sábado, 21 de dezembro de 2013

O "Leão" da zona norte paulistana

A cidade de São Paulo conta hoje com sete clubes profissionais de futebol: S.E. Palmeiras, S.C. Corinthians Paulista, São Paulo F.C., Associação Portuguesa de Desportos, Clube Atlético Juventus, Nacional A.C. e Pão de Açúcar E.C. Mas a cidade já teve no passado mais de 50 equipes, que com o tempo foram desaparecendo ou ficando só na várzea.  

O bairro do Jaçanã, na zona norte de São Paulo abriga um sobrevivente do futebol paulistano de antigamente, o Clube de Campo Associação Atlética Guapira, fundado em 20 de outubro de 1918. A agremiação foi organizada por um grupo de moradores do bairro, então chamado de Guapira, e de funcionários da Vidraçaria Lupatelli, a maior empresa da localidade na época.

À luz de um lampião, a fundação oficial se deu na Escola Mista Guapira. O bairro mudou de nome e hoje o clube é orgulho do Jaçanã. Dedicado ao futebol desde a fundação, o Guapira escolheu para seu uniforme as cores azul e branca. O futebol faz parte da história da entidade, desde o seu início. Tornou-se tradicional nesse esporte.

Os fundadores da A.A. Guapira foram Cândido José Rodrigues, João Favari, Valentim Mutschelli, Mario Pinheiro, Antonio Romeu Soares, Ernesto Buono, Elias Chistone, Alcíbio Pinto Barbosa, José Cursino da Cruz, Luiz da Costa, José da Costa, Primo Corsini, João Bento Rodrigues, Capitão Antonio Joaquim Nascimento, José Marcondes, Milton Morais Salgado, Damásio da Silva, Lúcio da Silva, João Teixeira de Barros, Antonio Matatudo, José Gonçalves e Francisco Pinto.

O primeiro campo utilizado pelo clube se localizava entre a Estrada do Guapira, a Rua Francisco Rodrigues e a Rua Elisa Ester de Barros. Como não havia sede e o lugar era pouco habitado, os jogadores se trocavam ao ar livre e penduravam as roupas nas cercas que delimitavam o campo.

Mais tarde, o campo do clube Guapira mudou para as proximidades da Rua Irmã Emerenciana e, embora o terreno fosse melhor, ainda não existiam acomodações. Posteriormente, passou para um terreno da Santa Casa de Misericórdia, à beira da antiga Rua Guaiacã, atualmente Paulo Lincoln do Valle Pontim.

Por este local pagaram aluguel e foi nessa época que registraram o
clube para poder negociar com a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que era dona de boa parte do bairro.

A primeira sede do clube foi cedida por um deputado de nome Farah que deu o dinheiro para a construção de um vestiário, em troca da possibilidade de 400 votos no bairro. Depois foi construído um barracão para a “Malha” e um bar, que foi explorado por “seu” Zé Pequeno, personagem histórico do Guapira.

O clube teve cinco sedes alugadas na Avenida Guapira até adquirir um terreno na Avenida Luís Stamatis, por 4 mil réis. A sede social foi construída na gestão de José Marcondes, com material doado pela população local, através de campanhas feitas pelos dirigentes.

A terra usada para o aterro da área da sede foi tirada dos terrenos vizinhos. Dirigentes e associados construíram a sede carregando tijolos e latas de concreto com as próprias mãos.

Depois de pronto o salão foi palco de muitos e disputados bailes com música ao vivo, vitrola eletrônica, sanfona ou violão, além de sessões de cinema e teatro. As festas mais disputadas eram as que comemoravam o aniversário do Clube, a "Festa das Mães", os bailes da "Primavera", da "Chita", das "Bolas" – quando os casais dançavam com balões amarrados nos pés e o último casal que não tivesse estourado o balão, ganhava um prêmio.

Em 1964 o clube pagou à Santa Casa 35 milhões de cruzeiros por uma área de 50 mil metros quadrados, onde seria erguida uma nova sede. O bairro já tinha o nome de Jaçanã, desde 1928, em referência às pequenas aves que sobrevoavam o local. Mais tarde, a música de Adoniran Barbosa, “Trem das Onze”, eternizou o local.

Em 1964 o clube passou a chamar-se Clube de Campo, em lugar de A.A. Guapira, pois a intenção de seus dirigentes era levar a entidade para o sopé da "Serra da Cantareira", através da venda de títulos patrimoniais.

Voltando aos primeiros tempos do clube, como os recursos eram escassos, o transporte dos jogadores era feito em carrocerias de caminhões. Alguns jogos nos campos das mais variadas regiões de São Paulo, muitas vezes acabavam em grossa pancadaria. Entre as muitas histórias do futebol que marcaram o clube durante esses anos, algumas se destacam.

Certa ocasião o Guapira estava jogando no “Campo dos Eucaliptos”, a beira da estrada do Guaiacã, o terceiro utilizado pelo clube, contra o Corinthians, de Bom retiro e perdia por 2 X 0, quando passou um cortejo fúnebre. O jogo parou em respeito. Ao recomeçar, o Guapira goleou por 11 X 2.

Um outro jogo bastante lembrado foi disputado no estádio do Pacaembu, frente um dos mais tradicionais rivais, o Esperança, do Tucuruvi, que passava por um grande momento.

Mal o jogo começou e o Esperança fez 2 X 0, para desespero do pessoal do Guapira. O técnico era Américo Carmona, que fez algumas alterações no modo de jogar da equipe, como o centro-avante passando a atuar na meia-esquerda e o meia indo para o comando do ataque. E deu certo. Foi um gol atrás do outro, até o escore final de 6 X 2.

Bernardino dos Santos Augusto, o “Nardo”, praticamente nasceu no campo do Guapira e acompanhava tudo de muito perto, pois morava ao lado. Foi um jogador de chute forte, tendo marcado 56 gols de falta em um único ano. Ele jogou de 1945 a 1957, quando se machucou e teve que operar o menisco.

Um jogo que emocionou “Nardo” foi entre Guapira X Macedo, de Guarulhos, quando o seu time ganhou a “Taça Dr. Maurício Cardoso”. Depois que deixou os gramados foi Diretor de Futebol e responsável por buscar atletas de destaque para o clube, entre eles Jadir, que chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira.

Uma tragédia que até hoje é lembrada com tristeza pelo pessoal do Guapira, aconteceu num jogo contra o 12 de Outubro, no Pari, em 27 de janeiro de 1957, quando se registrou um temporal violento. Um raio atingiu o campo e dois jogadores – Roquinho, do Guapira, e Valter dos Santos, do 12 de Outubro foram atingidos. O segundo jogador morreu em campo no dia em que ficaria noivo.

Fracisco Rodrigues Castelli, o popular “Castelinho”, que veio de Ribeirão Preto e começou a frequentar o Guapira em 1937, quando tinha apenas 11 anos de idade, conta que antigamente havia muitas brigas. Após as partidas tinha sempre a hora da pancadaria.

Para ele, mesmo nessas ocasiões havia uma certa lealdade. Era tudo resolvido no tapa, quando muito surgia um pedaço de pau. E garante que hoje não dá nem para pensar em brigar. Naquele tempo não tinha torcida organizada, mas as esposas e parentes dos diretores e dos jogadores sempre assistiam aos jogos.

Os adversários mais lembrados foram: A. A. Açucena, do Bairro do Limão; Sampaio Moreira, do Tatuapé; Vila Esperança e Paulicéia, ambos do Tucuruvi; Paulista, de Guarulhos; E. C. Gopouva e Vila Augusta.

Antonio Alberto Cardoso, um português vindo de “Trás-os-Montes” em 1947, provou sua paixão pelo clube em 1951, quando se casou. No dia seguinte ao casório lá estava ele firme no campo para ver o seu Guapira jogar. Nas dificuldades do clube, nunca negou apoio, tendo muitas vezes garantido com dinheiro do próprio bolso a compra de fardamento, lanches e transporte em dias de jogos.

Alberto dos Santos Cordeiro, o “Chaminé” foi atleta do Guapira em duas modalidades esportivas, futebol e malha. Por algum tempo jogou futebol, mas acabou se dedicando somente a malha. Nesse esporte se deu bem, tendo sido convocado para jogar na Seleção de Malha de São Paulo, que foi campeã brasileira, em Volta Redonda (RJ).

Roque Maranhão, o “Roquinho”, foi um bom jogador do Guapira. Num jogo contra o Açucena passou por maus bocados. O jogo foi no campo adversário, no Bairro do Limão. Quando “Roquinho” ia para o vestiário, surgiram torcedores dispostos a agredi-lo.

Foi cercado por uns 10 brutamontes. ”Roquinho” não pesava mais do que 50 quilos. Mas ainda assim fechou os punhos como se fosse dar um soco e ameaçou um deles, que ao se  desviar abriu uma brecha por onde ele passou em desabalada carreira. Depois disso, entraram em campo escoltados pela Polícia.

O Guapira ganhou de 2 X 0 e suou frio para sair do campo sem apanhar. Mais uma vez a Policia teve de agir, inclusive com o auxilio de escolta a cavalo. O segundo jogo, que seria em Guapira não se realizou na data marcada, devido a uma proibição da Federação, para evitar novos tumultos.

Semanas depois o confronto foi confirmado. “Roquinho” não entrou em campo, mas assistiu o jogo sentado na arquibancada. Provocou, e muito, os adversários, mas eles não reagiram. O Guapira venceu de novo. As brigas entre os rivais eram comuns, faziam parte do dia a dia do futebol amador. Depois todos esqueciam e ninguém guardava rancor.

O Guapira, nascido no amadorismo da capital bandeirante aderiu ao profissionalismo em 1982, quando disputou o Campeonato Paulista da 3ª Divisão, atual Série A3, pela primeira vez.

O clube participou em 20 campeonatos estaduais até 2002, quando se afastou das competições. Nesse período, só não entrou em campo no ano de 1987. O maior feito do time na era profissional foi a conquista do Campeonato Paulista da 5ª Divisão, hoje extinta, em 1998.

A taça está exposta em destaque na sede do clube. Outro grande momento foi o Vice-Campeonato da Terceira Divisão em 1988, certame vencido pelo Jaboticabal Atlético.

Hoje, o Guapira disputa apenas competições amadoras, dedicando-se mais as atividades sociais e recreativas. A volta do futebol profissional e das categorias de base, não está descartada, desde que surja alguma parceria disposta a patrocinar os custos. Com recursos próprios, está fora de qualquer cogitação.

Títulos conquistados no futebol. Campeão da Liga Riachuelo, que reunia os principais times da zona norte da Capital paulista (1935); Campeão da Sub-Divisão Riachuelo (1945); Campeão da Divisão Principal de Amadores da Federação Paulista de Futebol – Segundos Quadros (1957); Campeão Amador da Capital (1958); Campeão Amador da Capital (1960); Campeão Amador da Capital (1964); Campeão de Juniores na 3ª Divisão Estadual (1985); Campeão do Estadual de Juniores (1986); Campeão da 3ª Divisão (1989) e Campeão Estadual de Juniores (1991).

Além desses campeonatos, o Guapira conquistou dezenas de taças e troféus, que podem ser vistos pelos associados na sede do clube. A equipe disputava seus jogos no Estádio Aníbal de Freitas, com capacidade para 7 mil torcedores. (Pesquisa: Nilo Dias)


A.A. Guapira, em foto de 2007, como time amador. (Foto: Fernando Martinez)

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