No Brasil é costume chamar qualquer bom jogador de futebol, de artista. Confesso que nas minhas andanças pelo mundo da pesquisa, só encontrei um, que realmente fez jus ao epíteto: Francisco Rebollo Gonsales, ou simplesmente Rebolo, artista de verdade, nos campos de futebol e nas telas de pinturas. Tanto, que o grande Jorge Amado foi feliz na frase que resumiu quem era Rebolo: “um homem de duas artes: emocionou pintando e jogando futebol.
Filho de imigrantes espanhóis que vieram para o Brasil no final do século XIX, Rebolo nasceu no dia 22/08/1902, em uma casa da rua Visconde de Parnaíba, em São Paulo. Rebolo foi o quinto filho do casal Francisco Rebollo Merguizo e Rosa Gonsales Rodrigues.
Em 1910 começou a cursar o Primário, no Grupo Escolar da Mooca, na capital paulista. Em 1914 foi trabalhar como entregador, em uma loja de chapéus. Em 1915, aos 13 anos teve o seu primeiro contato com pincéis e tintas, se tornando aprendiz de decorador, trabalhando em restauro de igrejas e executando projetos de decoração em residências onde era comum a pintura rococó, cheia de floreados e exageros. Isso o motivou a estudar na Escola Profissional Masculina do Brás durante dois anos.
Desde tenra idade Rebolo gostava de futebol e deu seus primeiros chutes na várzea paulistana. Bom de bola, apesar de seu 1m60 de altura, era rápido e certeiro, o que chamou a atenção de dirigentes da Associação Atlética São Bento. Em 1917, aos 15 anos já jogava no time de cima. Em 1922, ano do Centenário da Independência, foi para o S.C. Corinthians, onde atuou como ponteiro-direito.
A torcida logo o apelidou de “Formiguinha”, pois fazia um incessante trabalho de ir e vir, que confundia os adversários. Foi importante na conquista do título de Campeão do Centenário. Rebolo era um daqueles “baixinhos” que fazem furor, surgindo sempre de surpresa e desnorteando os zagueiros com a rapidez dos movimentos e com a facilidade em se desvencilhar da marcação.
Rebolo ainda jogou pelo C.A. Juventus e pelo C.A. Ypiranga, ambos da capital paulista. Como o futebol de antigamente não garantia as despesas, paralelamente trabalhou como decorador de residências. Só em 1934, aos 32 anos de idade é que trocou definitivamente a bola pelo pincel.
Ele já havia trocado as chuteiras pelos pincéis quando foi convocado para dar traços definitivos ao emblema do Corinthians. Ao círculo com a bandeira do Estado, adicionou remos e uma âncora, referência aos esportes aquáticos praticados na época no Parque São Jorge. Assim nascia o "Timão", apelido de duplo sentido originado do desenho feito por Rebolo, que lembra um leme de navio.
Em 2002, pela primeira vez, o distintivo alvinegro ganhou status de obra de arte numa retrospectiva montada pelo Museu de Arte Moderna (MAM) e organizada pela filha de Rebolo, a professora Lisbeth Rebolo Gonçalves, em comemoração ao centenário de nascimento do artista. Em meio a 150 pinturas, um pôster criado em 1982 traz as diversas versões da famosa insígnia.
Ao despedir-se dos gramados o artista falou aos jornalistas: "Antes da pintura, o futebol já tinha marcado minha vida. Como no futebol, acho que na arte a gente deve fazer coisas espontâneas, com a marca do amor e entusiasmo, para poder se emocionar e emocionar as pessoas."
A capa do livro de Mário Filho, “O Negro no Futebol Brasileiro”, um dos mais importantes já escritos sobre o futebol no país, é na verdade um auto-retrato de Rebolo, datado de 1936, no qual dois atletas disputam a posse da bola, um branco e outro preto. Na época, Rebolo também era conhecido por defender a presença – raríssima – de jogadores negros nos clubes da cidade. O jogador que está sendo driblado na imagem é ele próprio.
A longa carreira de Rebolo, já exclusivamente como pintor começou em meados da década de 1930, ao alugar duas salas do Edifício Santa Helena (hoje demolido), na Praça da Sé, no centro de São Paulo. Ali ele montou seu ateliê de pintura de cavalete, e como microempresário também atendia a clientela de pintura ornamental de residências.
O ateliê de Rebolo passou a ser um local de encontro de artistas. Era comum a presença de alguns nomes que acabaram entrando para a história da arte brasileira, como Fulvio Pennacchi, Aldo Bonadei, Humberto Rosa, Manuel Martins, Clóvis Graciano, Mario Zanini, Alfredo Volpi e Alfredo Rizzotti, entre outros. Graças a essa convivência e proximidade surgiu o que a crítica da época batizou como “Grupo Santa Helena”, o primeiro núcleo de artistas paulistas trabalhando em conjunto e criando uma nova tendência na arte brasileira.
Sobre o grupo, Rebolo costumava dizer: "Somos meia dúzia de amigos, cujo traço comum é não gostar dos acadêmicos e querer a pintura verdadeira, que não seja anedótica ou narrativa. A pintura pela pintura."
O espírito de liderança de Rebolo era evidente, o que o levou a ser um dos fundadores do Sindicato dos Artistas e Amigos da Arte, o “Clubinho”, que se tornou uma verdadeira legenda do mundo cultural e boêmio paulistano. Anos depois, lá estava ele participando do grupo que trabalhou pela criação do Museu da Arte Moderna (MAM-SP) e também da Bienal, onde se destacou como expositor e jurado.
Em 1944, Rebolo arriscou-se a fazer sua primeira exposição individual na Livraria Brasiliense, mas, a despeito do sucesso, nesta e em outras exposições, somente dez anos após, em 1954, é que pode ser efetivamente notado, quando ganhou um prêmio de viagem à Europa, no 3º Salão Nacional de Arte Moderna.
Foi a grande oportunidade, bem aproveitada, para aperfeiçoamento de sua arte, numa turnê, em companhia da família, percorrendo Itália, Espanha, Alemanha, França, Áustria e Holanda, além de participar de um curso de restauração no Museu do Vaticano.
Sem perder a simplicidade, o Rebolo que retornou ao Brasil foi outro, bem mais amadurecido, com uma pintura de técnica bem mais desenvolvida e menos ingênua. Daí em diante, registrou-se uma sucessão de exposições, de entrevistas e de encomendas. Foi a consagração, com a qual jamais sonhara, ainda que tardia, chegou à sua vida. Rebolo amava tudo o que fazia: "O dia em que não pinto, não vivo. É um dia perdido!", costumava dizer.
Ganhando não apenas status, como também uma condição financeira mais sólida, Rebolo conseguiu realizar um dos sonhos de sua vida. Construiu uma confortável casa no bairro do Morumbi, a cinqüenta metros da antiga chácara em que passou sua infância de privações. Foi lá que faleceu, aos 79 anos de idade, no dia 10 de julho de 1980. A antiga vila de chacareiros já se tornara então um dos mais ricos e populosos bairros de São Paulo, o que não lhe tolheu os costumes do menino pobre, que ali nasceu e passou sua infância.
Rebolo é considerado um dos mais importantes paisagistas da pintura brasileira. Sua obra, com um total estimado superior a 3.000 pinturas, centenas de desenhos e um conjunto de cinqüenta diferentes gravuras, de variadas técnicas, além das paisagens, envolve também como temática um expressivo conjunto de retratos, figuras, naturezas-mortas e flores. No mercado, os quadros de Rebolo estão cotados hoje entre R$ 20 mil a R$ 50 mil.
Em 1985, cinco anos após seu falecimento, o Museu Lasar Segall expôs cerca de 80 trabalhos de sua produção e, em 1986, foi lançado um livro que, igualmente, pôs em destaque seu percurso artístico e sua obra (edição MWM/IFK). Sua obra vem participando de mostras coletivas voltadas para a história da arte moderna no Brasil e está presente nos acervos dos principais museus de arte do País e em órgãos culturais e governamentais e em coleções particulares.
O ex-jogador corinthiano Sócrates também é um craque com o pincel. Embora não tenha formação específica ou estudo das diversas técnicas, ele produz belas telas que decoram o seu apartamento em Ribeirão Preto. Avesso a badalações, mostra apenas para um restrito grupo de amigos que freqüenta a sua casa.
Sócrates tampouco planeja exibir seu acervo em uma exposição pública. Tudo começou anos atrás, quando ele entrou num curso de pintura de paredes. Como teve problemas na coluna, passou para as telas, sem nenhuma preocupação de seguir determinada escola ou tendência nas artes plásticas. O interesse do ex-jogador por arte é antiga. Ele sempre gostou de ir a museus e a exposições.
Carlos Alberto Parreira, ex-técnico do Corinthians e da seleção brasileira, é outro que gosta de pintar. Já fez uma exposição de 12 quadros de sua autoria na galeria Britto Central, em São Paulo. (Pesquisa: Nilo Dias)
Rebolo, quando jogava pelo S.C. Corinthians (Foto: Acervo da família)
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