segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Morre atacante histórico do Flamengo

Morreu na manhã de ontem (30), aos 70 anos de idade, o ex-ponteiro esquerdo Arílson, que defendeu o Flamengo, do Rio de Janeiro, nos anos 60 e 70, tendo disputado 224 jogos com a camisa do clube carioca, alcançando 107 vitórias, 64 empates, 53 derrotas e 36 gols marcados.

Ele conquistou a “Taça Guanabara” (1970, 1972 e 1973), os títulos cariocas de 1972 e 1974, além do “Torneio do Povo” (1972) e “Torneio de Verão” (1970 e 1972).

Em seu perfil oficial no Twitter, o Flamengo lamentou a morte do ex-jogador: “Lamentamos profundamente a morte do nosso ex-ponta esquerda Arílson, que nos deixou neste fim de semana. Obrigado por tudo o que você fez com o “Manto”. Muita força aos amigos e familiares neste momento.“

Arílson Pedro da Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1948. Garoto bom de bola, seu futebol foi descoberto nos campinhos de terra batida do bairro Itacolomi, na “Ilha do Governador”. 

Mais tarde, o rapazola foi encaminhado aos quadros amadores da Associação Atlética Portuguesa, da “Ilha do Governador”. Jogador de rara habilidade, em pouco tempo foi aproveitado como ponteiro-esquerdo.

O futebol atrevido e vistoso logo despertou o interesse dos representantes do Clube de Regatas do Flamengo em 1965. No início de 1967, Arílson foi convocado pelo técnico Zagallo para a seleção carioca juvenil que jogaria o brasileiro da categoria em Belo Horizonte.

Na apresentação dos atletas, o repórter José Castelo, do “Jornal dos Sports”, assim definia seu futebol: “É esperança rubro-negra para 1967 e da própria seleção carioca com vistas ao penta brasileiro. Titular, tem a velocidade, o drible fácil e a potência de chute, qualidades exigidas de um bom ponteiro”.

Considerado então um jogador-chave nos juvenis do clube, Arílson tinha praticamente certa a sua promoção ao time de cima para o lugar do veterano Osvaldo “Ponte Aérea”, em vias de deixar a Gávea e retornar ao futebol paulista de onde viera.

Mas na metade do campeonato da categoria de base, o garoto sofreu uma violenta entorse no tornozelo direito que o tirou de ação por vários meses, adiando seu melhor aproveitamento.

Mesmo assim, de pé gessado, vestiria a faixa de campeão carioca de juvenis em junho. A lesão e as frequentes trocas de comando no time de cima foram minando as chances do garoto. Chegou a treinar como lateral e a ser oferecido como moeda de troca na tentativa de contratação do veterano ponteiro Dorval, ex-Santos, que estava no Atlético Paranaense.

Só no fim de 1968, durante o “Torneio Roberto Gomes Pedrosa”, ele ganhou uma certa sequência na equipe – retribuída com passes e assistências, aparecendo bem apesar da campanha fraca do time.

Sua virada aconteceria pelas mãos do técnico Tim. O experiente treinador, que chegou ao Flamengo no início de 1969, transformou o ponta o qual considerava indisciplinado taticamente – embora de inegável talento individual – num jogador solidário, que se sacrificava pelo time.

Assim, Arílson passou a ajudar a preencher o meio-campo e ajudar na cobertura do lateral, e ao mesmo tempo, aparecer mais bem colocado na frente para dar passes e até marcar mais gols.

Seu futebol cresceu a olhos vistos, e ele viveu a primeira grande fase da carreira, senão a melhor. O ano começou com uma excursão ao Suriname e ao Pará e Amazonas, nas quais o Flamengo levava como atração o velho “Mané Garrincha”, 35 anos, contratado em novembro do ano anterior.

Arílson, na outra ponta, fez bons jogos e alguns gols, mantendo o crédito conquistado pelas atuações no “Robertão”, mas sofreu uma distensão na coxa no fim de março, perdendo parte do turno do Carioca, em que o time acumulou alguns tropeços.

Com efeito, Arílson começou o ano de 1970 voando. Fez o primeiro gol do time na temporada, no empate em 1 X 1 com o América Mineiro num amistoso em Belo Horizonte.

E fez três partidas memoráveis no “Torneio Internacional de Verão”, quadrangular conquistado pelo Fla em fevereiro. Na estreia, uma folgada goleada de 4 X 1 sobre a seleção da Romênia, ele marcou dois gols – um em cobrança de falta na gaveta e outro numa inteligente tabela com Dionísio – e arrancou muitos aplausos entusiasmados da crônica esportiva.

No segundo jogo, outro massacre: 6 X 1 diante do forte Independiente, da Argentina. Arílson não balançou as redes, mas fez um lindo lançamento para Dionísio anotar o terceiro gol e foi apontado como o melhor do ataque pela imprensa, por sua eficiência e facilidade de jogar.

E no terceiro, a vitória por 2 X 0 sobre o Vasco que valeu o título, o ponta criou com Dionísio a jogada do primeiro gol, marcado por Liminha, e anotou ele mesmo o segundo, cabeceando cruzamento de Ademir da direita, sendo novamente escolhido o destaque.

Bastante elogiado também por treinadores de outras equipes que compareceram ao Maracanã para observar o torneio, Arílson caiu também nas graças de Zagallo, que em 18 de março daquele ano substituiria João Saldanha no comando da Seleção Brasileira.

Ele próprio um ex-ponta-esquerda rubro-negro e de estilo algo semelhante ao do jovem talento de 21 anos, o treinador surpreendeu ao incluí-lo, logo no dia seguinte ao que assumiu o cargo, na convocação de cinco novos nomes para os treinos de início de preparação para a “Copa do Mundo” do México.

Disputando um espaço com os mais experientes Paulo Cézar “Caju” e Edu, Arílson representava um meio-termo entre o estilo de ponta recuado, mais armador, do botafoguense e o jogo mais veloz e ofensivo do santista.

Porém, teve poucas chances de mostrar seu jogo. Nas semanas em que treinou com a Seleção, disputou apenas dois amistosos não oficiais por uma equipe B (contra a seleção amazonense B e o Olaria) e atuou até fora de sua posição, prejudicando sua observação. Acabou cortado em 27 de abril, a dois dias do amistoso contra a Áustria no Maracanã.

Reintegrado ao Flamengo, reforçou o time na reta final da “Taça Guanabara”, na época ainda um torneio separado do Estadual – e naquele ano disputada em três turnos, estendendo-se de março a maio.

Arílson chegou às vésperas do turno final, quando a equipe encaminhou o título batendo Vasco (2 X 0), Bangu (3 X 1, com dois gols seus), Botafogo (2 X 1) e América (2 X 0), finalizando com um empate em 1 X 1 diante do Fluminense que valeu o ponto necessário para a confirmação da conquista.

Só que, em meio à festa, começava um drama. Durante o jogo, Arílson dividiu uma bola com o lateral tricolor Oliveira e levou a pior, mas seguiu no jogo. Mais tarde descobriu: havia estourado os meniscos do joelho esquerdo.

Mal conseguindo suportar o incômodo das dores, uma primeira cirurgia no joelho foi marcada pelo departamento médico do clube. Depois da cirurgia, Arílson tentou voltar mas foi vencido pelas dores. Apesar do esforço, o atacante mal conseguia treinar.

O segundo parecer médico foi uma bomba. Quando Arílson revelou publicamente que ainda existiam fragmentos do menisco no joelho operado foi um escândalo. Os dirigentes então acusaram os jornalistas de sensacionalistas.

Para abafar o caso, Arílson foi proibido de falar. No terceiro andar do Hospital da Cruz Vermelha, o acesso ao quarto do jogador foi totalmente proibido e vigiado 24 horas. E como num passe de mágica, uma nova versão oficial apareceu do nada: Era o menisco externo que tinha estourado.

Em reportagem assinada por Fausto Neto, a revista “Placar” de 5 de fevereiro de 1971 ofereceu aos leitores um pouco do momento delicado vivido pelo jogador Arílson. Os médicos evitavam tocar no assunto, enquanto os dirigentes queriam mesmo era silenciar o jogador de qualquer maneira.

Talvez, o medo de revelar a evidente falta de estrutura que ainda assolava o futebol brasileiro no início da década de 1970. Mas o temor poderia ser bem maior. Quem sabe, o risco de tornar público os enganos médicos cometidos contra os jogadores Arílson, Dionísio e Tinho.

Algum tempo depois, outro diagnóstico apontou que de fato o menisco externo apresentava problemas. Todavia, os fragmentos não foram removidos totalmente na primeira cirurgia.

Sensibilizado, o jovem ponteiro-esquerdo do Flamengo agradeceu o apoio dos companheiros, principalmente do treinador Dorival Knippel, o conhecido Yustrich: “O seu Yustrich me deu muita força. Sempre perguntava como eu estava”.

Munido de esperanças para voltar rapidamente aos gramados, lá foi Arílson para o segundo procedimento cirúrgico. Na recuperação da cirurgia; algumas revistas de palavras cruzadas, embrulhos com maçãs e maços de cigarros tentavam melhorar o ambiente monótono. O tédio só era quebrado na presença do repórter da revista “Placar”.

Como a imprensa não era bem-vinda, o repórter Fausto Neto precisava mentir para o vigilante do quarto. “Sou primo dele e estou trazendo umas coisinhas”. Então Arílson acenava sorridente e o repórter tinha livre acesso ao leito do jogador.

Em sua volta aos gramados, Arílson foi aos poucos ganhando confiança. O rendimento não era mais o mesmo, mas o suficiente para colaborar nas grandes conquistas daquele período.

Arílson jogou ainda por um curto período no Corinthians em 1975. Depois, atuou pelo Americano e pelo Volta Redonda, clube onde encerrou sua trajetória nos gramados em 1977.

Conforme matéria da revista “Placar” de 16 de setembro de 1983, após deixar o futebol, Arílson dedicou seu tempo ao bar que inaugurou em 1980, no bairro carioca do Grajaú: “Minha sorte é que nos finais de semana aparecem por aqui o Carlinhos, o Dida e o Silva. Então, os clientes lotam o estabelecimento e eu faturo alto”, contou.

Posteriormente, Arílson ainda trabalhou nas categorias amadoras do Flamengo, até ser demitido sem qualquer explicação. (Pesquisa: Nilo Dias)


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