de mil réis, um terço do valor pago nas arquibancadas. Para comparação: na época, o preço de um jornal era 100 réis e um par de sapatos comum valia 15 mil réis.

Posteriormente, as gerais apareceram em outros estádios brasileiros, também como um espaço mais popular. A geral mais famosa, do Maracanã, durou 55 anos (de 1950 a 2005) e chegou a acomodar cerca de 30 mil torcedores em jogos de maior público.

Em 1910, com a morte de Veridiana Prado, seus herdeiros, sob forte pressão da especulação imobiliária anunciaram a venda do “Velódromo” ao “Banco Italiano”, que manifestou a intenção de abrir uma rua no local e loteá-la.

O estádio, porém, seguiu em uso até 1915. Naquele ano, o Paulistano recebeu uma ação de despejo para a abertura da Rua Nestor Pestana, que cortou o terreno do estádio. O último jogo ocorreu em dezembro de 1915 e a demolição foi feita na primeira metade de 1916.

As arquibancadas de madeira do “Velódromo”, com capacidade para quatro mil espectadores, ainda foram enviadas para outro estádio, a “Chácara da Floresta”. E assim sumiu o lendário campo da Consolação.

Um fato ocorrido em 17 de agosto de 2008, um incêndio de grandes proporções, destruiu boa parte do “Teatro Cultura Artística”, situado na rua Nestor Pestana, no centro de São Paulo. Com toda a certeza são poucas as pessoas que tem conhecimento de que naquele local existiu o “Velódromo Paulista”, o primeiro estádio de futebol da cidade, inaugurado em 1895.

Ele se situava na Rua da Consolação, entre as Ruas Martinho Prado e Olinda, na altura de onde hoje é a Rua Nestor Pestana, o “Teatro Cultura Artística” e a “Praça Roosevelt”.

O conselheiro Antônio da Silva Prado e seu cunhado Elias Pacheco Chaves, foram quem lotearam as chácaras que deram origem aos bairros de Campos Elíseos e Barra Funda. (Pesquisa: Nilo Dias)


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