Um
dos estádios mais antigos da Argentina, ainda em atividade, é o “Arquitecto Ricardo
Etcheverri”, localizado no bairro de “Caballito”, em Buenos Aires e inaugurado
em 2 de Janeiro de 1905, um ano após a fundação de seu proprietário, o Ferro
Carril Oeste. Hoje tem capacidade para 24.442 torcedores. É um dos poucos
estádios da Argentina que permanece no mesmo lugar desde o início do século XX.
Foi construído nos fundos de um terreno da linha de trem "Ferro Carril Oeste".
O
estádio ganhou oficialmente o nome de “Arquitecto Ricardo Etcheverri” em 1995.
É uma homenagem para quem serviu o clube como seu vice-presidente por cerca de
30 anos.
Para
erguer o estádio o Ferro Carril Oeste usava uma política de venda de jogadores
em troca de materiais de construção, como madeira e chapas de zinco. Até hoje o
“Ricardo Etcheverri” possui alguns lances de arquibancadas de madeira, por isso
é conhecido como "El Templo de Madera" ou "El Monumental de
Madera", numa referência ao Estádio Monumental de Nuñez do River Plate.
A
bela tribuna semi-coberta, construída em 1976, foi a única inovação no estádio
em mais de um século. Todo o restante permanece com a mesma estrutura dos tempos da fundação. Embora a capacidade atestada
seja de 24 mil torcedores, era comum o clube jogar para mais de 35 mil pessoas
nos anos 1980. Hoje, o Ferro joga para plateias de, no máximo, oito ou 10 mil
pessoas
Devido
a sua localização privilegiada, no centro geográfico de Buenos Aires, as principais
equipes argentinas já o utilizaram em oportunidades em que não podiam usam seus próprios
estádios. Entre eles River Plate, Boca Juniors, Vélez Sarfield, San Lorenzo de
Almagro e, mais recentemente o Argentinos Juniors. A história registra incêndios
que destruíram parcialmente o estádio, em longos períodos de empréstimo a
outros clubes portenhos.
O
Ferro Carril Oeste já foi uma das maiores potências futebolísticas da Argentina
nos anos 80. Hoje vive uma situação de imensas dificuldades. Longe da elite, o
Ferro experimentou dois descensos, uma falência e um sem número de fracassos
dentro e fora de campo, sendo agora um mero figurante das divisões inferiores.
A
torcida, antes enorme, agora resume-se aos moradores do bairro e frequentadores
da sede social. Dos 50 mil sócios de antes, hoje não passam de 10 mil.
A
responsabilidade de todo esse declínio se deve a seguidas más administrações. A
história vitoriosa do clube começou com um dirigente chamado Santiago Leyden
(1933-2002), que presidiu o Ferro por longos 30 anos (1963-1993), período em
que foi por duas vezes campeão argentino (1982 e 1984) e três vices, além de
conquistas no basquete (três Ligas Nacionais e três Sul-americanos) e no vôlei
(12 torneios nacionais e três continentais).
Foi
Leyden que ergueu a tribuna de cimento do antigo estádio de madeira – que
ganhou o nome de “Arquitecto Ricardo Etcheverry”, seu vice e responsável pelo
projeto do novo setor –, um ginásio poliesportivo para oito mil pessoas e todo
o sistema de iluminação do complexo. Foi o homem que colocou o clube numa
situação de grandeza, mas teve um pecado fatal: não soube a hora de entregar o
cargo para outro.
Sem
dúvida foi um dirigente extraordinário, mas ficou tempo demais à frente do
clube. E quando isso acontece, tudo se contamina e se afasta da realidade”.
Quando
finalmente Leyden deixou a presidência, a situação financeira do Ferro Carril
Oeste já era dramática e se agravou nos anos seguintes. Torcedores e sócios
abandonaram o clube aos milhares.
A
maior renda vinha da sede social, mas como parte de uma nova realidade
que também se verificou nas agremiações brasileiras, estas, a partir dos anos
90, perderam a importância de antigamente. As receitas com patrocínios também
despencaram, e nem de longe justificam o emaranhado de desconhecidas marcas estampadas
no uniforme verde com detalhes em roxo.
Dentro
de campo, os resultados também não ajudaram. Diante de tudo isso foi um passo
para a falência completa, no começo dos anos 2000. Antes mesmo de ter a
insolvência decretada, o Ferro desceu para a segunda divisão – e para a
terceira no ano seguinte. Acabou voltando para a B Nacional, mas nunca mais para
a elite.
Tudo
aconteceu num cenário agravado pela crise financeira que atingiu a Argentina. O
país chegou a ter cinco presidentes em 12 dias no fim de 2001, o que também
colaborou para levar à bancarrota o grande Racing Club.
“No
me olvido ese día/ que una vieja chiflada decía/ Que Racing no existía/ que
tenía que ser liquidado”, canta “La Guardia Imperial”, em referência ao
episódio em que a torcida evitou que um dos clubes mais vitoriosos da história
encerrasse as atividades. Ao contrário do Racing, no entanto, o Ferro nunca
mais conseguiu se recuperar, e as gestões seguintes apenas agravaram a
situação.
O
Ferro é atualmente o 14º classificado em um campeonato disputado por times desconhecidos
como Aldosivi, Crucero del Norte, Douglas Haig e Patronato.
Os
torcedores que ainda restam, não lamentam tanto a ausência de jogos contra os
chamados ”grandes” do futebol argentino, Boca, River, San Lorenzo, Racing e
Independiente. Mas a disputa do “Clássico do Oeste”, contra o Vélez Sarsfield,
rival com quem compartilha o ramal ferroviário que cruza a cidade do centro até
o limite Oeste, no bairro de Liniers.
A
linha de trem, por sinal, tem importância destacada para estes dois e para
grande parte dos times portenhos: enquanto o Ferro foi fundado em 1904 por um
grupo de 95 funcionários da companhia inglesa “Buenos Aires Western Railway”, o
Vélez emprestou seu nome a antiga “Estação Vélez Sarsfield”, hoje “Floresta”, o
bairro onde se fixou outro clube, o All Boys.
Já
o Vélez não encara mais a rivalidade com o Ferro, como antes. O clube está em outro
patamar, tendo sido campeão da Libertadores e do Mundial em 1994. Embora não
tenha deixado de ser um dos tantos clubes de bairros de Buenos Aires, como o
próprio Ferro e mais All Boys, Nueva Chicago, Chacarita, Atlanta, Huracán,
Argentinos Juniors, Barracas Central, Defensores de Belgrano, entre outros.
A
diferença é que o Velez encara de igual para igual as equipes de maior torcida
e tradição. Desde 1993, foram oito títulos argentinos – só o River ganhou mais
– e cinco internacionais. Além de um estádio que pode ser considerado exemplar,
o Vélez ostenta um dos elencos mais fortes e regulares do país.
Para
o Ferro só resta o passado. Assistir a uma partida no antigo estádio de madeira
é como voltar a tempos idos. O complexo esportivo vive um estado de abandono, o
que reforça essa impressão. Fala-se que o velho estádio de “Caballito” vai
passar por uma ampla e necessária reforma.
A
curva do lado oposto à Platea Sur e a arquibancada central já foram
parcialmente desmontadas. A promessa é que os dois setores serão reconstruídos,
com cimento mesmo, a exemplo da tribuna principal. Mas o problema é a falta de
dinheiro para levar adiante a obra.
Hoje
o time joga para um público envelhecido e saudosista, muito distante da média
de 20 mil torcedores dos tempos áureos. Os torcedores populares de antes não
existem mais. O que se vê no estádio agora é uma torcida de classe média.
Pobres não assistem mais os jogos do Ferro.
E
isso tem uma razão de ser. O bairro de “Caballito” também mudou, está hoje repleto
de novos condomínios de alto padrão, alguns dos quais cortando todo o horizonte
que antes se tinha a partir do estádio.
É
um cenário contrastante com o que se costuma observar na maior parte dos
estádios argentinos: o “Arquitecto Ricardo Etcheverry” fica encravado em uma
zona bastante populosa, mas tranquila ao extremo. É possível caminhar pelas
avenidas paralelas, incluindo a Rivadavia, a maior do país, sem se dar conta da
existência de um estádio ali perto.
Os
argentinos herdaram dos ingleses o costume de apelidar os estádios que poucos
são conhecidos pelos seus nomes oficiais, como mostro abaixo:
Alberto
José Armando (Boca Juniors): “La Bombonera”; Monumental Antonio Vespucio
Liberti (River Plate): “Monumental de Núñez”; Libertadores de América
(Independiente): “Doble Visera”; Juan Domingo Perón (Racing): “Cilindro de
Avellaneda”; Pedro Bidegain (San Lorenzo): “Nuevo Gasómetro”; José Amalfitani
(Vélez Sársfield): “El Fortín” e “Liniers”; Tomás Adolfo Ducó (Huracán): “El
Palacio” e “Parque Patricios”; Ciudad de La Plata (clubes de La Plata): “Único”;
Juan Carlos Zerillo (Gimnasia y Esgrima La Plata): “Del Bosque”; Dr. Lisandro
de la Torre (Rosario Central): “Gigante de Arroyito”; El Coloso del Parque
(Newell’s Old Boys): “Parque Independencia”; Néstor Díaz Pérez (Lanús): “Ciudad
de Lanús” e “La Fortaleza”; Chateau Carreras (clubes de Córdoba): “Olímpico”; Juan
Domingo Perón (Instituto): “Monumental de Alta Córdoba”; Brigadier General
Estanislao López (Colón): “Cementerio de Elefantes”; Arquitecto Ricardo
Etcheverri (Ferro Carril Oeste): “Caballito”; Julio Humberto Grondona
(Arsenal): “El Viaducto”; Centenário Dr. José Luis Meiszner (Quilmes): “Centenário”;
Feliciano Gambarte (Godoy Cruz): “La Bodega” e José María Minella (Aldosivi): “Mundialista
de Mar del Plata”. (Pesquisa: Nilo Dias)
O velho Estádio Arquitecto Ricardo Etcheverri. (Foto: Acervo fotográfico do Ferro Carril Oeste)