segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O primeiro goleiro profissional do Flamengo

Fernando Botelho, o “Fernandinho”, também conhecido por "dodô", foi o primeiro goleiro a vestir a camisa do Flamengo, do Rio de Janeiro como jogador profissional e também o último como amador. Ainda é vivo e reside no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro.

Nascido em 2 de março de 1913, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, está hoje com 105 anos de idade e em plena forma física. Começou nas categorias de base. Hoje é conselheiro vitalício do rubro-negro carioca.

Desde menino, “Fernandinho” vivia dentro do Flamengo, se tornando sócio do Clube em 1922 com 9 anos de idade. Começou sua carreira futebolística jogando como centromédio, mas logo se transferiu para o gol, de onde não saiu mais.

Garante que era um bom centro-médio da época do Júlio Silva como técnico, mas batia muita bola no gol. Um dia o goleiro, Elidio Sauer, um garoto lá da época se chocou contra a trave e faturou uma costela. Ai o treinador mandou "Fernandinho" para o gol. E a partir dai nunca mais saiu da posição.

”Fernandinho” conta que a sua infância foi muito boa. Ele morava na Rua Paissandu no Flamengo e lá passou sete anos maravilhosos de 1925 a 1932. Lembra que sua mãe era flamenguista. E foi para o time do Flamengo através do intermédio de um jogador antigo, amigo dela, chamado Ademar Martins, o “Japonês”. Como o Flamengo ficava também na Rua Paissandu, era como se fosse seu quintal.

Ele defendia a meta flamenguista quando da transição do amadorismo para o profissionalismo do futebol brasileiro no ano de 1933. Fernando também foi o 1º goleiro a disputar uma partida profissional pelo Flamengo no exterior, em uma excursão com quatro jogos pela América do Sul, enfrentando duas vezes o Peñarol (URU) (3 X 2) (1 X 1), Nacional (URU) (1 X 2) e a Seleção Argentina (1 X 2).


"Fernandinho", em outro momento histórico do Flamengo, atuou no último jogo no velho Estádio da Rua Paysandu, onde o clube mandava seus jogos, terreno cedido pela família Guinle, que tomou posse novamente após este jogo. Foi contra o Sport Clube Brasil, vitória de 5 X 0 , e o goleiro do Brasil era Aymoré Moreira, que se tornaria anos depois o técnico da Seleção Brasileira.


A partir daí o Flamengo começou a mandar seus jogos no Estádio das Laranjeiras (campo do Fluminense), ou no Estádio da Rua General Severiano (campo do Botafogo), e alguns jogos em São Januário (campo do Vasco).

Em 1935, devido uma contusão no joelho, teve de interromper a brilhante carreira aos 21 anos de idade, tendo passado a trabalhar no ramo do café até se aposentar. E também se tornou um entusiasta do turfe, hobby que conserva até os dias de hoje. E faz questão de assistir a performance de seus cavalos “in loco”.


Ao parar de jogar o Flamengo lhe deu 50 contos, muito dinheiro na época. Serviu de entrada para "Fernandinho" comprar seu apartamento que custou 80 contos. Foi o primeiro prédio de oito andares em Ipanema, o "Marajoara", que tinha vista até da Avenida Niemeyer. É onde ele mora até hoje.

Depois fundou um time chamado Olímpico Clube. Reunia jogadores que tinham parado de jogar, entre eles, Preguinho e Jarbas. Fazíam excursões, inclusive no exterior. Chegaram a jogar em Santos de avião fretado da "Condor", coisa raríssima naquela época.

Fã do Arpoador, praia onde costumava pescar camarão de anzol e eleito por ele como melhor lugar do mundo, “Fernandinho” não esconde seu amor pelos cavalos e segue sem freio mesmo depois dos 100 anos. E diz gostar muito disso e até já teve o seu cavalinho da sorte.

Quando completou 100 anos foi homenageado pel Jockey Club Brasileiro, com a realização de um páreo que levou seu nome. Ele é proprietário desde 12 de fevereiro de 1981, da farda cereja e mangas pérola.

Segundo o “Almanaque do Flamengo”, de Roberto Assaf e Clóvis Martins, “Fernandinho” fez 55 jogos pelo Flamengo, entre 1930 e 1934, com 29 vitórias, 11 empates e 15 derrotas. Só tornou-se profissional em 1933. Antes disso, jogava de graça.

Além de jogar no Flamengo, “Fernandinho” também defendia o time da “Medicina e Cirúrgia”, que nos tempos do amadorismo disputava o Campeonato Acadêmico de Esportes, que era patrocinado pelo “Jornal dos Sports”.

As escolas que tinham vários jogadores dos clubes do Rio, contavam com a cooperação dos times para que seus jogadores disputassem o Campeonato Acadêmico. "Fernandinho" era estudante de Medicina.

Isso foi um marco histórico, já que se constituiu na primeira vez que oito Escolas Superiores se empenhavam na conquista de títulos em várias modalidades esportivas, e em especial o campeonato de futebol.

Chegou a sagrar-se campeão invicto por esse clube, tendo na partida final derrotado a Faculdade de Direito, do Rio de Janeiro, por 3  X  1, gols de Moacir, Almir (que defendeu o Botafogo) e Eloy (que jogou também pelo Flamengo).

Goleiro titular da equipe esteve presente na Seleção Acadêmica, que disputou um campeonato internacional. Na fase de preparação, a equipe estudantil fez alguns jogos amistosos contra o Combinado Fla-Flu, Flamengo, Vasco, São Cristóvão, Fluminense, em Minas Gerais, América, Palestra Itália (Cruzeiro), Vila Nova, em São Paulo, São Paulo (de Friedenreich), e Corínthians.

Depois foi para a Argentina e Uruguai, onde foram realizados vários jogos amistosos com times profissionais, ainda sob o patrocínio do “Jornal dos Sports”.

A estreia de “Fernandinho” na meta rubro-negra aconteceu em 20 de abril de 1930, oportunidade em que o Flamengo foi goleado pelo Syrio Libanês por 6 X 1.

No seu último jogo pelo clube da “Gávea”, também não deu sorte, tendo sofrido derrota para o rival Vasco da Gama, por 5 X 2, dia 1º de abril de 1934.

“Fernandinho” não chegou a ganhar nenhum título importante como profissional, sendo campeão apenas nas categorias de base, mas ostenta até hoje a melhor média de gols sofridos em Fla-Flus, na história do clássico, confronto em que se manteve invicto por toda sua carreira.

Seu retrospecto contra o time das Laranjeiras é irretocável. “Fernandinho” estreou no time principal na última rodada do Campeonato Carioca de 1931, quando seu time venceu o clássico por 1 X 0, dando final a uma série de resultados ruins que vinha desde setembro de 1928.

Garante que nunca perdeu para o Fluminense, que considerava o seu freguês favorito. Acha que, no mínimo, foram umas seis partidas disputadas.

O Fla-Flu era o grande jogo da época, mexia com a cidade. O Vasco entrou atrasado, mas era uma potência também, representando a colônia portuguesa. Jura que o América era quem dava mais trabalho, era chato, tinha bons times.

E faz questão de dizer que o ilustre tricolor João Coelho Netto, o “Preguinho”, autor do primeiro gol da seleção brasileira em Copa do Mundo (1930), era um de seus melhores amigos.

A rivalidade naqueles tempos era diferente. Ele chamava o “Preguinho” de Joãozinho e ele não gostava (risos). Mas garante que era uma pessoa maravilhosa. E juntos fundaram o Clube Olympico.

“Preguinho” não era só jogador de futebol, também praticava outras sete modalidades esportivas. Porém, não era o único atleta admirado e citado algumas vezes pelo ex-camisa 1 do Flamengo.

Pirilo, um dos 10 maiores artilheiros do rubro-negro, Evaristo de Macedo, ex-meio-campista que “Fernandinho” garante ter ajudado a levar para a Gávea, o goleiro Júlio César, titular da seleção nas Copas de 2010 e 2014, e os técnicos Kanela, deca-campeão carioca com o basquete rubro-negro, e Flávio Costa, comandante do primeiro tricampeonato do clube (1942/1943 e 1944), são figuras marcantes na sua memória.

Considera Amado Benigno como o melhor goleiro que viu jogar. Garante que se tratava de um grande goleiro. Lembra que as goleiras eram feitas de pedaços de madeira, e se constituiam em verdadeiro perigo. Lembra de uma vez em que fez uma defesa e bateu as costelas naquele bico. Ficou dois, três dias sem andar. 

“Fernandinho garante que a melhor atuação que teve na carreira foi justamente contra o Fluminense, ocasião em que fechou o gol. Lembra que em 1919, quando tinha apenas seis anos de idade, assistiu a uma derrota histórica do Flamengo parta o Fluminense, por 4 X 0, o que garantiu ao time das “Laranjeiras” o tricampeonato estadual (1917-1918-1919).

Tempos depois, quando já era o goleiro titular do rubro-negro, teve a oportunidade de devolver a goleada ao tradicional adversário.
“Fernandinho” lamenta nunca ter jogado uma partida no Maracanã, estádio que não existia no seu tempo de atleta.

O estádio só foi construído 20 anos depois, para a Copa do Mundo de 1950. Mas isso não evitou que no dia 1 de março de 2014, antes de um jogo frente o Nova Iguaçu, pelo Campeonato Carioca, ele, com 101 anos, subisse as escadas até o gramado com uma vitalidade que impressionou a todos.


Fernandinho teve o privilégio de nunca ter levado gol de Leônidas, grande craque do Bonsucesso que é conhecido como o inventor do gol de bicicleta. Mas ele mesmo em uma entrevista disse somente ter aperfeiçoado o que viu o Petronilho de Brito fazer.

Mas Fernandinho lembra de um jogo contra o Bonsucesso de Leônidas, no campo do adversário em um dia chuvoso, em que só levou gol em um pênalty cobrado por Prego, e Darci também de pênalty empatou para o Flamengo. O jogo foui no dia 10 de julho de 1932.


Também não levou gol de Friedenreich, o maior artilheiro do futebol, que na época jogava no São Paulo. E quando veio jogar contra o Flamengo, "Fernandinho" não disputou este jogo, pois havia saído machucado no confronto com o Bonsucesso. Quem atuou foi Amado, que levou o gol de Friedenreich, porém Tales empatou o jogo para o Flamengo.

O centenário ex-goleiro conta que um dos dias mais emocionantes de sua vida viveu ao lado de Zico, quando comemoraram juntos os aniversários. O “Galinho” nasceu em 3 de março e “Fernandinho” em 2 de março. A festa foi na sede da “Gávea”.

Nesse dia “Fernandinho” chegou bem cedo ao clube para se encontrar pela primeira vez com o eterno camisa 10 do Flamengo, que em sua opinião é o maior jogador de todos os tempos. Disse na ocasião, que era uma felicidade imensa estar com o Zico, que não poupou elogios ao centenário. E disse que desejava chegar na mesma idade que ele.

Hoje a história de Fernando Ferreira Botelho, o “Fernandinho” faz parte do acervo do “Museu da Pelada”, por sugestão do jornalista Caio Barbosa, que havia questionado as razões pelas quais alguém com a história dele, ainda não havia sido lembrado.

O centenário ex-goleiro tem muita história para contar. Mesmo estando com 105 anos, a sua lucidez impressiona. É capaz de falar sobre qualquer assunto, não importando se delicados ou polêmicos para a época em que jogou.

Lembra que a bola era pesada e ainda não existiam luvas na época, o que lhe deixou dedos tortos. Ele conta que tudo era importado da Inglaterra. Vinha tudo num baú, bolas, camisas, meias e chuteiras. E as longas viagens de navios para jogar fora do país, que chegavam a durar cerca de 10 dias. E tudo isso ele garante que tirava de letra.

Perguntado se no seu tempo havia homossexualismo no futebol, ele mão fugiu de responder. Disse que sim e não era camuflado. Complementou afirmando que homossexualismo tem no mundo inteiro e desde aquela época já tinha.

E completou: “O Rio de Janeiro era muito bom, o Carnaval era um sonho, não tinha freio. Davam 15 dias de férias e era difícil nos segurar. Nós bebíamos cerveja, mas pior é quando entrava na cachaça, todo mundo duro, era mais baratinho”.

Convidado a falar sobre o futebol de hoje, “Fernandinho” não aliviou nem o craque do PSG, e da seleção brasileira, Neymar. “É muito fresco. E jogador fresco eu não gosto. Ele é bom, mas tem muita mulher no meio”.

Sobre a Copa do Mundo da Rússia, no ano que vem, “Fernandinho” não leva muita fé, pois o futebol brasileiro não produz mais craques como antigamente. E reverencia o craque português Cristiano Ronaldo. “Esse é jogador de futebol. Sabe jogar, vai e resolve”, garante. Sobre Messi disse que é bom, mas por ser pequenininho, dão muita porrada nele.

Títulos conquistados: Flamengo: Campeão Carioca Juvenil, invicto (1927); Campeão Carioca do Terceiro Quadro. (1930); Campeão Carioca do Segundo Quadro. (1931); Vice-Campeão Carioca do Primeiro Time (1931); Campeão da Taça “Fidalga” (1932); Campeão da Taça Companhia Aliança da Bahia (1932); Campeão do Troféu Interventor Federal da Bahia (1932). Pelo Medicina e Cirurgia: Campeão Acadêmico Invicto do Rio de Janeiro. (1932); Campeão Acadêmico Invicto do Rio de Janeiro. (1934). Honrarias: Cidadão Benemérito da cidade do Rio de Janeiro. (2015). (Pesquisa: Nilo Dias)

Foto de hoje.

No tempo em que jogava.

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