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terça-feira, 26 de julho de 2011

Filpo Nuñes, "El Saleroso"

Nelson Ernesto Filpo Nuñes nasceu em 19 de agosto de 1920, em Buenos Aires, na Argentina. Naturalizou-se brasileiro, e foi o único técnico estrangeiro em toda a história a dirigir a Seleção Brasileira. Também foi o responsável pela montagem da famosa “Academia”, da S.E. Palmeiras, nas décadas de 1960/1970.

Treinador considerado metódico, ousado, falastrão, quase folclórico, ficou carinhosamente conhecido no Brasil como “El Bandoneón”, o típico instrumento do tango, porque diziam que os times que treinava, jogavam por música.

Formou-se em Educação Física no Equador e depois ingressou na carreira de treinador de futebol profissional no seu país, dirigindo a equipe do C.S. Independiente Rivadavia, de Mendoza. Antes de chegar ao Brasil, "Don" Filpo Nuñes teve passagens por diversos países da América do Sul. Treinou o Santiago Nacional, do Chile, Sport Boys, do Peru, Espãna, do Equador, Municipal, da Bolívia, Libertad, do Paraguai e Sant Martins e Velez Sarsfield, da Argentina.

Filpo chegou ao Brasil ainda jovem para ser treinador. Dirigiu o Cruzeiro, de Belo Horizonte em 1955 e depois passou por várias equipes, entre elas Guarani, Atlético Paranaense, Jabaquara, Portuguesa Santista, América de Rio Preto e Vasco da Gama, antes de assumir o Palmeiras. Pelo alviverde, entre 1964 e 1965, Filpo adotou jogar em velocidade, tocar de primeira e chegar ao gol. Nesse período, o Palmeiras começou a ser batizado de “Academia de Futebol”.

O super time palmeirense começou a ser montado em 1964, quando a equipe era liderada pelo craque Ademir da Guia. Depois vieram Dudu, da Ferroviária de Araraquara (SP), Ademar Pantera, revelado pela Prudentina, de Presidente Prudente (SP) e Rinaldo, ponta esquerda do Náutico de Recife (PE).

Comandado por Filpo Nuñes, o onze palmeirense ganhou o Torneio Rio-São Paulo de 1965, que na época era considerado a competição nacional mais importante, com atuações de alto nível. Goleadas contra os principais rivais: 7 X 2 no Santos, 5 X 0 no Botafogo, em pleno Maracanã, 5 X 0 no São Paulo e mais 4 X 0 no Vasco . O título máximo chegou em outra goleada diante do Botafogo, dessa feita no Pacaembu.

A equipe era tão respeitada a ponto de a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD) requisitá-la para representar a Seleção Brasileira na inauguração do Estádio Magalhães Pinto, o “Mineirão”, no dia 7 de setembro de 1965, em partida amistosa contra o Uruguai. E foi show de bola dos palmeirenses, com goleada por 3 X 0, gols de Tupãzinho, Rinaldo e Germano. Nesse dia, pela primeira e única vez, a seleção brasileira jogou sob a orientação de um técnico estrangeiro:

O time era formado por Valdir de Moraes (Picasso) - Djalma Santos - Djalma Dias - Valdemar Carabina (Procópio) e Ferrari - Dudu -(Zequinha) e Ademir da Guia - Julinho (Germano) – Servílio - Tupãzinho (Ademar Pantera) e Rinaldo (Dario). O Uruguai jogou com Taibo (Fogni); Cincunegui (Brito), Manciera e Caetano; Nuñes (Lorda) e Varela; Franco, Silva (Vingile), Salva, Dorksas e Espárrago (Morales).

Árbitro: Eunápio de Queiroz; Gols de Rinaldo aos 27 e Tupãzinho aos 35 minutos do primeiro tempo; Germano fechou o placar aos 29 minutos da etapa final. Renda de Cr$ 49.163.125,00 por um público de 96.669 pessoas. No ano anterior, o Palmeiras já havia ganho a “Taça do Quarto Centenário do Rio de Janeiro”, batendo a seleção do Paraguai por 5 X 2.

O Palmeiras não foi o único grande clube da capital paulista a ter o argentino como técnico. Filpo Nuñes dirigiu duas vezes o Corinthians. Primeiro, em 1966, quando o alvinegro chegou a liderar o Campeonato Paulista. Depois, em 1976. O treinador comandou o “Timão” em 34 partidas, com 16 vitórias, 7 empates e 11 derrotas.

Filpo chegou a ter outras duas passagens pela Sociedade Esportiva Palmeiras: entre 1968 e 1969; e entre 1978 e 1979. Ao todo, foram 154 jogos no comando do “Verdão”, com 94 vitórias, 27 empates e 33 derrotas.

O técnico argentino fez sucesso por vários países. Em Portugal, por exemplo, dirigiu o Leixões, o Vitória de Setúbal e o Lusitano Évora. No México, trabalhou pelo Monterrey. No Brasil, ele também comandou o XV de Piracicaba (SP), Paulista de Jundiaí (SP), Galícia (BA), Coritiba, Marília (PR), Francana (SP), Sport Club Recife (PE), São José (SP), Fabril, de Lavras (MG), C. A. Atlanta (Buenos Aires (Argentina), Santo André (SP), Saad (SP) e Foz , de Foz do Iguaçu (PR).

Filpo Nuñes costumava ser convocado para tentar salvar equipes em crise, candidatas ao descenso, casos do Jabaquara e Portuguesa, ambas de Santos (SP). Em 1959, durante excursão com a Portuguesa Santista pela África, Angola e Moçambique, conseguiu uma importante conquista: a “Fita Azul” do futebol brasileiro. O título era dado ao clube do país que tivesse maior sucesso em uma excursão no exterior. De 15 partidas disputadas a “Briosa”, do então técnico Filpo Nuñes venceu todas, marcou 75 gols e sofreu dez.

Entre os clubes que dirigiu, excluindo o Palmeiras, estão o Cruzeiro (MG), Mogi-Morim (SP), Sport Recife (PE), Vasco da Gama (RJ), Guarani, de Campinas (SP), Sport Club Corinthians (SP), Jabaquara e Portuguesa Santista, de Santos (SP), Amparo (SP), Coritiba (PR) e São José (SP) e Galicia (BA).

Principais títulos e prêmios que conquistou. Campeão do Torneio Início de 1956 pelo Guarani; eleito o melhor técnico do “Torneio Preparação” de 1957, pelo Jabaquara; Campeão do Torneio Início de pelo América, de Rio Preto em 1958; “Fita Azul” do Futebol Brasileiro, pela Portuguesa Santista em 1959; Eleito melhor técnico do ano pela Agência de Notícias “Sport Press”, quando dirigia a Portuguesa Santista em 1960; Vencedor do “Troféu Conhecimento”, prêmio da Rádio Universal, de Santos”, em 1960; Vice-campeão paulista pelo Palmeiras em 1964; Campeão invicto do torneio internacional “IV Centenário da Guanabara”, pelo Palmeiras; Campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1965, pelo Palmeiras; Vice-campeão baiano pelo Galícia, em 1967; Vice-campeão do Torneio Mar del Plata de 1968, pelo Palmeiras e Vice-campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1969, pelo Palmeiras.

Filpo Nuñes dirigiu grandes jogadores. A lista é extensa. Entre eles: Julinho Botelho, Bellini, Djalma Santos, Dudu, Garrincha, Alfredo Mostarda, Zequinha, Servílio, Orlando, Brito, Ademir da Guia, Rivellino, Valdir Joaquim de Moraes, Vavá, Ademar Pantera, Wladimir, Cabeção, Barbosa, Piazza, Eurico, Leivinha, Dirceu Lopes, Tupãzinho, Jair Marinho, Zé Maria, Leão, Tostão, Luís Pereira, César, Djalma Dias, Procópio e Dino Sani.

Um dos grandes feitos do treinador Filpo Nuñes aconteceu no dia 31 de julho de 1957. Ele dirigia o Jabaquara, que venceu o poderoso Santos, bicampeão paulista, de virada em plena Vila Belmiro. O jogo entrou para a história do clube. A imprensa estampou manchetes do tipo “Terremoto na Vila”. Foi nesse dia que passou a ser chamado de “Dom”. Sob sua direção o Jabaquara alcançou um grande número de vitórias consecutivas.

O time do Santos era formado por Pelé, Pepe, Tite, Álvaro, Pagão, Fioti, Urubatão, Zito, Laércio, Hélvio e Ivan. O Jabaquara tinha um time formado na base do improviso, com um zagueiro completamente desconhecido. Aos 22 minutos de partida, o Santos já tinha marcado três gols, dois de Pagão e um de Tite, contra um gol do Jabaquara, anotado por “Melão”.

O “Peixe” não joga bem e até o final do primeiro tempo o “Jabuca” já havia empatado com gols de Bugre e Washington. O jogador Wilson Sório, o “Melão”, foi o grande herói do dia, ao voltar no segundo tempo e marcar mais dois gols e levar o Santos ao desespero. O estrago só não foi maior porque China, do Jabaquara, acabou por marcar um gol contra. Final: Jabaquara 6 X 4 Santos.

Quando o jogo terminou uma grande surpresa: o desconhecido zagueiro jabaquarense, Oswaldo Malcriado, era apenas o tesoureiro do clube, escalado pelo técnico Filpo Nuñes para completar o quadro de 11 jogadores. No time do Jabaquara estavam Fininho, Pavão, Getúlio, Dom Pedro, China, Osvaldo Malcriado, Ari, Hélio, Washington, Wilson Sório (“Melão”) e Bugre.

Os folclóricos nomes que dava para seus esquemas de jogo: “Pim Pam Pum” e “Carrousel”. Ele gostava de dizer aos seus comandados: “Sabe-se que só há três maneiras de se romper uma retranca: por ‘las puntas’, pela penetração de repente de um médio ou zagueiro, vindo detrás; ou pelas graças e obra da ação individual de alguém”.

O time base era formado por Valdir (Picasso) - Djalma Santos - Djalma Dias (Minuca) - Waldemar Carabina (Procópio) e Geraldo Scotto (Ferrari) - Dudu e Ademir da Guia (Zequinha) - Julinho (Gildo) - Servilio (Ademar Pantera) - Tupãzinho (Dario) e Rinaldo. (Germano.

Filpo tinha fama de folclórico. E não era por menos. Após uma partida, ele reuniu o elenco e perguntou a um jogador que atuava do meio para frente e que tinha sido eleito pela imprensa o craque do jogo: “Quantos gols você fez?” O jogador respondeu: “Nenhum”. “Quantos passes deu que resultaram em gols ou que deixaram os companheiros na cara do gol?” “Nenhum”. Filpo concluiu: “Então, você correu muito e não jogou nada.”

Outra ocasião, após o atacante César ter perdido um pênalti, transtornado, invadiu o gramado, colocou a bola na marca da cal, com a intenção de mostrar ao jogador como converter a cobrança. Só que ao correr para bola escorregou, caiu, e o estádio “retumbou” com as gargalhadas do público.

Na véspera de uma partida, já em regime de concentração, dirigiu-se ao arqueiro Leão: “Leão depois do almoço passa em meu quarto.”

Assim fez o goleiro. “Leoncito”, disse o Filpo. “Amanhã voy entrar com Neuri em tu lugar, pois necessitas de um descansio e quero probar el outro goleiro que tengo”, explicou em seu portunhol.

Leão não gostou nem um pouco: “Seu Filpo, não estou cansado e quero jogar. “Pero Emerson Leão, mi Leoncito”, retrucou Filpo. “Sentas do meu lado no banco e se necessito de ti, entras logo.”

“Não seu Filpo, vou jogar. Eu sou o titular e não tenho nada”, concluiu Leão já a ponto de perder a calma e apelar. “A si, si, así me gustas!”, exclamou vibrantemente Filpo Nunes. “Claro que vás jogar tu. Queria saber era como estava tu moral. Bravo Leon”. (Extraído do livro "Bombas de Alegria")

Antônio Medina Rodrigues, conhecido como o único poeta da “pelota” no Brasil, escreveu um poema dedicado a Filpo Nuñes:

Filpo, el saleroso

Eu não quiero nada. Solo peço que me den
emprego. Falem de mi no Palmeiras. Lá eu
fiz o gol mais rápido do mundo. Que fique
isso tamben para eles!!!

O talento de Filpo Nuñes era
proporcional à fala. E como a fala
não tem tamanho, Filpo era uma fera
de imaginação (entre nós) tão rara.

Foi ele que inventou o futebol
do pim-pam-pum e que ao Palmeiras deu
tudo que o torcedor sonhava, um rol
de títulos, medalhas, faixas.

Eu nunca vi como o Filpo ator nenhum.
Mas era argentino, milongueiro, e
Canastrão.
(Coro da crônica e da plebe, uníssonas)
E foi pelos abismos um por um,
após seu ostracismo do Verdão,
que o cisma foi demais, pim-pam-pum.

Filpo Nuñes morreu em São Paulo no dia 6 de março de 1999. Pouco antes de falecer, ele morava nas dependências do projeto “Jerusalém Ação Social”, no bairro do Heliópolis. Já havia perdido toda a fortuna acumulada nos muitos anos de fama. Por isso, morava lá. Antes de morrer, treinava um time de crianças carentes na escolinha de futebol das meninas. Passou os últimos dias da sua vida treinando aproximadamente 97 meninas. (Pesquisa: Nilo Dias)

Filpo Nuñes foi um técnico importante na história do futebol brasileiro.