domingo, 3 de novembro de 2019

O histórico Estádio das Alamedas

Primeiro decacampeão do mundo, o América Futebol Clube, fundado em 30 de abril de 1912 é, sem dúvida, um dos mais tradicionais clubes de Minas Gerais e do Brasil.

Em sua rica trajetória centenária, a história do América se confunde com a de Belo Horizonte. Seu primeiro estádio (também o primeiro campo gramado e com arquibancadas cobertas em Minas), se localizava onde hoje se encontra o Mercado Central.

Nos dias de hoje, a casa americana é o Estádio Independência, motivo de orgulho de toda torcida.

Uma das praças esportivas mais tradicionais e históricas de Minas Gerais, foi sem dúvida o “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que pertencia ao América Futebol Clube, e era mais conhecido como “Alameda”, por também ter entrada pela “Alameda Álvaro Celso”.

O local guardou muito da história americana, pois foi lá que o clube ganhou o campeonato estadual pela primeira vez e conquistou o deca-campeonato.

No ano de 1927, a prefeitura comandada por Cristiano Machado havia feito um acordo com o América. A área do antigo campo do clube seria desapropriada para a ampliação do Mercado Central da cidade.

Em troca, a prefeitura construiria o novo estádio. O Atlético Mineiro, equipe esportiva que rivalizava com o América no número de torcedores, também recebeu uma proposta semelhante.

Belo Horizonte, naquele momento, era uma cidade em expansão, ampliando a ocupação de seus espaços para o desenvolvimento da capital. Mesmo que para isso fosse necessário utilizar muito dinheiro público.

No acordo assinado com o América, o governo municipal se comprometeu a fazer, além do campo gramado para a prática de futebol, toda a área para a prática de esportes. Já que no antigo terreno o clube tinha a maior praça de esportes da cidade.

Não se tem informações sobre os valores gastos para a desapropriação do espaço do antigo campo, mas o “Relatório de Prefeitos” (1927-1928) confirma a execução por empreitadas, com o acompanhamento da "Diretoria de Obras" da Prefeitura.

Como consta no documento, assinado pelo prefeito Cristiano Machado em outubro de 1928, “o campo está concluído, bem como três grandes archibancadas em cimento armado e vários outros serviços complementares que dão ao conjunto um aspecto de certa imponência. Estão sendo agora preparados os campos para os jogos de tennis and basketball”.

Inaugurado em 9 de setembro de 1929, em um jogo amistoso contra o Atletico Mineiro, o estádio nesse momento tinha capacidade para 12 mil pessoas e uma área de 19.338 metros quadrados.

Poeira acima dos 20 centímetros. Terra. Milhares de pessoas. A combinação entre obra inacabada e a empolgação dos torcedores fez daquele dia 9 de setembro um marco histórico para o futebol de Belo Horizonte.

O Atlético venceu por 1 X 0, gol de Mário de Castro, aos 27 minutos do primeiro tempo. O América jogou com Zico – Tonico e Badu. Parruda – Humberto e Allison. Teixeira – Rui – Sátiro – Canhoto e Cunha. O Atlético mandou a campo: Perigoso – Ewando e Chiquinho. Cordeiro – Brant e Hugo Jacques. Getúlio - Said – Mário de Castro – Jairo e Jasminor.

O ano era 1929 e a cidade inaugurava o seu maior e mais moderno estádio, o novo complexo esportivo do América Futebol Clube. O estádio da Avenida Araguaia (hoje Francisco Sales), ficava entre as atuais ruas Alameda Ezequiel Dias e a Alameda Álvaro Celso, na época Bahia e Álvares Cabral, no bairro de Santa Efigênia, região central de Belo Horizonte.

O número de torcedores era tão expressivo naquele jogo, que a torcida superou a capacidade limitada do estádio, que era de 10 mil pessoas. As cadeiras de marmorite estavam longe de ser suficientes. A solução foi sentar a poucos centímetros da linha lateral do gramado, esbarrando nos jogadores dentro de campo.

O excesso de alamedas ao redor originou o nome pelo qual o estádio ficou conhecido: “Alameda”. Foi a casa do América por mais de 40 anos, de 1929 a 1972.

O estádio recebeu o nome de Otacílio Negrão de Lima, que foi um antigo jogador e depois presidente do América. Grande figura política da época foi o responsável por trazer os jogos da “Taça Jules Rimet”, enquanto era prefeito de Belo Horizonte, com a construção do “Estádio Independência” em 1950. Comandou a cidade em dois períodos, entre 1935 e 1938 e entre 1947 e 1951.

Se o estádio não estava em condições de receber os jogadores, imprensa e mais de 12 mil torcedores (apesar das arquibancadas terem capacidade para cinco mil pessoas), as condições 20 anos depois também não eram as melhores.

Depois de uma fase ruim no futebol nos anos 1930, quando deixou de disputar campeonatos profissionalmente, o América tentava recuperar o seu prestígio no cenário futebolístico da cidade - o clube é o único a vencer o campeonato mineiro 10 vezes seguidas, entre 1915 e 1925.

Enquanto o complexo esportivo da “Alameda” era utilizado para a prática de outros esportes, como o basquete, o presidente do clube, Alair Couto, deu início ao processo de remodelação do estádio, com o apoio da torcida americana.

Entre a arquibancada e o campo havia cinco mil cadeiras de marmorite, que Alair Couto vendeu para arrecadar dinheiro para a obra. Mas ele também fazia muita campanha: a do cimento, a do tijolo, a da cadeira. O dinheiro foi sendo arrumando aos poucos.

De acordo com a “Revista do América”, editada pelo jornalista Januário Carneiro, o estádio teria a capacidade ampliada para 15 mil torcedores. A reforma de 1948 foi só no campo de futebol. Antes, eram três arquibancadas que foram emendadas.

O motivo para a antiga divisão da arquibancada, como conta o pesquisador sobre a história dos estádios de Belo Horizonte e professor da Unimontes, Georgino Neto, seria a rivalidade entre os principais clubes da cidade.

A do centro era reservada ao América; a da esquerda, destinada aos palestrinos (atual Cruzeiro); e a da direita, dedicada aos torcedores atleticanos. A mesma rivalidade que fez com que o América adiantasse a inauguração do estádio, mesmo sem a estrutura estar totalmente construída.

O estádio do rival atleticano estava em fase bastante adiantada, com a sua inauguração prevista para o início de 1949. A rivalidade futebolística talvez tenha promovido a imperiosa necessidade de sair à frente do clube opositor, ainda que em condições não adequadas.

Ainda em 1948, o prefeito Otacílio Negrão de Lima - torcedor americano, de acordo com a Enciclopédia do clube - financiou os principais clubes de Belo Horizonte com um empréstimo da prefeitura para a valorização da prática esportiva no município.

Com o dinheiro, o América concluiu a reforma do estádio, que foi inaugurado ainda naquele ano, em “um salto de excepcional envergadura”, como escrito na “Revista do América”.

O americano ilustre, que passou a nomear o reformulado estádio, Otacílio Negrão de Lima, esteve presente na reinauguração, dando o pontapé inicial no segundo jogo da tarde, após as homenagens oferecidas pelos clubes da capital a ele.

Recebendo as bênçãos do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes, o estádio foi inaugurado com grande festa. Com renda de 304 mil cruzeiros, recorde para uma partida disputada na capital mineira.

A apoteótica reinauguração naquele 27 de maio, como descreveram os jornais, contou também com a presença do governador de Minas Gerais, Milton Campos, do secretário de Interior e também torcedor do clube, Pedro Aleixo, e do secretário de Finanças, Magalhães Pinto.

Os melhores momentos do América na “Alameda” se deram a partir dessas obras de ampliação, o que lhe rendeu o posto de maior estádio de Minas Gerais e terceiro maior do Brasil no ano de sua reinauguração.

Era presidente na época o desportista Alair Couto. Além do estádio, o América também tratou de reformar sua parte social, inaugurando a maior e mais moderna praça esportiva do Estado no período, com disponibilidade para a prática de modalidades olímpicas, como atletismo, natação, vôlei, tênis e basquete.

Havia uma piscina, com profundidade de mais de sete metros, em razão do trampolim de salto. E também as duas quadras, onde se jogava basquete, além da quadra de tênis.

Uma crítica que se fazia ao América, na época, era misturar a sede social com a presença dos jogadores de futebol profissional. Debaixo de um lado da arquibancada funcionava o alojamento dos jogadores. Do outro lado, o salão do Conselho Deliberativo, a secretaria.

A reinauguração aconteceu no dia 27 de maio de 1948 perante 12.500 torcedores presentes, sendo 10.652 pagantes, com renda de Cr$ 305.750,00.

Na ocasião foi realizado o “Torneio Quadrangular de Belo Horizonte”, reunindo o América, anfitrião, Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, campeão sul-americano daquele ano, São Paulo, campeão paulista e Atlético Mineiro, campeão estadual do ano anterior.

O primeiro jogo no estádio reformulado foi entre as equipes do Atlético e do São Paulo, com vitória atleticana por 3 X 0. Logo em seguida, América e Vasco disputaram a tão aguardada partida, que foi vencida pelo América, por 4 X 2. O América foi campeão invicto.

Com a inauguração do “Estádio Independência”, em 1950, os principais jogos esportivos da capital mineira passaram a ser realizados no novo palco esportivo.

O “Alameda” se transformou no local de comemoração dos títulos da equipe americana, em jogos disputados no “Independência”, como após o título do “Campeonato Mineiro de Futebol” de 1957, contra o Democrata de Sete Lagoas.

Os torcedores desceram a pé até o centro de Belo Horizonte, passaram pela Afonso Pena, pela Rua da Bahia, e, em seguida, foram para a "Alameda", fazendo a festa no estádio americano.

O último grande momento do “Alameda” foi em 1964, quando o América esteve muito perto de ser campeão mineiro, mas perdeu o título para o Siderúrgica, após uma surpreendente derrota por 3 X 1, com gols de Ernâni, Noventa e Aldeir, para a equipe de Sabará. E um gol do artilheiro do campeonato, Jair Bala, para o América.

A nova “Alameda” deu sorte ao Coelho, que voltou a ser campeão estadual no ano de reinauguração do estádio e igualou-se ao Atlético como maior campeão estadual, com 11 títulos.

Além disso, o América também foi campeão do único torneio interestadual da temporada, a “Taça dos Campeões”, torneio quadrangular que reuniu os campões estaduais do sudeste brasileiro.

Naquele ano, o estádio abrigou uma das finais mais folclóricas da história do Campeonato Mineiro, durante a vitória americana por 3 X 1 na grande decisão contra o Atlético.

Com problemas de manutenção e administração, o terreno correspondente ao estádio foi vendido ao “Grupo Pão de Açúcar” em 1973, demolido, tendo em seu lugar sido construído um supermercado.

Isso ocorreu sem o consentimento dos torcedores, em um acordo misterioso articulado com a ditadura militar, que demoliu a “Alameda” sem muita cerimônia em 1972.

Pouco antes, o alçapão já havia sido penhorado e não estava mais em condições de jogo, sendo utilizado apenas para treinamentos das equipes profissional e júnior, alojamento das equipes juvenis e demais comodidades.

Um jornalista americano que publicou uma reportagem questionando a controversa venda do estádio chegou a ser preso pelo regime militar.

Para os americanos, ainda havia algo de místico naquela velha “Alameda” e seu fim representou um duro golpe à identidade do clube e seus torcedores, apenas superado com a aquisição do “Independência”, décadas mais tarde.

Afinal, uma geração de futebolistas, do nível de Telê Santana e Tostão, foram apresentados ao futebol naquele lugar, e ambos já descreveram em crônicas a nostalgia que sentiam pelo estádio.

Um dos palcos mais antigos e lendários do esporte mineiro, a “Alameda” merecia ter sido preservada com mais respeito, questão de patrimônio histórico.

A identificação do clube com o alçapão era tamanha que, segundo uma lenda que persiste por gerações de torcedores americanos, o portão do estádio se recusou a deixar o solo e permaneceu fincado ao chão mesmo após a demolição completa das arquibancadas e demais comodidades, tendo que ser retirado com explosivos e dinamites – algo que impressionou até os engenheiros encarregados da obra.

Era o último suspiro do “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que ainda lutava contra seu fim iminente. Atualmente, já não existe mais nenhum sinal do antigo estádio que tanto encantou os americanos.

Com glórias também no chamado esporte especializado - destaque para o octacampeonato mineiro de basquete - o “Coelho” alcançou suas maiores conquistas no futebol que carrega no nome.

Nacionalmente, o América venceu por duas vezes o “Campeonato Brasileiro da Série B”, em 1997 e 2017, além de ter faturado um “Brasileiro da Série C”, em 2009.

O time americano ainda levantou a taça da “Copa Sul-Minas”, em 2000, na primeira edição do torneio interestadual que reuniu grandes equipes do Brasil.

Dono de uma das camisas mais bonitas do futebol mundial, o América brilha com suas três cores: o branco, o verde e o preto. Destaque para a camisa verde e preta, lançada na década de 1970 e reverenciada por sua beleza única.

Pelos gramados de todo o mundo desfilaram atletas como Jair Bala, Juca Show, Cândido, Zuca, Petrônio, Gunga e Satyro, além das revelações da categoria de base, com destaque para Tostão, Eder Aleixo, Palhinha, Euller, o “Filho do Vento”, Gilberto Silva, Fred, Alessandro, Alex Mineiro, Alessandro, Wagner, também o japonês Yuji Nakazawa, que atuou pelo América entre 1996 e 1997 e depois se tornou herói da seleção de seu país.

Recentemente, o “Coelho” ainda revelou nomes como Danilo, Richarlison, Matheusinho, entre tantos outros.

A equipe americana se destaca também pelo modelo de gestão diferente da maioria de outros clubes, tendo à frente um Conselho de Administração formado por cinco integrantes, além do Conselho Consultivo, que contempla todos os presidentes e ex-presidentes vivos e ajuda a comandar o clube e seu futuro.

Fora de campo o América é também conhecido pelo seu grande patrimônio, avaliado em mais de R$ 550 milhões. (Pesquisa: Nilo Dias)


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