quarta-feira, 1 de maio de 2019

O adeus a botafoguense Beth Carvalho

A música brasileira está de luto e o futebol também, com o falecimento ocorrido ontem (30), da querida e grande cantora Beth Carvalho, a “madrinha do samba”, aos 72 anos de idade.

Beth Carvalho, botafoguense assumida, morreu às 17h33min, no “Hospital Pró-Cardíaco”, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde estava internada desde 8 de janeiro.

A artista foi vítima de infecção generalizada (sepse, também conhecida como septicemia), segundo nota divulgada depois das 19h pela unidade de saúde.

Havia pelo menos 10 anos, que Beth Carvalho estava com problemas de coluna. Em 2012 ela fez uma cirurgia, mas o problema persistiu. Por conta disso, no ano passado a cantora fez um show no Rio deitada em um sofá.

Ela iria se apresentar em 5 de maio, dia em que completaria 73 anos, no “Vivo Rio”, no Rio de Janeiro, mas nesta segunda-feira, o show foi cancelado por recomendação médica.

O corpo da cantora e compositora, será velado no Salão Nobre da sede do Botafogo, time do coração da sambista, na Zona Sul carioca, das 10h às 16h desta quarta-feira. Após o velório, a sambista será cremada no "Crematório do Caju", Zona Norte do Rio.

Vinda da Zona Sul carioca, Beth Carvalho entrou para a história como a grande madrinha do samba. Nascida em 5 de maio de 1946, em uma família de classe média, ela teve contato com o samba desde pequena. 

Aos oito anos de idade já se maravilhava com as gravações de Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida. Ainda menina, ao assistir ao desfile das escolas de samba, encontrou outro amor definitivo: a "Estação Primeira de Mangueira". 

Seu grande sonho era ser bailarina, ao qual dedicou muitos anos de sua juventude. Na adolescência, inspirada pela bossa nova, começou a tocar violão e virou professora de música. Beth mergulhou fundo no samba, rompendo barreiras e dando voz a gênios esquecidos.

Passou a gravar sambas-enredo numa época em que apenas homens o faziam. E aproximou-se de dois grandes gênios de sua "Estação Primeira": Cartola e Nelson Cavaquinho, assumindo o papel de madrinha. 

Gravou sucessos como "Vou Festejar" e "Coisinha do Pai" --esta, muitos anos depois, utilizada para acordar um robô em Marte. E o Brasil passou a conhecer talentos como Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Bira Presidente, Ubirany, Zeca Pagodinho.

Poucos brasileiros desconhecem as preferências de Beth Carvalho. De um lado, seu coração é verde e rosa; do outro, preto e branco. Embora ela tenha sido enxotada de um carro alegórico da "Mangueira", em desfile de Carnaval, não deixou de amar a escola.

Ela, que sempre foi uma das figuras históricas da verde e rosa, havia pedido para sair no carro, pois não tinha condições físicas de atravessar a avenida a pé;Mas um diretor da escola entendeu que aquele não era o ligar dela. Além de Beth, toda uma ala da comunidade mangueirense viu-se banida do desfile, sem maiores explicações.

E no futebol teve participação importante. A maioria, no entanto, não sabe que Garrincha, Didi e Nilton Santos surgiram na sua vida antes de Nelson Cavaquinho, Cartola e Nelson Sargento.

Ela era botafoguense de berço. Antes da paixão pela “Mangueira”, surgiu a alvinegra. Pai, mãe, irmã mais velha, todos em casa já carregavam no peito a “Estrela Solitária”.

Antes disso, já tinha visto a “folha-seca” de Didi e se empolgado com os dribles de Garrincha. Depois foi a vez de Jairzinho, Paulo Cesar Caju, Marinho Bruxa, Afonsinho e outros jogadores que se tornaram seus amigos nos encontros no “Cacique de Ramos”.

Com os anos, Beth descobriu papel invertido nessa relação com os craques da bola. Fã confessa da habilidade e classe de Nilton Santos, soube, quando o conheceu, que era ídolo do ídolo.

O jogo mais marcante que ela dizia ter visto, foi o do gol do Túlio, no primeiro “Brasileirão” conquistado pelo Botafogo, em 1995, naquela partida contra o Santos, em São Paulo. Na verdade, era o segundo título, porque foi reconhecido aquele de 1968.

Mas na época, para todos os efeitos, era como se fosse o primeiro. E ainda teve a história do gol de impedimento, que é reclamado até hoje. O Túlio foi uma maravilha, arrasou. E virou ídolo da cantora.

Depois desse “Brasileirão”, teve um aniversário dela em que Túlio apareceu de surpresa. Aquele time era muito bom. Tinha ainda o Gottardo, o Gonçalves, o Donizete, disse Beth, em sua casa, na “Barra”.

De fato, até hoje torcedores do Santos se queixam da arbitragem de Márcio Rezende de Freitas no empate por 1 X 1 entre Santos e Botafogo, dia 17 de dezembro de 1995, no Pacaembu.

Após vencer no Maracanã a primeira partida, por 2 X 1 - gols de Túlio e Gottardo -, o Botafogo foi a São Paulo precisando do empate para sair de lá com o título. Conseguiu o resultado e a taça.

Uma das partidas que Beth presenciou no Maracanã e não esqueceu foi a polêmica derrota para o Fluminense por 1 X 0 na final do Campeonato Carioca de 1971.

O gol decisivo de Lula aos 43 minutos do segundo tempo, num lance em que todos os alvinegros reclamam até hoje de falta do lateral tricolor Marco Antônio no goleiro Ubirajara Motta, transformou o árbitro José Marçal Filho em um dos maiores vilões da história do Botafogo.

Tem coisas que só acontecem com o Botafogo. Beth estava nesse jogo. Ali nas cadeiras comuns do Maracanã, onde ficava todo mundo misturado. Tinha uns tricolores ali, ninguém comemorou.

Beth chorando, e ninguém vibrando na sua frente. E tinha criança... Naquele dia, ela ficou arrasada, com raiva do Marco Antônio... Ele frequentava o “Cacique de Ramos”. Essa turma toda ia lá. Jairzinho, Paulo Cezar Caju, Afonsinho, Marinho Bruxa...

Tinha também o Alcir, do Vasco, o Renê, um negro que ela achava bonito. E o Edson, que virou até seu marido depois. Todos jogavam futebol de salão, tem uma quadra no “Cacique”, agora coberta.

A maioria dos amigos de Beth eram Flamengo. Tinha um amigão botafoguense, o seu cunhado, que é fanático, vai a todos os jogos do Botafogo, inclusive no interior. Então, ela tinha companhia para ir ver o Botafogo.

Com Beth Carvalho, não adianta: futebol e samba seguiam juntos. Num pulo até 1989, ela lembra de outro dia de Maracanã com casamento perfeito das duas maiores paixões brasileiras.

Outra partida com arbitragem polêmica que se tornou marcante para a “Madrinha do Samba” foi a vitória do Botafogo sobre o Flamengo por 1 X 0, na decisão do “Carioca”, no dia 18 de junho, que  pôs fim ao jejum de 21 anos sem títulos.

O gol de Maurício, aos 12 minutos do segundo tempo, até hoje provoca discussão com os rubro-negros, que reclamam de um empurrão do camisa 7 no lateral Leonardo no lance decisivo. Mas a melhor lembrança foi uma certa música...

A partida prematura de Beth Carvalho deixa uma lacuna nos apaixonados pela música brasileira, mas a “Madrinha do Samba”, coisa tão bonitinha do pai, está eternizada em canções como “Andanças”. Afinal quem nunca soltou a voz nessa música presente em toda boa roda de violão que se preze.

Botafoguense de frequentar o estádio, Beth acabou se tornando madrinha do Atlético Mineiro, que adotou a música “Vou Festejar” como um segundo hino. Em 2006, inclusive, ela participou da festa do retorno do “Galo” à primeira divisão, cantando a música em um Mineirão lotado.

Músicos, amigos, celebridades, políticos, entre muitos outros fãs, usaram as redes sociais para homenagear a sambista Beth Carvalho.

Caetano Veloso: “Uma das maiores maravilhas do Brasil. Eu a conheci logo que cheguei ao Rio com Bethânia. Ela muito menina cantando Bossa Nova, depois se tornou a madrinha do renascimento do samba de raiz do Rio de Janeiro. É uma das maiores expressões da nossa cultura. Eu tenho saudade dela”.

A "Estação Primeira de Mangueira" prestou homenagem a Beth Carvalho logo após o anúncio da morte da cantora, que há 50 anos desfilava pela escola de samba carioca. 

"Com muita tristeza no coração informamos a toda nação verde e rosa que nossa madrinha, Beth Carvalho, nos deixou essa tarde e foi para o andar de cima levar sua alegria junto aos mangueirenses Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Jamelão entre outros bambas do samba. Um dos mais importantes nomes do samba e voz que cantava com alma as cores de nosso pavilhão".

Marcelo D2: “Beth Carvalho talvez tenha sido a primeira grande artista que eu vi meus pais ouvindo em casa ... Vai deixar saudade, mas sua obra fica . Quem se perdeu do amor humano é como tesoura cega, não tem mais direito ao pano Obrigado Beth”.

Maria Ritao: “Fico profundamente triste com essa notícia, porque egoisticamente a gente fica com essa imagem sua sendo nossa... Eu só busco lembrar que você fez o que sempre amou e foi fazendo até o fim, com muita garra e muita paixão”.

E sempre fez por merecer o título de madrinha do samba trazendo compositores, músicos, novos interpretes, novos nomes. Pra luz, pra frente, pra cima. É um merecido descanso.

Leandro Karnal: “Ela foi talentosa, brasileira ao extremo, cheia de vida e de criatividade. Beth Carvalho nos deixou hoje. As cantoras brasileiras são uma preciosidade única e Beth era uma jóia cintilante na cultura da música do meu país”.

Elza Soares: “O samba está de luto! O samba perde a sua grande intérprete! Com muita dor no coração que eu falo assim, mas Deus sabe o que faz, a gente não sabe o que fala. Que vá com Deus e com os anjos. São os meus sentimentos”.

Zeca Camargo: “Eu cheguei a pensar em comprar os ingressos para ver Beth Carvalho agora no começo de maio - o que seria um grande retorno dela. E hoje, a notícia de sua morte.

Fiquei sem me despedir, mas a força da sua música e o poder do seu samba estão aí pra quem quiser ver - e vão ficar por muito tempo. Porque o som de Beth Carvalho é o da paixão. Pela Mangueira, pelo samba, pelo Brasil. Obrigado, Beth”.

Daniela Mercury: “A extraordinária Beth Carvalho se foi. Minha inspiração, minha amiga: você é o samba que nos inspira a resistir, que canta o Brasil mais profundo.

Com você vai um pouco de mim, de nós, do Brasil. Conosco fica a sua voz, a sua luta, a sua música. Tudo é eterno na sua arte. Estou imensamente triste com sua partida. Te amo! #BethCarvalho #RIP #saudade #”.

Exatamente 6 dias atrás ela me ligou, isso mesmo, a MADRINHA DO SAMBA me ligou me convidando pra cantar no show dela no dia 5. Combinamos a música e eu estava desde então com dificuldades pra dormir de tão ansioso em poder cantar com ela pela primeira vez. E Arlindinho, filho de Arlindo Cruz: “Exatamente 6 dias atrás ela me ligou, isso mesmo, a MADRINHA DO SAMBA me ligou me convidando para cantar no show dela no dia 5.

Combinamos a música e eu estava desde então com dificuldades pra dormir de tão ansioso em poder cantar com ela pela primeira vez. E agora? Ainda estou em choque.

Ela perguntou do meu pai. Falamos sobre homenagear ele, enfim... Descanse em paz, e obrigado por lembrar de mim isso me dará muita força pra seguir com a bandeira do SAMBA. Eternamente te amarei BETH CARVALHO”.

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro: “Lamento profundamente a morte de Beth Carvalho, uma das melhores e mais importantes cantoras do nosso país. Seus sambas embalaram da minha infância até os dias de hoje.

Na sua longa e bem-sucedida carreira musical, essa grande intérprete do samba carioca reuniu, ao longo de cinco décadas, fãs de todas as idades, unindo o país em torno da beleza da sua voz e das suas canções.

O Estado do Rio de Janeiro hoje ficou mais triste. Compartilho a dor de todos os admiradores e me solidarizo com os familiares e amigos, em comunicado oficial”.

Gilberto Gil: “Lamentamos a irreparável perda de Beth Carvalho. Madrinha do samba e referência para tantos artistas, fará muita falta nos palcos e na vida de todos nós”.

Filha de Beth Carvalho, Luana, postou duas homenagens à sua mãe, em forma de foto. A cantora usou seu Instagram para compartilhar uma imagem da sua infância e também para mostrar um registro da madrinha do samba, que morreu ontem, aos 72 anos, com sua neta. 

No início da madrugada, Luana Carvalho postou uma imagem em que aparece ainda menina, olhando para uma jovem Beth, ambas com olhar de admiração. "Dia do trabalhador", legendou Luana, citando o feriado de hoje, "Dia do Trabalho".

Beth Carvalho não deixa órfãos apenas no samba, na “Mangueira” e nas torcidas de futebol. Exemplo de dignidade, vai fazer muita falta para o país. (Pesquisa: Nilo Dias)


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