sexta-feira, 14 de março de 2008

O clube de futebol mais "alto" do mundo

Volto ao tema “o clube de futebol mais alto do mundo”. No último artigo não me alonguei muito para não cansar o leitor. Mas cabem mais algumas considerações. O Club Unión Minas, de Cerro Pasco, uma pequena cidade mineira nos Andes peruanos, com 4,34 mil metros de altitude, e um ambiente hostil com temperaturas entre 10 e -5C, é verdadeiramente o clube de futebol “mais alto do mundo”. Essa condição é reconhecida pela revista oficial da FIFA, que usa o clube como exemplo para mostrar como o futebol sobrevive em qualquer ambiente.

Com 70 mil habitantes, Cerro Pasco depende dos recursos gerados pelas minas de zinco, cobre e prata. O futebol não é novo por lá. Os engenheiros e mineiros ingleses que vieram trabalhar nas minas, já praticavam o esporte desde 1912, como passatempo. O futebol profissional veio só em 23 de abril de 1974, quando os trabalhadores das minas fundaram o Unión Minas, com apoio da estatal Centromin.

Durante mais de 10 anos o “Club de la Mina”, assim chamado pelos torcedores, disputou somente os jogos regionais da Copa Peru, a segunda divisão local. Em 1986, a Federação Peruana de Futebol ampliou o número de equipes na primeira divisão e o Unión Minas foi beneficiado.

O apoio financeiro dado pela Centromin era limitado, e por isso o clube contratava apenas jogadores veteranos e rejeitados pelos grandes clubes do país. Mesmo assim, o Unión conseguiu se manter em posições intermediárias, graças ao Estádio Daniel Alcides Carrión, com capacidade para 8 mil expectadores, e localizado no alto do morro, a uma altitude de 4.512 metros. É a casa do Unión e um verdadeiro pesadelo para os adversários. Não apenas pelo ar rarefeito, mas principalmente pelas temperaturas abaixo de zero.

Na altitude de Cerro do Pasco a oxigenação diminui para pouco mais de 66%. A temperatura média durante o dia é de 12 graus. Os especialistas de futebol consideram um castigo para qualquer atleta de fora da cidade que seja contratado pelo time local. Para a saúde, os riscos de hipotermia são consideráveis.

Imaginem um clube brasileiro jogar num local em que até os times peruanos, acostumados a jogar na altitude, precisam tomar medidas especiais. O mais comum é passar a noite anterior em Huánuco (a 2 mil metros de altitude), na selva central do Peru e chegar ao estádio uma hora antes do jogo. Além disso, os times tomam medidas para abrir as fossas nasais e levar garrafas de oxigênio para o intervalo.

Outra medida adotada pelos clubes é dar aos jogadores uma xícara de chá de folha de coca, a mesma matéria-prima utilizada na produção de cocaína, para ajudar a combater o “soroche” (mal de altura, como os andinos chamam os efeitos da altitude). Para que os jogadores não sejam pegos no antidoping, os clubes visitantes só servem a bebida no intervalo, quando o sorteio para o exame já foi realizado.

Mas a ascensão do futebol de Cerro de Pasco não durou muito. Em 1997, a Centromin deixou de apoiar financeiramente o clube. Em 1998 o Unión Minas ainda fez uma boa campanha, ficando na quarta posição no Torneio "Apertura" e em sexto na temporada inteira. No ano seguinte o clube sentiu a falta de dinheiro e foi perdendo força. Com pouco público no estádio e sem condições de revelar bons jogadores, acabou rebaixado para a segundona peruana, em 2001, quando nem o ambiente hostil do Estádio Daniel Alcides Carrión foi capaz de ajudar o time. De lá para cá disputa o grupo do Departamento de Pasco da Copa Peru.

Em El Alto, cidade na região metropolitana de La Paz, a prefeitura construiu o estádio Olímpico de Los Andes. Como o próprio nome diz, El Alto é uma cidade bem alta, com 4,1 mil metros de altitude. O clube que se decidisse a jogar lá poderia ser classificado como o segundo mais alto da Bolívia e do mundo. A Universidad Iberoamericana, quarto clube de La Paz, aceitou se mudar, mas faliu antes de o estádio ficar pronto. O Mariscal Braun, da segunda divisão, também chegou a aceitar o convite da prefeitura de El Alto, mas acabou ficando em La Paz. A cidade tem um bom estádio, mas não tem nenhum time. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Vista do Estádio Daniel Alcides Carrión, em Cerro de Pasco, Peru (Foto: Governo do Peru)

A polêmica dos jogos de futebol na altitude

Em maio do ano passado a FIFA decidiu proibir a realização de jogos internacionais de futebol em estádios localizados a mais de 2.500 metros acima do nível do mar, alegando risco de vida para os atletas. A reação foi imediata. Liderados pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, os representantes das federações da Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Peru e Venezuela, lançaram uma declaração conjunta contestando o veto.

Por solicitação do presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), o peruano Nicolás Leoz, a Fifa acabou por revogar o veto aos clubes, e tudo voltou a ser como era antes. Para as seleções, o veto continua valendo. Agora quem está chiando são os clubes brasileiros e argentinos, principalmente, que são obrigados a enfrentar, além do adversário em campo, alturas acima de 4 mil metros.

A chiadeira se volta, especialmente, contra o Club Bamim Real Potosi (fundado em 20 de outubro de 1941), time da cidade boliviana de Potosi, que a imprensa teima em dizer que é a mais alta do mundo. Será? Com cerca de 130 mil habitantes, Potosi, patrimônio cultural da humanidade está localizada na província de Tomás Frias, aos pés da montanha “Cerro Rico”, nos Andes a cerca de 4.000 mil metros acima do mar. Eu confesso que não sei a altura exata. São muitas as desinformações publicadas pela imprensa: menos de 3.800 metros, 3.967, 3.976, 4.050, mais de 4.000, 4.500, 4.690 metros e por aí vai. Se alguém souber a altitude certa, por favor, mande me dizer.

O Real Potosi está incluído no Grupo 1 da Copa Libertadores da América deste ano, junto com Cruzeiro, de Belo Horizonte, San Lorenzo, da Argentina e Caracas, da Venezuela. O Real Potosi disputa seus jogos no Estádio Mário Mercado Vaca Guzmán, que tem capacidade para 18.000 torcedores, famoso pelo “sofrimento” que causa aos clubes visitantes.

A maioria dos clubes brasileiros ainda teme jogar no Estádio Garcilaso de La Vega, em Cuzco, no Peru, há 3.350 metros acima do nível do mar, com capacidade para receber 42.000 torcedores. É a casa do Cienciano, que está no Grupo 4 da Copa Libertadores da América, junto com Flamengo, Nacional do Uruguai e Coronel Bolognese, do Peru. E também em La Paz, no Hernando Silles, casa do La Paz Fútbol Club, que não está na Copa Libertadores deste ano. O estádio comporta 42.000 torcedores e fica a 3.700 metros acima do nível do mar.

Afinal de contas, quais os prejuízos que a altitude causa aos jogadores? Por que é tão difícil chegar ao topo do mundo? Os médicos dizem que quando estamos ao nível do mar, a respiração é tranqüila, não exige maiores esforços dos pulmões. Mas, à medida que se sobe, o organismo sente a diferença. Ela é conseqüência da diminuição da pressão atmosférica, fruto da força exercida pela camada de ar.

O doutor em Ensino de Química e professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília, Gerson de Souza Mól (gmol@unb.br) explica que quanto maior a altitude, menor será a camada de ar e, conseqüentemente, menor a pressão. Isso provoca um inchaço do cérebro que é responsável por dores de cabeça e náuseas. Num jogo de futebol a tendência é que os jogadores sintam-se mais ofegantes e se cansem mais rapidamente. E isto pode ser decisivo para o resultado final.

Acima de 6 mil metros de altitude, as pessoas não-aclimatadas encontram uma série de dificuldades e muitas chegam a perder a consciência. O ponto mais alto do mundo é o monte Everest, com 8.850 metros. Fica na cordilheira do Himalaia, na fronteira entre o Nepal e o Tibet. No Brasil, o ponto mais alto é o Pico da Neblina, com 3.014 metros de altitude. Fica em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, e faz fronteira com Colômbia e Venezuela.

E o outro lado? Como impossibilitar a realização de jogos em cidades como Potosí? O que seria dos clubes existentes nessas regiões altas? Será que eles não têm queixas por jogar em locais mais baixos? O que dizer do forte calor do Rio de Janeiro, e à grande presença de mosquitos por lá? E o surto de dengue no Paraguai? E os desertos, como o de Atacama, no Chile? Então, os clubes da altitude também encontrarão condições desfavoráveis aqui no Brasil e em outros países. Eu não estou defendendo aquela idéia de que pimenta nos olhos dos outros é colírio.

E Potosi é mesmo a cidade mais alta do mundo? Na verdade, não é. Nem onde se pratica o futebol. No próximo artigo escreverei sobre o verdadeiro “time mais alto do mundo”. As informações são desencontradas. Vejam só o que encontrei em minhas pesquisas: o local habitado mais elevado do mundo é “La Rinconada”, cidade erguida a 5.200 metros de altitude nos Andes peruanos. Por não ter o status de distrito, é apenas uma povoação informal que não tem apoio governamental e nem aparece nos mapas.

“Cerro do Pasco”, localizada nos Andes peruanos também ganha a condição de mais alta do mundo, com seus 4.380 metros de altitude. É lá que está o “time mais alto do mundo”, que será tema de meu próximo artigo. “El Alto”, na Bolívia, antigo bairro de La Paz e emancipada em setembro de 1988, é outra cidade apontada como a mais alta do mundo, com 700.000 habitantes que vivem a mais de 4.000 metros de altura, no frio e inóspito altiplano boliviano.

E o Livro Guiness, tão importante e acreditado o que diz sobre isso? Que a cidade mais alta do mundo está muito longe das regiões montanhosas da América do Sul. È “Wenzhuan”, no Tibet, 5.100 metros acima do nível do mar. (Texto e Pesquisa: Nilo Dias)