Didi era um líder nato. No jogo final da Copa do Mundo de 1958, depois que a Suécia fez 1 X 0, ele caminhou até o fundo das redes e pegou a bola. Depois, colocou-a debaixo do braço e, determinado, disse para o resto do time: “Acabou a sopa deles. Agora é a nossa vez. Vamos encher a caçapa desses gringos de gols.” E 86 minutos depois, o placar do Estádio Rasunda, encravado no Vale de Solna, em Estocolmo, apontava em números imponentes, definitivos: Brasil 5 x Suécia 2.
Ao apito final do juiz, o francês Maurice Guigue, o campo foi invadido por uma legião de fãs que queriam abraçar a “Enciclopédia” Nilton Santos. E, também, a Gilmar, Bellini, Zito, Djalma Santos, o desconcertante “Mané Garrincha” e o então menino Pelé. Só Didi é que procurou se manter distante, aparentemente alheio à grande festa, como se já previsse aquele final feliz para o futebol brasileiro.
Cumprimentado pelo Rei Gustavo Adolfo, o genial camisa 8 ouviu do monarca sueco elogios como os de “Oitava Maravilha do Mundo” e “Mr. Football”. Pela Seleção disputou 74 partidas, sendo 68 oficiais, e marcou 21 gols.
Criador da infernal “Folha-Seca”, um chute mortal por ele executado, que fazia a bola ganhar uma trajetória imprevisível para o goleiro, Didi ainda era capaz de lançamentos perfeitos, de mais de 40 metros. Ou de executar dribles desmoralizantes sobre qualquer adversário. Mas era como um perfeito maestro que se sentia, de longe, o poder do seu jogo.
Em 1950, já casado e com filhos, Didi conheceu a atriz Guiomar Batista, com quem passou a viver. Guiomar era ajudante de Ary Barroso, e se vestia de Odalisca no programa “Calouros em Desfile” da TV Tupi.
Não era segredo que Ary tinha uma paixonite por Guiomar e, quando ela se foi com Didi, ele, atordoado, escreveu o samba-canção “Risque” (“Risque, meu nome de seu caderno, pois não suporto o inferno de nosso amor fracassado...”)
Além de algumas situações escandalosas que contrariavam o clube, o Fluminense resolveu destinar parte do salário do jogador à sua primeira esposa. A insatisfação tornou-se mútua e incontornável, a relação entre craque e clube se deteriorou: Didi sempre fazendo das suas, sempre advertido, de vez em quando multado.
O amor entre Didi e Guiomar, desde o início foi sempre muito conturbado e vivia nas manchetes dos jornais e revistas. Uma tarde em 1958, poucos meses antes da Copa do Mundo, a seleção treinava no Maracanã, quando no finzinho da tarde, Didi gritou: “Meu Deus! Perdi minha aliança!”
O treinou parou, todos os jogadores foram se aproximando e um perguntou: “Mas como é que pode?” “Não sei”, respondeu Didi. “Não sei talvez tenha escorregado com o suor. E por favor, tomem cuidado onde pisam.”
Ele mesmo se ajoelhou e começou de quatro a procurar a aliança, no que foi seguido por todos os jogadores. A noite foi chegando e Didi pediu a um dirigente que mandasse acender os refletores. “Mas, Didi, vale a pena? “, perguntou o dirigente . “Não é melhor comprar outra?” “O senhor não conhece a Guiomar”, respondeu Didi , “ela vai pensar o pior.” E todos continuaram palmo a palmo procurando a aliança pelo gramado.
Não encontraram e no dia seguinte, o assunto foi manchete de todos os jornais do Rio de Janeiro. De tarde, na concentração do Hotel Corcovado, aos pés do Cristo Redentor, vieram avisar ao Didi: “Dona Guiomar está na portaria! Quer falar com o senhor!” Didi desceu procurando uma desculpa para acalmar a mulher antes que ela fizesse um escândalo.
“Meu bem… “, ia exclamando o jogador quando foi interrompido por Guiomar. “Calma, eu só vim aqui para te dizer que imprevistos acontecem. Vi tua foto no jornal, de quatro procurando a aliança. Não te preocupa não foi nada, vamos comprar outra mais bonita ainda!” Didi sorriu e abraçou a mulher que foi embora toda amorosa.
Teve gente que jurou que Didi “armou” o golpe perfeito e que provavelmente ele tinha tirado a aliança do dedo e perdido em alguma balada. A encenação com todos inocentemente procurando de joelhos, a aliança na grama do Maracanã, foi genial.
Na Copa do Mundo de 1954, na Suíça, o autoritário técnico Zezé Moreyra isolou os jogadores da Seleção Brasileira na concentração de Macolin e não permitiu “passeios” ou “voltinhas” por Lausanne. E Didi queria telefonar para Guiomar, no Rio.
Resultado: inconformado, decidiu fazer greve de fome e ficar trancado no quarto. Mas o amigo Nilton Santos ficou preocupado. E no almoço e jantar escondia comida no uniforme e alimentava o companheiro.
Casada com Didi durante quase 50 anos, Dona Guiomar, teve grande influência na carreira do ex-jogador. Negociava contratos com dirigentes e opinava sobre em que clube o marido atuaria. Na ocasião em que Didi deixou o Real Madri, existiam rumores de que Guiomar fora decisiva para a sua volta ao Brasil, depois de apenas um ano no exterior. Ela não admitia ver Didi em segundo plano, em relação às estrelas Di Stéfano e Puskas.
As atuações de Didi, segundo a crítica esportiva, alternavam de acordo com o temperamento da mulher. Antes da Copa de 1958, por exemplo, a Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF) proibiu as mulheres dos jogadores de os acompanharem à Suécia. "Só um cego de nascença não via que se tratava de separar Didi de Guiomar", disse Nélson Rodrigues, na época.
Isto porque boa parte da torcida culpava as brigas do casal pelos maus momentos daquele que foi escolhido o melhor jogador do Mundial da Suécia. As acusações contra Guiomar, ex-cantora de rádio, se deviam ao preconceito que ela sofreu por ter sido o pivô da separação de Didi, que era casado.
Pouco mais de um mês depois da morte do ex-jogador Didi, faleceu a sua viúva Guiomar Batista Pereira, de 72 anos, em decorrência de uma hemorragia estomacal. Internada no Hospital Pedro Ernesto, zona norte do Rio, mesmo local onde morreu o marido, ela tinha diabetes e cirrose hepática.
O amor da vida do bicampeão mundial foi Guiomar, com quem ele ficou junto de 1951 até a sua morte. "Tanto é verdade que ninguém conseguia imaginar Didi sem Guiomar e vice-versa", definiu Nélson Rodrigues, na crônica intitulada "Didi sem Guiomar", de 1958.
Morreram ambos com a mesma idade: 72 anos. Guiomar foi enterrada no cemitério São João Batista, no Rio, junto com Didi.
Ele era um aristocrata negro, um lorde, que tinha naquela mulher branca e forte, uma guerreira. A mulher de Didi foi o 12º jogador daquela seleção.
Naquela época não era nada comum, e a Guiomar foi à Suécia por uma deferência especial, porque sem ela o Didi não teria sido o magnífico jogador que foi, o melhor daquela Copa (em que explodiram, para o mundo, Garrincha e Pelé). Eram outros tempos, outros jogadores, outras mulheres.
Didi faleceu no Rio de Janeiro, em 12 de maio de 2001 devido a complicações de um câncer no fígado, enatrando definitivamente para a galeria dos imortais. A notícia repercutiu em jornais e revistas espanholas e argentinas (como “El Gráfico”), franceses (como “L’Equipe”) e gerou uma matéria com foto no “The New York Times.” No dia seguinte, antes de se iniciarem as partidas, várias equipes, em diferentes países, fizeram um minuto de silêncio em sua memória. (Pesquisa: Nilo Dias)
Didi e Guiomar, em foto de 1957.
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