A cidade de São Paulo conta hoje com sete clubes
profissionais de futebol: S.E. Palmeiras, S.C. Corinthians Paulista, São Paulo
F.C., Associação Portuguesa de Desportos, Clube Atlético Juventus, Nacional A.C.
e Pão de Açúcar E.C. Mas a cidade já teve no passado mais de 50 equipes, que com
o tempo foram desaparecendo ou ficando só
na várzea.
O bairro do Jaçanã, na zona norte de São Paulo
abriga um sobrevivente do futebol paulistano de antigamente, o Clube de Campo Associação Atlética Guapira,
fundado em 20 de outubro de 1918. A agremiação foi organizada por um grupo de moradores
do bairro, então chamado de Guapira, e de funcionários da Vidraçaria Lupatelli,
a maior empresa da localidade na época.
À
luz de um lampião, a fundação oficial se deu na Escola Mista Guapira. O bairro
mudou de nome e hoje o clube é orgulho do Jaçanã. Dedicado ao futebol desde
a fundação, o Guapira escolheu para seu uniforme as cores azul e branca. O futebol faz parte
da história da entidade, desde o seu início. Tornou-se tradicional nesse
esporte.
Os
fundadores da A.A. Guapira foram Cândido José Rodrigues, João Favari, Valentim
Mutschelli, Mario Pinheiro, Antonio Romeu Soares, Ernesto Buono, Elias
Chistone, Alcíbio Pinto Barbosa, José Cursino da Cruz,
Luiz da Costa, José da Costa, Primo Corsini, João Bento Rodrigues, Capitão
Antonio Joaquim Nascimento, José Marcondes, Milton Morais Salgado, Damásio da
Silva, Lúcio da Silva, João Teixeira de Barros, Antonio Matatudo, José
Gonçalves e Francisco Pinto.
O
primeiro campo utilizado pelo clube se localizava entre a Estrada do Guapira, a
Rua Francisco Rodrigues e a Rua Elisa Ester de Barros. Como não havia sede e o
lugar era pouco habitado, os jogadores se trocavam ao ar livre e penduravam as
roupas nas cercas que delimitavam
o campo.
Mais
tarde, o campo do clube Guapira mudou para as proximidades da Rua Irmã
Emerenciana e, embora o terreno fosse melhor, ainda não existiam acomodações.
Posteriormente, passou para um terreno da Santa Casa de Misericórdia, à beira
da antiga Rua Guaiacã, atualmente Paulo Lincoln do Valle Pontim.
Por
este local pagaram aluguel e foi nessa época que registraram o
clube
para poder negociar com a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que era dona
de boa parte do bairro.
A
primeira sede do clube foi cedida por um deputado de nome Farah que deu o
dinheiro para a construção de um vestiário, em troca da possibilidade de 400
votos no bairro. Depois foi construído um barracão para a “Malha” e um bar, que
foi explorado por “seu” Zé Pequeno, personagem histórico do Guapira.
O
clube teve cinco sedes alugadas na Avenida Guapira até adquirir
um terreno na Avenida Luís Stamatis, por 4 mil réis. A sede social foi
construída na gestão de José Marcondes, com material doado pela população
local, através de campanhas feitas pelos dirigentes.
A
terra usada para o aterro da área da sede foi tirada dos terrenos vizinhos.
Dirigentes e associados construíram a sede carregando tijolos e latas de
concreto com as próprias mãos.
Depois
de pronto o salão foi palco de muitos e disputados bailes com música ao vivo,
vitrola eletrônica, sanfona ou violão, além de sessões de cinema e teatro. As
festas mais disputadas eram as que comemoravam o aniversário do Clube, a "Festa das Mães", os
bailes da "Primavera", da "Chita", das "Bolas" – quando os casais dançavam com balões
amarrados nos pés e o último casal que não tivesse estourado o balão, ganhava um
prêmio.
Em
1964 o clube pagou à Santa Casa 35 milhões de cruzeiros por uma área de 50 mil
metros quadrados, onde seria erguida uma nova sede. O bairro já tinha o nome de
Jaçanã, desde 1928, em referência às pequenas aves que sobrevoavam o local. Mais tarde, a música de Adoniran Barbosa, “Trem das Onze”, eternizou o local.
Em
1964 o clube passou a chamar-se Clube de Campo, em lugar de A.A. Guapira, pois
a intenção de seus dirigentes era levar a entidade para o sopé da "Serra da
Cantareira", através da venda de títulos patrimoniais.
Voltando
aos primeiros tempos do clube, como os recursos eram escassos, o transporte dos
jogadores era feito em carrocerias de caminhões. Alguns jogos nos campos das
mais variadas regiões de São Paulo, muitas vezes acabavam em grossa pancadaria.
Entre as muitas histórias do futebol que marcaram o clube durante esses anos,
algumas se destacam.
Certa
ocasião o Guapira estava jogando no “Campo dos Eucaliptos”, a beira da estrada
do Guaiacã, o terceiro utilizado pelo clube, contra o Corinthians, de Bom
retiro e perdia por 2 X 0, quando passou um cortejo fúnebre. O jogo parou em
respeito. Ao recomeçar, o Guapira goleou por 11 X 2.
Um
outro jogo bastante lembrado foi disputado no estádio do Pacaembu, frente um
dos mais tradicionais rivais, o Esperança, do Tucuruvi, que passava por um
grande momento.
Mal
o jogo começou e o Esperança fez 2 X 0, para desespero do pessoal do Guapira. O
técnico era Américo Carmona, que fez algumas alterações no modo de jogar da
equipe, como o centro-avante passando a atuar na meia-esquerda e o meia indo
para o comando do ataque. E deu certo. Foi um gol atrás do outro, até o escore
final de 6 X 2.
Bernardino
dos Santos Augusto, o “Nardo”, praticamente nasceu no campo do Guapira e
acompanhava tudo de muito perto, pois morava ao lado. Foi um jogador
de chute forte, tendo marcado 56 gols de falta em um único ano. Ele jogou de
1945 a 1957, quando se machucou e teve que operar o menisco.
Um
jogo que emocionou “Nardo” foi entre Guapira X Macedo, de Guarulhos, quando o seu
time ganhou a “Taça Dr. Maurício Cardoso”. Depois que deixou os gramados foi Diretor
de Futebol e responsável por buscar atletas de destaque para o clube, entre
eles Jadir, que chegou a ser convocado para a Seleção Brasileira.
Uma
tragédia que até hoje é lembrada com tristeza pelo pessoal do Guapira,
aconteceu num jogo contra o 12 de Outubro, no Pari, em 27 de janeiro de 1957, quando
se registrou um temporal violento. Um raio atingiu o campo e dois jogadores –
Roquinho, do Guapira, e Valter dos Santos, do 12 de Outubro foram atingidos. O
segundo jogador morreu em campo no dia em que ficaria noivo.
Fracisco
Rodrigues Castelli, o popular “Castelinho”, que veio de Ribeirão Preto e
começou a frequentar o Guapira em 1937, quando tinha apenas 11 anos de idade,
conta que antigamente havia muitas brigas. Após as partidas tinha sempre a hora
da pancadaria.
Para
ele, mesmo nessas ocasiões havia uma certa lealdade. Era tudo resolvido no
tapa, quando muito surgia um pedaço de pau. E garante que hoje não dá nem para
pensar em brigar. Naquele tempo não tinha torcida organizada, mas as esposas e parentes
dos diretores e dos jogadores sempre assistiam aos jogos.
Os
adversários mais lembrados foram: A. A. Açucena, do Bairro do Limão; Sampaio
Moreira, do Tatuapé; Vila Esperança e Paulicéia, ambos do Tucuruvi; Paulista,
de Guarulhos; E. C. Gopouva e Vila Augusta.
Antonio
Alberto Cardoso, um português vindo de “Trás-os-Montes” em 1947, provou sua
paixão pelo clube em 1951, quando se casou. No dia seguinte ao casório lá
estava ele firme no campo para ver o seu Guapira jogar. Nas dificuldades do
clube, nunca negou apoio, tendo muitas vezes garantido com dinheiro do próprio
bolso a compra de fardamento, lanches e transporte em dias de jogos.
Alberto
dos Santos Cordeiro, o “Chaminé” foi atleta do Guapira em duas modalidades
esportivas, futebol e malha. Por algum tempo jogou futebol, mas acabou se
dedicando somente a malha. Nesse esporte se deu bem, tendo sido convocado para
jogar na Seleção de Malha de São Paulo, que foi campeã brasileira, em Volta
Redonda (RJ).
Roque
Maranhão, o “Roquinho”, foi um bom jogador do Guapira. Num jogo contra o
Açucena passou por maus bocados. O jogo foi no campo adversário, no Bairro do
Limão. Quando “Roquinho” ia para o vestiário, surgiram torcedores dispostos a
agredi-lo.
Foi
cercado por uns 10 brutamontes. ”Roquinho” não pesava mais do que 50 quilos.
Mas ainda assim fechou os punhos como se fosse dar um soco e ameaçou um deles,
que ao se desviar abriu uma brecha por
onde ele passou em desabalada carreira. Depois disso, entraram em campo escoltados
pela Polícia.
O
Guapira ganhou de 2 X 0 e suou frio para sair do campo sem apanhar. Mais uma
vez a Policia teve de agir, inclusive com o auxilio de escolta a cavalo. O
segundo jogo, que seria em Guapira não se realizou na data marcada, devido a
uma proibição da Federação, para evitar novos tumultos.
Semanas
depois o confronto foi confirmado. “Roquinho” não entrou em campo, mas assistiu
o jogo sentado na arquibancada. Provocou, e muito, os adversários, mas eles não
reagiram. O Guapira venceu de novo. As brigas entre os rivais eram comuns, faziam
parte do dia a dia do futebol amador. Depois todos esqueciam e ninguém guardava
rancor.
O Guapira, nascido
no amadorismo da capital bandeirante aderiu ao profissionalismo em 1982, quando
disputou o Campeonato Paulista da 3ª Divisão, atual Série A3, pela primeira
vez.
O clube participou em 20 campeonatos
estaduais até 2002, quando se afastou das competições. Nesse período, só não
entrou em campo no ano de 1987. O maior feito do time na era profissional foi a
conquista do Campeonato Paulista da 5ª Divisão, hoje extinta, em 1998.
A taça está exposta em destaque na sede
do clube. Outro grande momento foi o Vice-Campeonato da Terceira Divisão em 1988,
certame vencido pelo Jaboticabal Atlético.
Hoje, o Guapira disputa apenas competições
amadoras, dedicando-se mais as atividades sociais e recreativas. A volta do
futebol profissional e das categorias de base, não está descartada, desde que
surja alguma parceria disposta a patrocinar os custos. Com recursos próprios,
está fora de qualquer cogitação.
Títulos
conquistados no futebol. Campeão da Liga Riachuelo, que reunia os principais
times da zona norte da Capital paulista (1935); Campeão da Sub-Divisão
Riachuelo (1945); Campeão da Divisão Principal de Amadores da Federação Paulista
de Futebol – Segundos Quadros (1957); Campeão Amador da Capital (1958);
Campeão Amador da Capital (1960); Campeão Amador da Capital (1964); Campeão
de Juniores na 3ª Divisão Estadual (1985); Campeão do Estadual de Juniores (1986); Campeão da 3ª Divisão (1989) e Campeão Estadual de Juniores (1991).
A.A. Guapira, em foto de 2007, como time amador. (Foto: Fernando Martinez)
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