Em
sua rica trajetória centenária, a história do América se confunde com a de Belo
Horizonte. Seu primeiro estádio (também o primeiro campo gramado e com
arquibancadas cobertas em Minas), se localizava onde hoje se encontra o Mercado
Central.
Nos
dias de hoje, a casa americana é o Estádio Independência, motivo de orgulho de
toda torcida.
Uma
das praças esportivas mais tradicionais e históricas de Minas Gerais, foi sem
dúvida o “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que pertencia ao América Futebol
Clube, e era mais conhecido como “Alameda”, por também ter entrada pela “Alameda
Álvaro Celso”.
O
local guardou muito da história americana, pois foi lá que o clube ganhou o
campeonato estadual pela primeira vez e conquistou o deca-campeonato.
No
ano de 1927, a prefeitura comandada por Cristiano Machado havia feito um acordo
com o América. A área do antigo campo do clube seria desapropriada para a
ampliação do Mercado Central da cidade.
Em
troca, a prefeitura construiria o novo estádio. O Atlético Mineiro, equipe
esportiva que rivalizava com o América no número de torcedores, também recebeu
uma proposta semelhante.
Belo
Horizonte, naquele momento, era uma cidade em expansão, ampliando a ocupação de
seus espaços para o desenvolvimento da capital. Mesmo que para isso fosse
necessário utilizar muito dinheiro público.
No
acordo assinado com o América, o governo municipal se comprometeu a fazer, além
do campo gramado para a prática de futebol, toda a área para a prática de
esportes. Já que no antigo terreno o clube tinha a maior praça de esportes da
cidade.
Não
se tem informações sobre os valores gastos para a desapropriação do espaço do
antigo campo, mas o “Relatório de Prefeitos” (1927-1928) confirma a execução
por empreitadas, com o acompanhamento da "Diretoria de Obras" da Prefeitura.
Como
consta no documento, assinado pelo prefeito Cristiano Machado em outubro de
1928, “o campo está concluído, bem como três grandes archibancadas em cimento
armado e vários outros serviços complementares que dão ao conjunto um aspecto
de certa imponência. Estão sendo agora preparados os campos para os jogos de
tennis and basketball”.
Inaugurado
em 9 de setembro de 1929, em um jogo amistoso contra o Atletico Mineiro, o
estádio nesse momento tinha capacidade para 12 mil pessoas e uma área de 19.338
metros quadrados.
Poeira
acima dos 20 centímetros. Terra. Milhares de pessoas. A combinação entre obra
inacabada e a empolgação dos torcedores fez daquele dia 9 de setembro um marco
histórico para o futebol de Belo Horizonte.
O
Atlético venceu por 1 X 0, gol de Mário de Castro, aos 27 minutos do primeiro
tempo. O América jogou com Zico – Tonico e Badu. Parruda – Humberto e Allison.
Teixeira – Rui – Sátiro – Canhoto e Cunha. O Atlético mandou a campo: Perigoso
– Ewando e Chiquinho. Cordeiro – Brant e Hugo Jacques. Getúlio - Said – Mário
de Castro – Jairo e Jasminor.
O
ano era 1929 e a cidade inaugurava o seu maior e mais moderno estádio, o novo
complexo esportivo do América Futebol Clube. O estádio da Avenida Araguaia
(hoje Francisco Sales), ficava entre as atuais ruas Alameda Ezequiel Dias e a
Alameda Álvaro Celso, na época Bahia e Álvares Cabral, no bairro de Santa
Efigênia, região central de Belo Horizonte.
O
número de torcedores era tão expressivo naquele jogo, que a torcida superou a capacidade limitada do estádio, que era de 10 mil
pessoas. As
cadeiras de marmorite estavam longe de ser suficientes. A solução foi sentar a
poucos centímetros da linha lateral do gramado, esbarrando nos jogadores dentro
de campo.
O
excesso de alamedas ao redor originou o nome pelo qual o estádio ficou
conhecido: “Alameda”. Foi a casa do América por mais de 40 anos, de 1929 a
1972.
O
estádio recebeu o nome de Otacílio Negrão de Lima, que foi um antigo jogador e
depois presidente do América. Grande figura política da época foi o responsável
por trazer os jogos da “Taça Jules Rimet”, enquanto era prefeito de Belo
Horizonte, com
a construção do “Estádio Independência” em 1950. Comandou a cidade em dois
períodos, entre 1935 e 1938 e entre 1947 e 1951.
Se
o estádio não estava em condições de receber os jogadores, imprensa e mais de
12 mil torcedores (apesar das arquibancadas terem capacidade para cinco mil
pessoas), as condições 20 anos depois também não eram as melhores.
Depois
de uma fase ruim no futebol nos anos 1930, quando deixou de disputar
campeonatos profissionalmente, o América tentava recuperar o seu prestígio no
cenário futebolístico da cidade - o clube é o único a vencer o campeonato
mineiro 10 vezes seguidas, entre 1915 e 1925.
Enquanto
o complexo esportivo da “Alameda” era utilizado para a prática de outros
esportes, como o basquete, o presidente do clube, Alair Couto, deu início ao
processo de remodelação do estádio, com o apoio da torcida americana.
Entre
a arquibancada e o campo havia cinco mil cadeiras de marmorite, que Alair
Couto vendeu para arrecadar dinheiro para a obra. Mas ele também fazia muita
campanha: a do cimento, a do tijolo, a da cadeira. O dinheiro foi sendo
arrumando aos poucos.
De
acordo com a “Revista do América”, editada pelo jornalista Januário Carneiro, o
estádio teria a capacidade ampliada para 15 mil torcedores. A reforma de 1948
foi só no campo de futebol. Antes, eram três arquibancadas que foram emendadas.
O
motivo para a antiga divisão da arquibancada, como conta o pesquisador sobre a
história dos estádios de Belo Horizonte e professor da Unimontes, Georgino
Neto, seria a rivalidade entre os principais clubes da cidade.
A
do centro era reservada ao América; a da esquerda, destinada aos palestrinos
(atual Cruzeiro); e a da direita, dedicada aos torcedores atleticanos. A
mesma rivalidade que fez com que o América adiantasse a inauguração do estádio,
mesmo sem a estrutura estar totalmente construída.
O
estádio do rival atleticano estava em fase bastante adiantada, com a sua
inauguração prevista para o início de 1949. A rivalidade futebolística
talvez tenha promovido a imperiosa necessidade de sair à frente do clube
opositor, ainda que em condições não adequadas.
Ainda
em 1948, o prefeito Otacílio Negrão de Lima - torcedor americano, de acordo com
a Enciclopédia do clube - financiou os principais clubes de Belo Horizonte com
um empréstimo da prefeitura para a valorização da prática esportiva no
município.
Com
o dinheiro, o América concluiu a reforma do estádio, que foi inaugurado ainda
naquele ano, em “um salto de excepcional envergadura”, como escrito na “Revista
do América”.
O
americano ilustre, que passou a nomear o reformulado estádio, Otacílio Negrão de
Lima, esteve presente na reinauguração, dando o pontapé inicial no segundo jogo
da tarde, após as homenagens oferecidas pelos clubes da capital a ele.
Recebendo
as bênçãos do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes, o estádio foi
inaugurado com grande festa. Com renda de 304 mil cruzeiros, recorde para uma
partida disputada na capital mineira.
A
apoteótica reinauguração naquele 27 de maio, como descreveram os jornais,
contou também com a presença do governador de Minas Gerais, Milton Campos, do
secretário de Interior e também torcedor do clube, Pedro Aleixo, e do
secretário de Finanças, Magalhães Pinto.
Os
melhores momentos do América na “Alameda” se deram a partir dessas obras de ampliação, o que lhe rendeu
o posto de maior estádio de Minas Gerais e terceiro maior do Brasil no ano de
sua reinauguração.
Era
presidente na época o desportista Alair Couto. Além do estádio, o América
também tratou de reformar sua parte social, inaugurando a maior e mais moderna
praça esportiva do Estado no período, com disponibilidade para a prática de
modalidades olímpicas, como atletismo, natação, vôlei, tênis e basquete.
Havia
uma piscina, com profundidade de mais de sete metros, em razão do trampolim
de salto. E também as duas quadras, onde se jogava basquete, além da quadra de
tênis.
Uma
crítica que se fazia ao América, na época, era misturar a sede social com a
presença dos jogadores de futebol profissional. Debaixo de um lado da
arquibancada funcionava o alojamento dos jogadores. Do outro lado, o salão do
Conselho Deliberativo, a secretaria.
A
reinauguração aconteceu no dia 27 de maio de 1948 perante 12.500 torcedores
presentes, sendo 10.652 pagantes, com renda de Cr$ 305.750,00.
Na
ocasião foi realizado o “Torneio Quadrangular de Belo Horizonte”, reunindo o América,
anfitrião, Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, campeão sul-americano daquele ano,
São Paulo, campeão paulista e Atlético Mineiro, campeão estadual do ano
anterior.
O primeiro jogo no estádio reformulado foi entre as equipes do Atlético e do São Paulo, com vitória atleticana por 3 X 0. Logo
em seguida, América e Vasco disputaram a tão aguardada partida, que foi vencida
pelo América, por 4 X 2. O América foi campeão invicto.
Com
a inauguração do “Estádio Independência”, em 1950, os principais jogos
esportivos da capital mineira passaram a ser realizados no novo palco
esportivo.
O
“Alameda” se transformou no local de comemoração dos títulos da equipe
americana, em jogos disputados no “Independência”, como após o título do “Campeonato
Mineiro de Futebol” de 1957, contra o Democrata de Sete Lagoas.
Os
torcedores desceram a pé até o centro de Belo Horizonte, passaram pela Afonso
Pena, pela Rua da Bahia, e, em seguida, foram para a "Alameda", fazendo a festa
no estádio americano.
O
último grande momento do “Alameda” foi em 1964, quando o América esteve muito
perto de ser campeão mineiro, mas perdeu o título para o Siderúrgica, após uma
surpreendente derrota por 3 X 1, com gols de Ernâni, Noventa e Aldeir, para a
equipe de Sabará. E um gol do artilheiro do campeonato, Jair Bala, para o
América.
A
nova “Alameda” deu sorte ao Coelho, que voltou a ser campeão estadual no ano de
reinauguração do estádio e igualou-se ao Atlético como maior campeão estadual,
com 11 títulos.
Além
disso, o América também foi campeão do único torneio interestadual da
temporada, a “Taça dos Campeões”, torneio quadrangular que reuniu os campões
estaduais do sudeste brasileiro.
Naquele
ano, o estádio abrigou uma das finais mais folclóricas da história do
Campeonato Mineiro, durante a vitória americana por 3 X 1 na grande decisão
contra o Atlético.
Com
problemas de manutenção e administração, o terreno correspondente ao estádio
foi vendido ao “Grupo Pão de Açúcar” em 1973, demolido, tendo em seu lugar sido
construído um supermercado.
Isso
ocorreu sem o consentimento dos torcedores, em um acordo misterioso articulado
com a ditadura militar, que demoliu a “Alameda” sem muita cerimônia em 1972.
Pouco
antes, o alçapão já havia sido penhorado e não estava mais em condições de
jogo, sendo utilizado apenas para treinamentos das equipes profissional e
júnior, alojamento das equipes juvenis e demais comodidades.
Um
jornalista americano que publicou uma reportagem questionando a controversa
venda do estádio chegou a ser preso pelo regime militar.
Para
os americanos, ainda havia algo de místico naquela velha “Alameda” e seu fim
representou um duro golpe à identidade do clube e seus torcedores, apenas
superado com a aquisição do “Independência”, décadas mais tarde.
Afinal,
uma geração de futebolistas, do nível de Telê Santana e Tostão, foram
apresentados ao futebol naquele lugar, e ambos já descreveram em crônicas a
nostalgia que sentiam pelo estádio.
Um
dos palcos mais antigos e lendários do esporte mineiro, a “Alameda” merecia ter
sido preservada com mais respeito, questão de patrimônio histórico.
A
identificação do clube com o alçapão era tamanha que, segundo uma lenda que
persiste por gerações de torcedores americanos, o portão do estádio se recusou
a deixar o solo e permaneceu fincado ao chão mesmo após a demolição completa
das arquibancadas e demais comodidades, tendo que ser retirado com explosivos e
dinamites – algo que impressionou até os engenheiros encarregados da obra.
Era
o último suspiro do “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que ainda lutava contra
seu fim iminente. Atualmente, já não existe mais nenhum sinal do antigo estádio
que tanto encantou os americanos.
Com
glórias também no chamado esporte especializado - destaque para o
octacampeonato mineiro de basquete - o “Coelho” alcançou suas maiores
conquistas no futebol que carrega no nome.
Nacionalmente,
o América venceu por duas vezes o “Campeonato Brasileiro da Série B”, em 1997 e
2017, além de ter faturado um “Brasileiro da Série C”, em 2009.
O
time americano ainda levantou a taça da “Copa Sul-Minas”, em 2000, na primeira
edição do torneio interestadual que reuniu grandes equipes do Brasil.
Dono
de uma das camisas mais bonitas do futebol mundial, o América brilha com suas
três cores: o branco, o verde e o preto. Destaque para a camisa verde e preta,
lançada na década de 1970 e reverenciada por sua beleza única.
Pelos
gramados de todo o mundo desfilaram atletas como Jair Bala, Juca Show, Cândido,
Zuca, Petrônio, Gunga e Satyro, além das revelações da categoria de base, com
destaque para Tostão, Eder Aleixo, Palhinha, Euller, o “Filho do Vento”,
Gilberto Silva, Fred, Alessandro, Alex Mineiro, Alessandro, Wagner, também o japonês
Yuji Nakazawa, que atuou pelo América entre 1996 e 1997 e depois se tornou
herói da seleção de seu país.
Recentemente,
o “Coelho” ainda revelou nomes como Danilo, Richarlison, Matheusinho, entre
tantos outros.
A
equipe americana se destaca também pelo modelo de gestão diferente da maioria
de outros clubes, tendo à frente um Conselho de Administração formado por cinco
integrantes, além do Conselho Consultivo, que contempla todos os presidentes e
ex-presidentes vivos e ajuda a comandar o clube e seu futuro.
Fora
de campo o América é também conhecido pelo seu grande patrimônio, avaliado em
mais de R$ 550 milhões. (Pesquisa: Nilo Dias)