Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sábado, 19 de abril de 2008

Essas mulheres maravilhosas

Essa história de que futebol é “coisa pra macho”, já era. As mulheres conquistaram seu espaço dentro do campo de jogo e não tem mais volta. E isso já poderia ter acontecido há muito mais tempo, pois o futebol feminino não tem nada de novo. Ao contrário. Ele remonta ao ano de 1896, quando foi realizado em Londres o primeiro jogo no mundo, um amistoso entre as seleções da Inglaterra e da Escócia, embora existam registros vagos de partidas entre mulheres no começo de 1880.

Igual ao futebol masculino são muitas as histórias que falam da realização de jogos entre mulheres, em épocas bastante remotas. No século XII as mulheres francesas participavam do “futebol do povo” ou “jogos da multidão”, competições onde camponesas lutavam por uma bola de couro com fitas num jogo chamado La Soul. No século XVIII, em Coulevam, na Escócia, as mulheres casadas e solteiras da região jogavam umas contra as outras numa forma primitiva de futebol.

A inglesa Net Rolibol, em 1894 fundou o ”Senhoras Britânicas”, o primeiro time de futebol feminino do mundo. Em 1895, dez mil pessoas viram o jogo de estréia da equipe. No Canadá, surgiu em seguida o “Society Angels”, de Edmont. As francesas também se interessaram pelo futebol e em 1910, já haviam sido criados o “Rouge Esportive” e o “Femina Sports”, de Paris. No mesmo ano em Bountson Park, 53 mil pessoas assistiram um jogo beneficente do “Dick Kerr Ladies F.C.”. O estádio lotou e mais de 10 mil pessoas ficaram do lado de fora sem conseguir assistir o jogo. Foram arrecadadas mais de 70 mil libras.

Em dezembro de 1921, a Associação Inglesa de Futebol, composta por futebolistas masculinos, proibiu os filiados de cederem seus campos para jogos entre mulheres. A proibição durou longos 50 anos. Tempos depois, a Federação Francesa fez o mesmo. Nada disso conseguiu impedir que as equipes femininas continuassem organizando jogos para caridade. Mesmo assim o futebol feminino teve um rápido declínio.

Foi somente em 1950 que o interesse pelo futebol feminino ressuscitou, começando a se desenvolver na Alemanha, Dinamarca, Tchecoslováquia e Itália. As meninas começaram a jogar futebol na escola e o nível de habilidade desenvolveu-se rapidamente. No Brasil, não se sabe com certeza quando elas começaram a jogar. Alguns pesquisadores garantem que ocorreram jogos de futebol feminino no início do século XX, entre os anos de 1908 e 1909.

Outros historiadores discordam e dizem que o primeiro jogo feminino no Brasil foi disputado em 1913, entre times dos bairros da Cantareira e do Tremembé, em São Paulo. Teria sido um jogo beneficente para a construção de um hospital da Cruz Vermelha. Porém não se sabe se realmente eram mulheres jogando ou homens vestidos de mulheres, ou ainda, times mistos. Mas numa coisa todos concordam: as primeiras mulheres futebolistas vinham de bairros populares, e eram vistas como “sem classe” e “grosseiras”.

Também há quem diga que as mulheres só entraram em campo por volta dos anos 30, quando sofreram grande discriminação do governo Vargas, que alegava estabelecer a “conduta correta para a mulher, mãe ou futura mãe no seio da sagrada família brasileira”. Durante o “Estado Novo” foi publicado um decreto que proibia as mulheres de praticarem lutas, futebol, pólo aquático, pólo, rugby, baseball ou qualquer esporte ”incompatível com as corretas e naturais condições e funções femininas”. O futebol, naquele tempo era visto como algo que poderia denegrir a imagem da mulher.

A história do futebol feminino no Brasil foi sempre um mar de dúvidas. O Jornal do Brasil, edição de 29/11/76, publicou matéria sugerindo que as primeiras partidas de futebol feminino nas praias do Rio de Janeiro foram no Leblon, em dezembro de 1975, sempre tarde da noite, porque as jogadoras eram na maioria, empregadas domésticas. A Revista Veja, em uma de suas edições de 1996, também enveredou pelos caminhos do futebol feminino, afirmando que ele teve o início marcado por jogos organizados por diferentes boates gays, no final da década de 70.

O tema mereceu muitas reportagens ao longo dos anos. O Jornal do Brasil, em outra matéria, divulgada em1996, revela que o futebol feminino esteve relacionado a peladas de rua e a jogos beneficentes. Citou como exemplo um jogo ocorrido em 1959 por atrizes do Teatro de Revista, em pleno Estádio do Pacaembu, em São Paulo.

O futebol feminino começou a se organizar de verdade, com a criação em 1981, da primeira liga de futebol feminino no Rio de Janeiro. A partir daí foram realizados vários campeonatos patrocinados por empresas, como a Copertone, Casas Pernambucanas, Cinzano, Unibanco e outros. Ainda na década de 80, a televisão passou a exibir jogos de futebol feminino, o que foi fundamental para a popularização do esporte em todo o país.

Em 1965, durante o regime militar, o ex-presidente Castelo Branco regulamentou o decreto de Vargas e somente em 1982, ele foi revogado pelo Conselho Nacional de Desporto (CND). Em abril de 1985 o futebol feminino foi legalizado. Com isso as mulheres puderam voltar aos gramados sem problema. Nessa época surgiu um dos maiores times da história do futebol feminino brasileiro, o Radar F.C. do Rio de Janeiro.

Enquanto no Brasil as mulheres tiveram problemas para praticarem livremente o futebol, na Europa, muitos times foram criados ao longo do século passado, embora não existissem campeonatos regulares. Isso aconteceu só a partir dos anos 70, quando vários certames, envolvendo times e seleções, foram realizados em países como Itália, Inglaterra, Dinamarca e França.

Hoje, o futebol feminino está consolidado como esporte olímpico e desde 1991 é disputada uma Copa do Mundo organizada pela FIFA, de 4 em 4 anos, reunindo seleções de todos os continentes, inclusive de países conservadores como a China. A competição foi idealizada pelos delegados da FIFA, durante a Copa do Mundo de 1986 no México.

Antes disso, em 1971, sem reconhecimento oficial foi realizada uma Copa do Mundo de Futebol Feminino, no México e sem a participação brasileira. A Dinamarca foi campeã, derrotando as mexicanas por 3 X 0, no jogo final, disputado no Estádio Azteca, na Cidade do México, perante 100 mil expectadores.

Somente em 1988, um evento com o apoio da FIFA foi realizado na China, o I Torneio Mundial de Futebol Feminino, com a participação de 12 países, inclusive o Brasil, representado pela equipe carioca do E.C. Radar. Esse evento serviu como preparação para o I Campeonato Mundial de futebol feminino realizado na cidade de Punyu na China, em 1991.

A campanha brasileira na competição foi esta: fase classificatória. Brasil 0 x 1 Austrália; Brasil 2 x 1 Noruega e Brasil 9 x 0 Tailândia. Oitavas de final: Brasil 2 x 1 Holanda. Fase semifinal Brasil 1 x 2 Noruega. Na decisão do 3º lugar: Brasil 4 x 2 China. A seleção da Noruega venceu a seleção da Suécia por 1 x 0 na partida final.

O torneio foi o último disputado pelo Esporte Clube Radar, um clube de praia, fundado em 1932 em Copacabana. A equipe de futebol feminino foi criada em 1981 pelo empresário Eurico Lira. Até paralisar as atividades, o Radar contabilizou mais de 300 partidas, sendo 71 delas no exterior. Foram 66 vitórias, 3 empates e 2 derrotas.

O clube carioca foi um grande vencedor, empilhando conquistas. Um título importante foi o de campeão do Women Cup Of Spain, quando derrotou as seleções da Espanha, Portugal e França. O sucesso do Radar estimulou o surgimento de novos times. Em 1987, a CBF já havia cadastrado 2 mil clubes e 40 mil jogadoras.

Finalmente, em 1991 foi realizado o I Mundial, na China. Os Estados Unidos se sagraram os primeiros campeões. Em 1995, na Suécia, quem venceu foi a Noruega. Em 1999, nos Estados Unidos, nova vitória dos anfitriões. Em 2003, a Copa foi de novo nos Estados Unidos, porque uma epidemia de SARS tirou a sede da China. A Alemanha ganhou o título. Em 2007 os chineses promoveram a competição e a Alemanha foi bicampeã. O Brasil perdeu a final, por 2 X 0 e foi vice. Em 2011 a competição será na Alemanha. O número de seleções sobe de 16 para 24.

Um dos mais emocionantes momentos da Copa do Mundo feminina e talvez da história do futebol, foi quando a jogadora norte-americana Brandi Chastain tirou a camisa e deslizou de joelhos, mostrando seu sutiã esportivo na comemoração de um gol de pênalti que decidiu a final contra a China em 1999.

Em 1996 o futebol feminino foi incluído nas Olimpíadas de Atlanta. Era o reconhecimento mundial que faltava. O Brasil ficou com o quarto lugar, e os Estados Unidos com o título. Em 2000, em Sydney, ficamos outra vez com o quarto lugar e a seleção da Noruega levou o ouro. Em 2004, em Atenas quase chegamos ao topo do pódio: ficamos com a prata e os Estados Unidos com o ouro. Em 2003 e 2007, as meninas brasileiras conquistaram as medalhas de ouro nos Jogos Panamericanos. E em 2006 e 2007 a brasileira Marta foi eleita pela FIFA, como a melhor jogadora do mundo.

As perspectivas para a evolução do futebol feminino no Brasil são grandes. O ano passado a CBF organizou o primeiro campeonato brasileiro, na cidade de Taubaté (SP), com o MS/Saad-SP,sagrando-se campeão. O time é fruto de uma parceria do Saad/Lindóia-SP, com o Mato Grosso do Sul para torneios regionais e nacionais. E agora, vamos para as Olimpíadas da China, com tudo para brilhar. Hoje (19), ganhamos a vaga com uma goleada de 5 X 1 sobre Gana.

Para finalizar e só a título de curiosidade, o futebol feminino também teve o seu Ibis da vida: foi o time inglês do Burton Brewers. Jogando (?) o campeonato da 5ª divisão feminina, a pior de todas, na temporada 2000/2001, levou a maior goleada que se tem notícia, 57 X 0 para o Willenhall Town, em 4 de março de 2001. E a façanha não ficou apenas nisso: o campeonato foi disputado por 12 equipes, e nos 11 jogos que participou, perdeu todos. Desistiu no meio do caminho, ainda bem. Não disputou os 11 jogos restantes e encerrou as atividades. Sofreu 234 gols, média de 21,27 gols por jogo. E marcou apenas 3 gols, média de 0,27 por jogo.

Apenas para mostrar a quem duvide, eis todos os 11 jogos do Burton Brewers: 03 de setembro de 2000, Wolverhampton United 18 x 0; 10 de setembro de 2000, Bescot 6 x 0; 24 de setembro de 2000, Shrewsbury Town Youth 17 x 0; 01 de outubro de 2000, Crewe Vagrants 13 x 2; 22 de outubro de 2000, Darlaston 21 x 0; 05 de novembro de 2000, North Staffs 27 x 0; 19 de novembro de 2000, Willenhall Town 23 x 0; 07 de Janeiro de 2001, Crewe Vargants 22 x 0; 14 de janeiro de 2001, City of Stoke 14 x 1, 18 de fevereiro de 2001, Wem Raiders 16 x 0 e em 04 de março de 2001, Willenhall Town 57 x 0. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
A jogadora dos Estados Unidos, Brandi Chastain foi protagonista de um dos mais emocionantes momentos do futebol feminino. (Foto: acervo pessoal de Brandi Chastain)