Uma das figuras mais conhecidas e importantes da humanidade foi sem dúvida o misto de político e guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara de la Serna, nascido a 14 de junho de 1928 em Rosário, importante cidade industrial argentina ao norte de Buenos Aires e morto no povoado de La Higuera, na Bolívia no dia 9 de outubro de 1967. Sua vida perigosa e cheia de aventuras já foi contada em prosa e verso e chegou até as telas de cinemas em alguns filmes, entre os quais “Diários de Motocicleta”, do cineasta brasileiro Walter Salles Junior, com o mexicano Gael Garcia Bernal no papel de Guevara.
Mas o que pouca gente sabe é que “Che”, antes de se aventurar pelas guerrilhas continentais, como bom argentino também gostava de praticar esportes, em especial o futebol. Enquanto quase todos os meninos argentinos torciam pelo Boca Juniors ou River Plate, ele era torcedor do Rosário Central, clube de sua cidade natal e do Sportivo Alta Gracia. Seu jogador favorito era Ernesto "Chueco" García, apelidado de "o poeta da canhota", mas também admirava Alfredo Di Stéfano, o maior craque que a Argentina produziu antes da era Diego Maradona.
No seu livro “Notas de Viaje”, “Che” relata as aventuras vividas ao lado do amigo Alberto Granado, em 1951 e 1952, quando foram de Buenos Aires a Caracas de moto, caronas e embarcações. “Che” ainda não tinha se formado em Medicina, quando iniciou, com Alberto Granados, a grande viagem pelo continente na velha moto do companheiro conhecida pelo nome de “La Poderosa".
Nessa viagem, Guevara começou a ver a América Latina como uma única entidade econômica e cultural. Visitou minas de cobre, povoações indígenas e leprosários, interagindo profundamente com a população, especialmente os mais humildes. De volta à Argentina em 1953 acabou os estudos de Medicina e passou a se dedicar à política. Guevara atuou como repórter fotográfico em uma carreira de êxito. Cobriu o Pan-Americano de 1953 por uma agência de notícias da Argentina no México. Em julho de 1953, iniciou sua segunda viagem pela América Latina.
Foi uma viagem difícil, onde o dinheiro era curto, por isso era fundamental usar de muita criatividade para não passar fome. Sabedores da fama que os argentinos gozavam no continente de formarem bons jogadores de futebol, os dois amigos, que já haviam jogado em Iquique, no norte do Chile e com os leprosos da cidade de San Pablo, no norte do Peru, resolveram se apresentar aos moradores da cidade de Leticia, na região amazônica da Colômbia, como treinadores de futebol.
O golpe deu certo e, como precisavam de dinheiro concordaram em jogar e ao mesmo tempo comandar o time local, o Independiente Sporting Club, num torneio. “Che”, que na época tinha apenas 24 anos assumiu o gol e Granado, com 30 anos foi o centroavante, ganhando o apelido de "Pedernerita", uma referência a Adolfo Pedernera, grande astro do River Plate, que naquele ano de 1952, estava justamente na Colômbia, junto com Di Stéfano, defendendo o Milionários de Bogotá.
A sorte estava ao lado dos dois. Na decisão do torneio, Granado fez o gol da vitória e “Che” defendeu um pênalti, garantindo o título. Não deu outra, a fanática torcida local carregou os dois em triunfo e conseguiram dinheiro e suprimentos necessários para seguirem viagem até Bogotá, onde se encontraram com o ídolo Di Stéfano, no restaurante “La Saeta Rubia”. O famoso jogador os presenteou com dois ingressos para assistirem o amistoso internacional entre Milionários e Real Madrid.
Granado conta que em 1963, mais de dez anos após a aventura futebolística na Colômbia e quatro depois da revolução cubana de 1959, foi morar em Cuba ao lado da esposa. “Che”, já era ministro da Economia de Cuba e apesar do alto cargo aceitou participar de uma “pelada” contra uma equipe da Universidade de Santiago de Cuba, que era treinada por Arias, um espanhol, que ainda atuava como atacante.
Houve um lance no jogo em que Arias recebeu a bola e avançou, mas “Che” saiu do gol e se jogou em cima dele. Ninguém imaginava que o ministro ia se atirar aos pés de alguém por uma bola. Mas ele era assim, contou Granado: "Quando estava no gol, era um legítimo goleiro.”
O Madureira Atlético Clube, tradicional agremiação esportiva do subúrbio do Rio de Janeiro foi protagonista de um histórico episódio envolvendo “Che”. Em maio de 1963, dois anos depois de “Che” Guevara ter sido condecorado em Brasília pelo então presidente Jânio Quadros com a “Ordem do Cruzeiro do Sul”, o time carioca disputou cinco jogos em Cuba, vencendo quase todos por goleada: 5 X 2 contra o Industriales, campeão local, 6 X 1 no Municipalidad de Morrón, da Província de Camagüey, 11 X 1 num combinado universitário e 1 X 0 e 3 X 2 em duas partidas contra uma seleção de Havana.
No segundo desses últimos dois jogos, em 18 de maio de 1963, “Che” compareceu ao estádio vestindo um uniforme verde-oliva do Exército cubano. Depois da partida, entrou em campo e saudou todos os jogadores, um por um. Membros da delegação do Madureira lembram que o encontro com “Che” Guevara foi extremamente amigável. Ele foi carinhoso e até distribuiu flâmulas. Depois visitou os jogadores no hotel.
Além de Cuba, o Madureira se apresentou na Colômbia, Costa Rica, El Salvador e México. A excursão foi acertada por José da Gama Correia da Silva, o “Zé da Gama”, português que presidiu o Madureira no biênio 1959/1960 e também atuou como empresário de futebol. Antes, em 1961, o Madureira havia se tornado o primeiro clube de futebol do Brasil a dar uma volta ao mundo.
Mas “Che” não gostava só de futebol. Em seu livro "Che, Periodista-Deportista, Pasión y Aventura", o jornalista argentino Hernán Santos Nicolini afirma que Guevara chegou a praticar 26 esportes. "Foi o esportista asmático mais célebre da história, ainda que sua notoriedade não proviesse nem do esporte e nem da asma", escreveu por sua vez o colega Ariel Scher, no livro "La Pátria Desportista", no qual dedica um capítulo inteiro ao Guevara esportista.
Em razão de problemas respiratórios que comprometiam seriamente sua saúde, seus pais decidiram deixar San Isidro, província de Buenos Aires, e ir morar na região montanhosa de Córdoba. Apesar das restrições médicas quanto à prática esportiva, mostrava sua rebeldia praticando rugbi, ciclismo, futebol e natação, um esporte que herdou de sua mãe Célia e que aprendeu com lições do campeão argentino de estilo borboleta, Carlos Espejo.
Com a chegada de um circo japonês a Alta Gracia, começou a imitar os saltos dos acrobatas, ao mesmo tempo em que se interessou pelo montanhismo nas serras de Córdoba. Perto de sua casa havia um campo de golfe e uma quadra de tênis, o que também colaborou para que praticasse esses esportes, ao mesmo tempo em que se dedicava ao boxe e pingue-pongue.
O esporte foi fundamental para o asmático Ernesto Guevara de la Serna ganhar resistência física e aeróbica para enfrentar as cruzadas revolucionárias que o transformaram no lendário “Che”. De quando era menino, em Alta Gracia, na Argentina, até ser ministro de Cuba, “Che” Guevara nunca deixou de participar de intensos jogos nada amistosos com seus camaradas.
Em Cuba ele é reconhecido como grande impulsor do xadrez. "O xadrez", dizia Guevara, "é um passatempo, mas é também um educador do raciocínio, e os países que têm grandes equipes de enxadristas marcham também à frente do mundo em outras esferas mais importantes". Inaugurou torneios, competiu com seus colegas, jogou partidas simultâneas com grandes jogadores, como Victor Korchnoi, Mikhail Tal e Miguel Najdorf, e até se deu ao luxo de vencer o grande mestre nacional cubano Rogelio Ortega.
Na Argentina, a figura de Guevara como esportista está mais vinculada ao rúgbi. Ele aprendeu a jogar com seu amigo Granados em Córdoba, e quando a família retornou a Buenos Aires, entrou para o San Isidro Club (SIC), um dos clubes de rúgbi mais poderosos do país. Também jogou pelo Yporá e no Atalaya, nos quais se destacou pelo “tackle” duríssimo, o que lhe valeu o apelido de "Furibundo Serna", pelo sobrenome de sua mãe.
Mas Che, que também foi cronista esportivo e correu atrás dos esportistas argentinos nos Jogos Pan-americanos do México em 1955, e cujo rosto aparece nas tatuagens célebres de Diego Maradona ou Mike Tyson, é hoje uma figura corrente nos campos de futebol, onde os torcedores costumam portar bandeiras e cartazes que mostram seu rosto. (Pesquisa: Nilo Dias)
"Chê", no jogo em que foi goleiro do Independiente Sporting Club, de Letícia, Colômbia (Foto: livro "Notas de Viaje", de sua autoria)
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