Eu
conheci muito bem o futebol colonial de Pelotas, porque fui treinador campeão
pela Associação Esportiva Aliados, de Monte Bonito, time dos irmãos Wilson Carvalho,
Gilmar Carvalho e Sulmar Carvalho, todos filhos do presidente do clube, na época, o
senhor Mário Carvalho.
E
também por ter participado do time denominado “Cracões da Bola”, que foi
organizado pelo hoje repórter esportivo, em Porto Alegre, João Antônio Garcia.
Naquele
tempo ele era apresentador de um programa dedicado ao futebol colonial na Rádio
Cultura, de Pelotas, que começou com o saudoso Paulo Silva. Havia também o Arnaldo
Rahal, que nos dias de jogos vendia cartelas para sorteios de prêmios entre os torcedores presentes.
Como
costumava gritar a plenos pulmões, “quem se habilita”, não demorou para ganhar o apelido de “Seu Habilita”,
que o acompanhou até o fim de sua vida.
Nos
dias de jogos do “Cracões da Bola”, sempre havia festa, geralmente com bem servidos
churrascos e muita cerveja gelada. Lembro que até meus pais participavam desses
agradáveis momentos, claro, com a intenção maior de me ver jogar.
E
modéstia a parte, não os decepcionava, pois nos meus áureos 30 anos de idade ainda batia
uma bola bem bonitinha. Até fiz testes no Brasil, de Pelotas, ocasião em que coloquei uma
bola pelo meio das pernas do saudoso “Tibirica”, um lateral histórico do time “xavante”.
E
para que? O cara a partir dai encostou em mim, fazendo om que eu fosse para o
outro lado do campo e não mais me aventurasse a querer dribrá-lo. O técnico do
Brasil era Teotônio Soares, que foi um grande jogador e artilheiro do clube em tempos mais remotos.
Também
dei meus chutes no Progresso Futebol Clube, time amador que revelou grandes
jogadores para o futebol gaúcho e brasileiro, como Daniel Carvalho e Fernando
Cardoso, que jogaram no Internacional e Emerson, no Grêmio. Ainda joguei no São Clemente, da várzea pelotense.
Mas
a intenção desta matéria não é contar a minha andança pelo futebol de Pelotas,
sim contar aspectos do chamado futebol colonial, até hoje disputado com raro
brilhantismo na zona rural daquela próspera cidade gaúcha.
Conforme
matéria publicada no jornal “Diário Popular”, de Pelotas, onde trabalhei por
algum tempo como repórter especial e depois editor de Esportes, os primeiros
jogos de futebol realizados na zona colonial do município, foram a partir de 1912,
na localidade de Monte Bonito, reunindo a equipe local contra outros clubes de
menor expressão.
Talvez
até outras partidas na colônia pelotense já tivessem acontecido antes, porém o
primeiro registro encontrado foi esse de Monte Bonito, entre a equipe local e o
Arranca Toco, que infelizmente não tenho como informar de onde era.
Formaram-se
diversas equipes na zona rural de Pelotas, algumas delas ainda em atividade até
hoje, como o Vila Nova, localizado na Colônia Francesa, Boa Esperança, do
Grupelli, Indio, do Morro Redondo e Esporte Clube Guarani, do Cerrito.
O
Grêmio Esportivo Índio foi formado por um grupo de jovens que praticavam o
esporte perto do armazém Reichow, na atual cidade de Morro Redondo. O estabelecimento
era atendido pelo vendedor do “Café Índio”, tradicional marca da indústria
pelotense.
Ele
chamou os jovens e ofereceu uma bola de couro, com a condição de colocarem o
nome da equipe de Índio, nascendo assim em 6 de fevereiro de 1944, nas cores
amarelo e preto o Grêmio Esportivo Índio, de Morro Redondo.
Dos
demais clubes infelizmente não tem como saber nem mesmo as datas de suas
fundações. Caso do Boa Esperança, do Grupelli, que perdeu em uma enchente toda
a sua documentação.
E
como o futebol nos primeiros tempos era tratado como algo relacionado ao lazer
dos colonos, não existia nenhuma preocupação com registros, o que dificulta
qualquer tentativa de resgate histórico.
Outros
clubes não resistiram às dificuldades do futebol amador e acabaram sendo extintos,
como o Guarani que ficava do outro lado da ponte, na localidade de Santa
Helena.
Sabe-se
que o treinador era um tenente. Na época da construção da estrada, era formado pelo
pessoal que trabalhava lá. Depois que a obra chegou ao fim, acabou o time
também.
Nos
primeiros tempos todos os jogos entre equipes coloniais tinham caráter
amistoso, o que se estendia até mesmo aos raros campeonatos realizados. O que
importava mesmo era a socialização entre os moradores da zona rural.
Mesmo
com disputas somente amadoras, ainda assim nasceram rivalidades, sendo uma
delas entre o Vila Nova, da Colônia Francesa e o Boa Esperança, do Grupelli. Eram
rivalidades frequentes devido às disputas entre os distritos, tendo como
balizador o futebol.
Essas
rivalidades podem ser presenciadas ainda nos dias atuais. A maioria dos clubes
coloniais tem uma ampla divulgação de suas atividades e jogos nas redes sociais,
e frequentemente quando vão enfrentar um rival, a chamada para a partida é
feita de maneira que o maior número de torcedores compareça ao local e apoie a
equipe.
Como
o futebol cresceu muito na zona rural, foi preciso que se organizasse um órgão
regulador que se responsabilizasse pelos campeonatos e buscasse angariar recursos
para a manutenção do futebol colonial.
Diferente
das demais localidades, o futebol chegou antes na colônia de Pelotas do que a
democratização do esporte em 1930. Porém por se tratar de uma zona rural, sempre
apresentou distinções dos demais caminhos tomados pelo futebol.
É
o caso de nenhuma equipe ter buscado a profissionalização, mesmo sendo
pertencentes à cidade de Pelotas. Mas são de localidades que não teriam
condições econômicas de profissionalizar suas equipes.
A
atual Associação Colonial Pelotense foi criada com esse intuito de conseguir
perpetuar o futebol colonial, além de integrar seus moradores, trocando
informações sobre suas lavouras e seus produtos.
No
ano de 1965 foi fundada a Liga Colonial de Futebol (LCF), com a finalidade de
reunir as associações esportivas, sociais e beneficentes da Colônia Pelotense.
É
considerada uma das entidades mais antigas, na organização do futebol amador.
Teve como um dos líderes o advogado e radialista Elias João Bainy, juntamente
com os clubes fundadores.
A
título de informação: Elias Bainy era um dos sócios proprietários da Rádio
Cultura, de Pelotas e foi meu colega de redação do jornal “Diário Popular”.
A
liga teve como fundadores as seguintes associações: Grêmio Esportivo Índio, Barbuda
Futebol Clube, Grêmio Esportivo Gaúcho, E.C.R. Vila Nova, Botafogo Futebol
Clube, Esporte Clube Taquarense, E.C.R. Centenário, Grêmio Esportivo Montebonitense,
Fortaleza Futebol Clube, Continental Futebol Clube, Esporte Clube Arroio do
Padre, Esporte Clube 23 de Maio, Esporte Clube Guarany, Grêmio Esportivo
Independente, Esporte Clube São Pedro, Esporte Clube Cruzeiro do Sul, Cascata Futebol
Clube e Umbu Futebol Clube.
A
Liga também contemplava as equipes da Colônia Z3, de pescadores, localizada na
planície costeira da Laguna dos Patos.
Em
1970, devido ao confronto com a Liga Pelotense de Futebol (LPF), por não poder
ter duas ligas na mesma cidade, foi extinta a LCP, permanecendo a LPF, por ser
mais antiga. Nasceu dessa forma a Associação Colonial Pelotense (ACP).
O
Estatuto da Associação, prevê, entre outras coisas, que cabe a ela representar
e dirigir o futebol na colônia e outras atividades no município de Pelotas e fomentar
o futebol e outros esportes.
Durante
todo o período em que a ACP existe, o seu Estatuto sofreu poucas alterações.
Embora o Capítulo VI, destinado aos atletas, diga que estes não pode receber
qualquer gratificação, não é isso que ocorre na prática.
Hoje
em dia é comum as equipes contarem com ex-atletas profissionais que são
remunerados, além de massagista e até médico.
Apesar
disso, se o futebol colonial ainda existe, deve-se a criação da ACP. Sem ela, provavelmente
o futebol colonial não teria a força que tem hoje na cidade de Pelotas,
movimentando toda uma comunidade e fortalecendo os laços entre os moradores
rurais.
A
“profissionalização” do futebol colonial conseguiu a manutenção e surgimento de
novas equipes. Hoje temos uma “semiprofissionalização”, com a criação da Liga,
que regulamentou os jogos.
O
futebol é apontado como uma das principais formas de lazer da zona rural,
juntamente com as festas religiosas. Porém existem outras formas de lazer dos
colonos, visitar os vizinhos e parentes, os jogos de bochas, as pescarias, as
carreiras (corridas de cavalo), que também são conhecidas como pencas. Porém o
desporto bretão teve importância ímpar nesse contexto de lazer.
O
futebol sempre foi um espaço além de lazer de sociabilidade, que consegue
aglutinar comunidades para as disputas de futebol. Além das interações no
campo, os clubes realizam bailes com intuito de escolha de suas rainhas, posse
de novas diretorias, bailes de chopp, entrega de faixas aos campeões dos
torneios, aparecendo como grandes eventos sociais da colônia. (Pesquisa: Nilo
Dias)
Muito interessante sua matéria. Fiquei feliz em ver o nome do meu pai citado na matéria. Sou filho do Teotônio Soares.
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