Você já imaginou um jogador atuar em 572 partidas pelo mesmo clube, num período de 18 anos, de 1940 a 1958? Ele existiu, foi Waldemar Fiúme, que jogou em diversas posições, centromédio, lateral e zagueiro, onde ganhou grande projeção nos anos 40 e 50. Todo esse esforço mereceu uma premiação extra-campo: um busto nos jardins do Parque Antarctica eternizando sua brilhante trajetória com a camisa verde. Além dele, outros dois jogadores mereceram tal honraria: Ademir da Guia e Junqueira. Agora, existe um movimento para que o goleiro Marcos também seja incluído nessa seleta categoria de craques palmeirenses.
Waldemar Fiúme surgiu para o futebol ao final da década de 30, nos gramados da extinta e histórica Várzea do Glicério, um dos maiores celeiros do futebol paulistano em todos os tempos. De todos os jogadores que deram seus primeiros chutes naqueles campos de terra, nenhum alcançou a projeção daquele jovem magro, alto, esguio e de enorme habilidade. Foi um tempo em que o futebol era bastante diferente dos dias de hoje. Para chegar ao sucesso bastava ter habilidade com a bola, saber driblar e armar jogadas. Nos dias atuais o preparo físico é o que mais importa.
Ele chegou ao Palestra Itália, em 1940, levado por um fanático torcedor, que se encantara com suas atuações no Bangu do Glicério, seu time de várzea. Precisou de apenas um teste para ser contratado. Era meia direita clássico, avançado, fazedor de gols. Estreou contra o Comercial, com vitória de 4 x 1. Não era fácil jogar num time com nome italiano naqueles tempos difíceis de guerra. Tímido, pouco falante, sofreu muito com a perseguição que os italianos, e por consequência os palestrinos foram vítimas. Fiúme viu o Palestra Itália morrer líder e o Palmeiras nascer campeão.
Era tarefa dura se manter titular numa equipe que contava com excelentes jogadores, por isso teve de passar dois anos jogando como meia-direita do time de aspirantes. Somente em 1944 teve oportunidade no time de cima. E isso graças ao adversário palmeirense na final do Campeonato Paulista daquele ano, o São Paulo que conseguiu junto a Federação Paulista de Futebol (FPF) a suspensão do volante Dacunto, peça fundamental no esquema do então técnico Bianco.
Sem outra opção, Fiúme foi chamado para substituir o titular. E deu conta do recado, destacando-se como o melhor em campo, dando um verdadeiro show de bola, exercendo marcação individual sobre o são paulino Sastre. Fiúme foi autor de jogadas maravilhosas, que abriram caminho para que Caxambu, por duas vezes, e Villadoniga construíssem o placar de 3 X 1. a partir desse dia, Fiume pontificou, ganhando o apelido de “Pai da Bola” pela versatilidade ao atuar em várias funções.
A partir daquele jogo Valdemar Fiúme se tornou um dos melhores zagueiros do futebol brasileiro em todos os tempos. E dizem as más línguas, que até hoje os sãopaulinos se arrependem de terem provocado a suspensão de Dacunto, daquele jogo.
Os torcedores palmeirenses imortalizaram aquele momento mágico de Fiúme com uma paródia da marchinha “Eu brinco”, de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, que foi o maior sucesso do carnaval de 1944. A versão original dizia: "Com pandeiro ou sem pandeiro, eu brinco!". Já a letra dos palmeirenses ficou assim: "Com Dacunto ou sem Dacunto, eu ganho!"
Fiúme foi um jogador extremamente polivalente. Em 1946 foi novamente improvisado, dessa vez como quarto-zagueiro. Ao lado de Gengo e de Og Moreira, ele formou uma das mais brilhantes linhas intermediárias da história palmeirense. Um outro trio, no qual jogou ao lado de Dema e do argentino Luís Villa, também entrou para a história, no final da década de 50. Em 1951, participou da vitoriosa campanha da Copa Rio. Em 1958, aos 36 anos, Waldemar Fiúme encerrou a carreira, tendo vestido uma única camisa, a do Palmeiras. Ele jogou 572 partidas e marcou 17 gols.
Semanas antes de encerrar a carreira, Fiúme, quando se encontrava na gráfica que era dono na Avenida Rui Barbosa, Fiume & Filhos, herdada de seu pai, ficou desconfiado quando foi procurado por um fotógrafo que a mando do Palmeiras queria uma foto somente do seu rosto. Pensou que fosse alguma coisa relacionada ao departamento pessoal e deixou-se fotografar.
Um mês depois, no seu jogo de despedida, contra o XV de Piracicaba. Waldemar Fiúme fez a volta olímpica ao lado dos jogadores juvenis e foi aplaudido quando passou pela fila dos dois times adversários daquela tarde. O filho do saudoso roupeiro Tamanqueiro foi incumbido de colocar uma cadeira para que Valdemar Fiúme descalçasse as chuteiras. O capitão Ivan, do Palmeiras, presidente Mario Beni e o diretor Mario Fruguelli entregaram-lhe a camisa do clube, e o convidaram para junto da esposa e filho assistirem o jogo da tribuna, pois havia uma surpresa para depois da partida: a inauguração de seu busto, feito a partir da foto tirada dias antes.
Waldemar nasceu em São Paulo no dia 12 de outubro de 1922 e faleceu, também em São Paulo, por problemas no coração, no dia 11 de Fevereiro de 1996, aos 74 anos de idade. Antes de morrer o ex-craque alviverde teve que amputar as pernas que tantas alegrias deram ao futebol brasileiro. Já fazia algum tempo que Waldemar Fiúme não estava bem. Sérios problemas com a circulação sangüínea limitavam seus movimentos. Não havia outra solução senão a amputação das pernas, totalmente comprometidas pela gangrena. Em razão da idade já avançada, ele suportou bem a cirurgia, mas não o período seguinte.
Títulos : foi campeão da Copa Rio, em 1951, campeão paulista de 1942, 1944, 1947 e 1950 e do Torneio Rio-São Paulo de 1951, além de outras conquistas de menor expressão. Foi convocado várias vezes para a seleção paulista, mas nunca vestiu a camisa da Seleção Brasileira.
O texto a seguir, sem referência de autor, extraído de um recorte de jornal diz tudo sobre a carreira do grande jogador.
“Despediu-se Fiúme
Como fora anunciado, o extraordinário Waldemar Fiúme despediu-se oficialmente, sábado, do football. depois de 17 anos no Palmeiras (Palestra), onde, vindo do Bangu, da várzea, foi figurar diretamente no posto titular da meia-direita, Fiúme, agora, encerra quase que injustiçado uma das carreiras mais brilhantes de que se tem conhecimento, no football brasileiro.
Injustiçado porque, apesar de figurar como o melhor homem de seu posto, incontestavelmente, em todo Brasil, jamais teve a oportunidade digna de suas qualidades, em qualquer das seleções que se formou em todo esse largo período de tempo, seja nas paulistas, seja nas brasileiras. Dono de incomum consciência de jogo, Fiúme aliava à sua classe inegável, a fibra e o “coração” dos amadores, sempre aparecendo como um dos mais lutadores craques do Palmeiras, qualquer que fosse a forma por que passasse a equipe.
Médio dos mais completos, dizem-no uma vítima das “táticas”, quando, em verdade, foi-o, sim, de sua inabalável modéstia e simplicidade, num meio em que a valorização parece estar inseparavelmente ligada às encenações e a “mascara”, que Waldemar Fiúme jamais soube afixar ao seu jogo e o seu temperamento. Nas fotos, vários aspectos de sua despedida e das homenagens que lhe foram atribuídas.
Ao entrar em campo, perfilou-se em fila indiana, no meio dos dois quadros. Saiu da formação, juntamente com o capitão do Palmeiras, Ivan, indo entregar simbolicamente a sua chuteira ao mordomo, que outro não é senão o filho do saudoso Tamanqueiro, que o viu nascer dentro do football. Depois de dar a volta olímpica, escoltado pelo capitão esmeraldino, Fiúme saiu entre a formação dos jovens da preliminar. Após o prélio, foi descerrar a bandeira do Palmeiras que cobria o busto, num local de evidência do Parque Antártica.
Na ocasião, falaram diversos diretores esmeraldinos, sob a emoção de numeroso público que não regateou aplausos ao seu ídolo. Ídolo que não foi só do Palmeiras e exemplo que deveria germinar em todos os clubes do país campeão do mundo, para mais dignificá-lo, para mais engrandecê-lo”. (Pesquisa: Nilo Dias)
Busto de Waldemar Fiúme, nos jardins do Parque Antártica. (Foto: Acervo da S.E. (Palmeiras)
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