A fase do Internacional naqueles anos 40 era realmente maravilhosa. No campeonato de Porto Alegre em 1944, o Inter ganhou o primeiro Grenal, disputado em abril no Estádio dos Eucaliptos por 4 X 2. Em maio, antes do segundo clássico o Grêmio convidou o tradicional adversário para um jogo amistoso para inaugurar sua nova bandeira e homenagear os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que partiam para a Europa. Nova vitória colorada, desta feita por 7 X 3.
No dia 13 de agosto foi realizado o segundo clássico do campeonato. O favoritismo era todo do Internacional. O jornal “Folha da Tarde” chegou a publicar uma charge em que uma senhora gorda, gremista, apontava para uma folha do calendário mostrando que era 13 de agosto. O senhor colorado respondia: “Ora, deixe disso vizinha, esse negócio de azar não pega. No Grenal ganha quem joga melhor, o resto é conversa mole”.
O Inter entrou em campo arrasador e ao final do primeiro tempo já vencia por 3 X 0. Nas sociais torcedores gremistas faziam um abaixo- assinado para derrubar a Diretoria. Veio o segundo tempo e uma reação incrível do Grêmio, que virou o jogo para 4 X 3.
Até hoje esse jogo é lembrado. Há quem diga que na concentração do Internacional na Vila Elza, os sucos servidos teriam recebido misturas que deixaram os jogadores tontos durante o intervalo. Os dirigentes colorados da época garantiam saber até os nomes dos gremistas responsáveis pelo doping, mas nunca os revelaram.
No dia 8 de setembro o terceiro e decisivo Grenal. O ponteiro-esquerdo Carlitos havia operado os meniscos do joelho direito na quinta-feira que antecedeu o clássico e repousava em sua casa, quando recebeu inesperadas visitas. Eram alguns de seus companheiros do Internacional, que vieram lhe pedir para jogar.
Carlitos disse que isso seria impossível, mas o zagueiro Nena argumentou: “Não precisa nem jogar, é só vestir a camisa”. E Carlitos acabou convencido. O clássico mexia com toda a população da capital.
Os jornais anunciavam o clássico como o mais sensacional de todos os tempos. As firmas prometiam prêmios aos jogadores. A Casa Soares, da rua dos Andradas oferecia uma camisa no valor de Cr$ 60.00, para ser sorteada entre os vencedores. A empresa Lipio & Ludwig, fabricante da caninha “Grenal”, oferecia 12 garrafas do liquido, para ser entregue ao jogador que fizesse o gol da vitória. Um grupo de torcedores do Inter adquiriu 11 apólices de seguros para ser entregue aos jogadores, caso vencessem o jogo. Além de muitos outros brindes.
O Internacional começou o jogo a todo o vapor e em pouco tempo fez 2 X 0. O recém operado Carlitos fez o primeiro gol. O Grêmio descontou. O jogo se tornou dramático, Carlitos mal caminhava em campo, Assis com torção no tornozelo não podia mais dividir bolas, Alfeu também se machucou e o uruguaio Volpi não pegava como os demais. O time estava reduzido a sete jogadores inteiros. Naquele tempo não se podia fazer substituições.
No último minuto o gremista Aguiar pegou a bola sozinho e se preparava para o chute mortal. Foi quando apareceu Alfeu, arrastando a perna e jogando-se a tempo de evitar a tragédia. Ficou estendido no chão, gritando de dor, enquanto a torcida chamava seu nome e festejava o pentacampeonato da cidade.
Em 1946 o Grêmio fez uma mobilização geral para tentar conter o adversário. Trouxe reforços do Rio de Janeiro, criou o título de Patrono do clube, contratou o técnico Oto Pedro Bumbel, buscou ajuda sobrenatural no pai de santo conhecido como “Homem dos Cachos”, institucionalizou a frase “com o Grêmio onde o Grêmio estiver” e criou a figura símbolo do “Mosqueteiro”, com bota e espada a tiracolo.
E o movimento deu resultado. O primeiro Grenal daquele ano, no dia 5 de maio foi vencido pelo Inter por 1 X 0. No segundo e decisivo clássico, disputado no dia 23 de junho, o Grêmio ganhou por 4 X 3, conquistando o título.
Contam que os conselheiros gremistas que contrataram o pai de santo “Homem dos Cachos” esqueceram de fazer o pagamento. E este teria se vingado maldizendo o clube tricolor: “Isso vai sair caro para vocês, uma derrota para cada jogador”. E não é que o Grêmio passou 11 jogos sem conseguir ganhar.
Em 1949, o jogador Tesourinha , depois de ganhar oito campeonatos estaduais pelo Internacional e vencer o concurso nacional “Craque Melhoral”, foi embora para o Rio de Janeiro, onde vestiu com sucesso a camisa do Vasco da Gama. Em 1952, mesmo com um dos joelhos estourado, Tesourinha foi contratado pelo Grêmio. Não é verdade que ele tenha sido o primeiro negro a vestir a camisa tricolor, conforme é apregoado até hoje pela imprensa. Ele foi isso sim, o primeiro atleta negro de renome a jogar pelo Grêmio. Antes dele, brilharam nomes como Antunes (1913/1914), Adão (1926/935), Laxixa (1937/40), Mário Carioca, Hélio, Prego (anos 40) e Hermes (1948/50).
O Internacional não tinha mais os grandes craques da década de 1940, mas o novo time também era muito bom e os torcedores o chamavam de “Rolinho”. Dirigido pelo técnico Francisco Duarte, o "Teté", vindo do Brasil de Pelotas, o grupo contava com jogadores de qualidade, sobressaindo-se Florindo e Oreco na zaga, Paulinho e Odorico nas laterais e os atacantes Bodinho e Luizinho.
O primeiro jogo de Tesourinha com a camisa do Grêmio foi no dia 16 de março de 1952, na goleada de 5 X 3 sobre o Juventude. Seu primeiro clássico jogando pelo Grêmio foi um amistoso no dia 13 de julho de 1952. O Grêmio venceu por 2 X 1 e ele teve atuação discreta. O jogador, não era mais o mesmo, os ligamentos e meniscos estourados fizeram com que perdesse a velocidade. Jogou mais oito clássicos, não venceu nenhum e nem fez gol. E tão pouco foi campeão pelo clube tricolor. No último que disputou, o Internacional goleou por 5 X 1.
Tesourinha voltou a vestir a camisa colorada, 12 anos depois de ter abandonado o futebol. Estava com 47 anos e participou do jogo contra o S.C. Rio Grande, na despedida do velho Estádio dos Eucaliptos. Ao final do jogo ele retirou uma das redes para guardar como recordação. Tesourinha morreu, vítima de câncer, no dia 17 de junho de 1979, aos 57 anos de idade.
Foi nesse período de frustrações, que o compositor Lupicínio Rodrigues compôs o hino gremista, com a famosa estrofe: “até a pé nós iremos/para o que der e vier/mas o certo é que nós estaremos/com o Grêmio, onde o Grêmio estiver”. Mesmo de hino novo, o Grêmio não conseguiu impedir que o Internacional alcançasse naquele ano de 1953, o segundo tetracampeonato. (Pesquisa: Nilo Dias)
Na despedida do Estádio dos Eucaliptos, Tesourinha levou uma das redes como recordação. (Foto: Jornal "Zero Hora")
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