Nos tempos românticos em que o Rio de Janeiro era uma cidade boa de se viver, em todos os sentidos, o futebol tinha uma outra magia. Os clubes representavam bairros e vilas e os jogadores tinham amor a camisa que vestiam. Tudo bem diferente de hoje, quando o crime organizado está presente em todos os lugares e o futebol vive em torno de dinheiro. Ninguém mais joga porque tem alguma afinidade com o time. E ninguém tem mais tranqüilidade para sair de casa.
Inspirado nesse romantismo do passado é que em 2003 o compositor carioca Nei Lopes compôs a música “Tempo de Dondom”, que dizia: “No tempo em que “Dondom” jogava no Andarahy/ a nossa vida era mais simples de viver/ Não tinha tanto miserê, nem tinha tanto tititi..." A canção, interpretada por Zeca Pagodinho e depois por Dudu Nobre, resgatou uma agremiação de suma importância para a popularização do futebol brasileiro, o Andarahy Athletico Club.
A música foi um grande sucesso em todo o Brasil. O personagem, “Dondom” se tornou nacionalmente conhecido através da novela “Celebridade”, levada ao ar pela Rede Globo de Televisão. O cenário era o bairro do Andaraí, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. De repente todo mundo queria saber quem era “Dondom”, se realmente existiu ou era apenas um personagem fictício.
“Dondom” foi um zagueiro de verdade, que defendeu o time do Andarahy Athletico Club de 1932 a 1938. Em momento algum da carreira chegou a se constituir num jogador brilhante, embora suas atuações fossem convincentes. O Andarahy, que não era um clube grande, em toda a sua existência teve um único jogador que poderia ser chamado de craque: Chiquinho.
Ele jogou nas primeiras décadas do século passado. Era dono de uma habilidade incomum e goleador emérito. Não demorou para chamar a atenção pela genialidade de suas jogadas. Naquela época o futebol ainda sofria com a discriminação racial. Os brancos predominavam nas equipes e as grandes jogadas protagonizadas por negros ou mulatos, não recebiam a merecida valorização. Só por isso Chiquinho, com traços negros claramente marcados, não entrou para a história, como um dos grandes jogadores que passaram pelo futebol carioca.
Os colunistas esportivos dos jornais da época não admitiam que jogadores vindos dos clubes de bairros pobres representassem a cidade e muito menos o país. Por isso não eram convocados. A simples presença de negros em um selecionado nacional era, para a imprensa, motivo de chacota, o que rendia corriqueiras piadas sobre esses jogadores.
O Andarahy Club foi fundado no dia 9 de novembro de 1909. Era um clube formado por operários e um dos poucos que admitiam negros em suas fileiras. Seu campo se localizava na rua Prefeito Serzedello Correa, atual rua Barão de São Francisco no bairro que dá nome ao clube, na Zona Norte da cidade. Tinha capacidade para aproximadamente 5.000 pessoas. Durante muitos anos a GRES Unidos de Vila Isabel, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, utilizou o local para a realização de seus ensaios.
Em 1962 o campo foi comprado pelo América Futebol Clube para a construção de um estádio, rebatizando-o de Volney Braune. Em 1996, o terreno foi vendido por US$ 13 milhões. No lugar foi erguido o Shopping Iguatemi Rio, inaugurado em outubro daquele ano. Em troca, a mesma construtora do empreendimento ergueu um moderno estádio para o América em Edson Passos, na Baixada Fluminense.
As cores do Andarahy eram o verde e o branco. Durante a história, o clube alternou dois uniformes: camisa inteiramente verde e calções brancos e camisa listrada na vertical alviverde e calções brancos.
O clube disputou o Campeonato Carioca da Segunda Divisão, por duas vezes, sagrando-se campeão (1915 e 1925); Campeão Carioca de Juniores (1928); Vice-Campeão Carioca de 1934, perdendo no jogo final por 2 X 1 para o Botafogo, que foi campeão. Bianco marcou o gol do Andarahy; Campeão do Torneio Início da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres - LMDT (1924); Campeão Carioca de 2°s quadros da Segunda Divisão (1913 e 1914).
Ao todo, o alviverde disputou 20 campeonatos cariocas (1916, 1917, 1918, 1919, 1920, 1921, 1922, 1923, 1925, 1927, 1928, 1929, 1930, 1931, 1932, 1933, 1934, 1935, 1936 e 1937). Uma das últimas escalações do Andarahy foi esta, num jogo contra o Vasco da Gama, em 1936: Ruy – Lino – Dondom – Pacuera – Babi – Romualdo – Estanislau – Popó – Veranotti – Chagas e Ismael
O Andarahy foi contra o profissionalismo e resistiu até a década de 1950, praticando o futebol apenas como esporte amador nos campeonatos do Departamento Autônomo de Futebol do Rio de Janeiro. A extinção total do clube foi em 1973, até então funcionando somente a sua sede social, na Rua 28 de Setembro, bairro de Vila Isabel.
Mesmo passados 73 anos desde que extinguiu o futebol, o Andarahy não ficou no esquecimento. Sua trajetória está marcada com o nome de “Largo Dondom do Andaraí”, na confluência das ruas Barão de Mesquita com Rua Gomes Braga. Em 2004, o programa televisivo da Rede Globo, “Esporte Espetacular” fez uma matéria sobre o imortal Dondom, em que foram mostradas fotos antigas do jogador que virou canção. (Pesquisa: Nilo Dias)
O antigo estádio do Andarahy Athletico Club.
Nenhum comentário:
Postar um comentário