quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O lado sujo do futebol

Hoje em dia, quando suborno, propina, compra de resultados e uma infinidade de situações escabrosas envolvendo o futebol brasileiro, nos dá uma idéia de que é resultado dos tempos modernos, em que a corrupção se mostra presente em praticamente toda a sociedade brasileira.

Mas não é bem assim. Já ao final da década de 1920 nos deparamos com a primeira suspeita de suborno em nosso futebol. Aconteceu no Rio de Janeiro, em 1929 quando o proprietário do Café Estrela d’Alva foi preso em flagrante, ao tentar subornar três jogadores do América, Sobral, Joel e Pennaforte, à véspera de um jogo final contra o Vasco da Gama.

O jornal “O Globo”, edição de 29 de novembro de 1929 noticiou que foram os próprios atletas que tomaram a iniciativa de comunicar o fato a Polícia. O comerciante foi preso ao entregar 20 contos de réis.

Mas nem precisava ter ocorrido a tentativa de suborno, visto que o Vasco ganhou de goleada, 5 X 0. Ao final do jogo muitas suspeitas recaíram sobre os jogadores americanos, Floriano e Osvaldinho, mas não foram levadas adiante por falta de provas.
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Bem antes disso teve outro caso, quando da tentativa de se estabelecer uma competição envolvendo os campeões carioca e paulista. A primeira edição foi em1914, entre Paulistano X América, campeões de 1913.

O América tinha em seu grupo os jogadores uruguaios, A. e J. Bertoni, que eram irmãos e haviam sido protagonistas do primeiro caso de “falso amadorismo”, segundo disseram os jornalistas Tomás Mazzoni e Rubens Ribeiro.

A primeira partida foi realizada no dia 24 de maio de 1914, no Velódromo, e o Paulistano venceu por 3 X 2. O jornal carioca “O Imparcial”, no dia seguinte ao jogo levantou a suspeita de que os dois uruguaios tinham sido subornados pelo Paulistano.

O clube paulista reagiu, acusando o América de ser responsável pelos boatos. Este, por sua vez, não aceitou a acusação. Como consequência os dois romperam relações, e a segunda partida não foi realizada, e o título não foi ganho por ninguém.

Por via das dúvidas, o América afastou os uruguaios sob a justificativa de “disciplina de ordem interna”.

Os dois jogadores foram trazidos para o Brasil em 1912, por iniciativa do S.C. Americano, de São Paulo. Com eles o time ganhou no mesmo ano o título paulista de forma invicta.

Outras denúncias mais recentes de subornos no futebol. O jornal “O Liberal”, de Belém do Pará, em sua edição de 12 de novembro de 2003 publicou matéria em que o ex-presidente do Paysandu, Miguel Alexandre Pinho, contou que o clube bicolor subornou árbitros para conquistar o Campeonato Paraense de 2000 e os brasileiros da Segunda Divisão de 1991 e 2001.

Miguel Pinho disse que o árbitro Wagner Tardelli esteve envolvido no esquema do “Parazão” de 2000, tendo dirigido o primeiro jogo da final frente o Castanhal. O “Papão” venceu por 1 x 0 com um gol de pênalti, nos acréscimos. No lance seguinte Edil quase empatou, carimbando a trave. Tardelli teria dito a Miguel que se fosse gol ele teria anulado.

Também contou ter havido esquema para beneficiar o Paysandu no clássico contra o Remo, em que este precisava vencer por dois gols e ganhou por 1 X 0, mas teve um gol legítimo de Robinho anulado pelo bandeirinha.

O ex-presidente do Paysandu se incluiu entre os cartolas que praticavam suborno. Ele revelou que tentou subornar Mário Fernando, ex-goleiro de Paysandu, Remo e Tuna, quando o jogador atuava por um time pequeno (Sport Belém ou Pinheirense), mas não teve êxito. Segundo Pinho, Mário Fernando não quis conversa.

Sobre os dois títulos da Série B conquistados pelo Paysandu em 1991 e 2001, Miguel Pinho afirmou com todas as letras que o clube bicolor se beneficiou de fortes esquemas. Citou o árbitro baiano Manoel Serapião Filho, referindo-se a ele como “Serapapão”.

No jogo contra o ABC, Serapião realmente “fez chover”. Anulou um gol legal do ABC, marcado por Rildon, e, de quebra, permitiu que o jogo chegasse ao final sem o mínimo de segurança. “Existem dois tipos de torcida, a pacífica e a aguerrida. A do Paysandu é pacífica”, justificou Serapião, para dar continuidade à partida, vencida pelo Paysandu por 3 X 1.

Na década de 40, o São Cristóvão tinha um goleiro que, quando queria, pegava até pensamento. Mas do ponto de vista da honestidade não era lá muito confiável. Na véspera de um jogo contra o Botafogo, que precisava vencer para continuar na disputa do título com o Flamengo, ele teria se oferecido ao presidente botafoguense, João Lyra Filho (que na época também era ministro), para amolecer o jogo. Indignado, o dirigente recusou a oferta, considerando-a um insulto.

No dia seguinte, o goleiro fechou o gol e o jogo terminou empatado. Ao cruzar com João Lyra, teria comentado, ironicamente: “Tá vendo, doutor? É o que dá bancar o honesto. Se o senhor tivesse me ouvido, agora não estaria aí desse jeito, com cara de perdedor arrependido.”

Em São Paulo, ficou famoso o caso do zagueiro corintiano Jaú, que em 1932 teria sido "cantado", como se dizia à época, para facilitar uma vitória do então Palestra Itália, atual Palmeiras. Além de não aceitar o suborno, Jaú armou um encontro para que a pessoa que tentou suborná-lo fosse apanhada em flagrante.

Daquele episódio, restou uma triste e preconceituosa brincadeira entre os torcedores dos dois times, registrada por João Máximo na primeira edição de seu livro “Gigantes do Futebol Brasileiro”, no perfil do ex-craque palestrino Romeu Pellicciari: "Quem é rico compra, quem é pobre se vende".

Também nos anos 40, havia um árbitro argentino que andou apitando jogos do Campeonato Carioca e não pensava duas vezes antes de se vender. Tanto que na semana de um clássico contra o Fluminense o pessoal do Botafogo soube que ele havia "fechado negócio" com o Tricolor. Chamado, o juiz confirmou, mas de dispôs a mudar de lado caso cobrissem a proposta que lhe havia sido feita, o que foi acertado na hora.

No dia do jogo, o Fluminense fez o primeiro gol. O juiz argentino arranjou um pênalti para o Botafogo, que empatou. O Flu passou de novo à frente, e de novo o juiz deu um pênalti, que o Botafogo voltou a converter. Mas não teve jeito, porque no último minuto o Fluminense acabou fazendo o gol da vitória.

"Maldita hora em que troquei o certo pelo duvidoso", teria confessado o juiz a seus amigos de bar. "Esse time do Botafogo é tão incompetente que não consegue ganhar nem jogo comprado..." (Historinhas de suborno – de Celso Unzelte)

Nem o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, escapou das nuvens negras que pairam sobre o futebol. Ele, junto de mais seis cartolas ligados a Fifa, foram presos em 2015 pela Polícia da Suíça a pedido da justiça dos Estados Unidos sob a acusação de corrupção e diversos outros crimes.

Os suspeitos foram detidos num hotel em Zurique, sob suspeita deterem recebido propina sobre  a votação para escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022.

Os outros dirigentes detidos na Suíça, além de Marin, foram Jeffrey Webb (Ilhas Cayman), presidente da Concacaf; Eugenio Figueredo (Uruguai),ex-presidente da Conmebol;  Julio Rocha (Nicarágua), presidente da Federação Nicaraguense; Costas Takkas, braço-direito do presidente da Concacaf; Rafael Esquivel, presidente da federação da Venezuela e membro do Comitê Executivo da Conmebol; e Eduardo Li, presidente da Federação da Costa Rica.

Contar histórias de clubes, juízes, dirigentes e jogadores envolvidos em situações de suborno, certamente daria um grosso livre. Ficam as situações contadas acima, apenas como registro de que nem só de santos vive o futebol, de ontem e de hoje. (Pesquisa: Nilo Dias)

Nem o ex-presidente da CBF, José Maria Marin escapu da sujeira no futebol. (Foto: Divulgação)

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