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terça-feira, 19 de novembro de 2019

O Carrossel de Rinus

Em Guaratinguetá (SP) existe um clube de futebol, no mínimo curioso. Trata-se da Academia Desportiva Manthiqueira, fundada em 4 de agosto de 2005, que tem as cores laranja e preto. 

A cor laranja não foi escolhida por acaso. O clube se inspira na lendária “Laranja Mecânica”, a “Seleção da Holanda” que encantou o mundo na “Copa de 1974”. O escudo do time homenageia Rinus Michels, o revolucionário treinador do “Carrossel Holandês”. Por isso o time é chamado de "Carrosel de Rinus".

O nome Manthiqueira com “th”, é uma homenagem ao Corinthians, clube pelo qual o seu fundador e presidente Geraldo Margelo Oliveira, mais conhecido por “Dado”, é torcedor.

O clube quando da fundação era tido como uma evolução do trabalho realizado pela escolinha de futebol do São Caetano, em Guaratinguetá. Porém, o clube registrou sua filiação a "Federação Paulista de Futebol" (FPF) somente no ano de 2010, dando o primeiro passo para se tornar clube profissional.

A profissionalização do futebol do Manthiqueira aconteceu no mesmo período em que a direção executiva do Guaratinguetá Futebol Ltda., clube empresa da cidade, anunciou a mudança de sede para o município de Americana, tornando-se o Americana Futebol Ltda.

O estatuto social da Manthiqueira foi alterado com uma cláusula que impede a mudança de município. A medida foi utilizada como forma de ganhar a confiança da comunidade guaratinguetaense, que passou a ter descrédito com clubes-empresa e, em particular, com o Guaratinguetá após a sua transferência.

Em 2011, o clube disputou pela primeira vez a “Segunda Divisão”, considerada a última na estrutura do futebol profissional em São Paulo. Desde então, particip das edições da competição.

Em 2017, o clube se preparou para sua sétima vez no “Campeonato Paulista da Segunda Divisão”, e estava sendo treinado por Nilmara Alves, uma das primeiras mulheres a treinar uma equipe masculina de futebol profissional no Brasil, que ficou no clube até junho daquele ano e encerrou o vinculo de mais de oito anos na equipe. O treinador Luís Felipe, natural de Guaratinguetá, assumiu em seu lugar.

Nesse mesmo ano, o Manthiqueira conseguiu o primeiro acesso da sua história, para a “Série A3” do ”Campeonato Paulista”, ao passar pelo União Mogi nas semifinais, empatando o jogo de ida por 0 X 0, em Mogi das Cruzes, e vencendo, de virada, em Guaratinguetá pelo placar de 3 X 1.

Na final, enfrentou a equipe do Esporte Clube São Bernardo e conquistou o inédito título de campeão da “Segunda Divisão Paulista”. No primeiro jogo o placar ficou em 1 X 1 e no jogo de volta o placar foi de  2 X 1.

Muita gente em Guaratinguetá costuma chamar “Dado” de louco. Ele assume a fama com naturalidade e garante que sempre foi meio louco mesmo. Não abre mão de ética e honestidade no futebol, o que parece mesmo ser uma loucura.

Ele dispensa carros de luxo, mora em casa simples e leva uma vida sem ostentação. Praticamente todas as suas economias foram investidas no clube – e na causa – que encampou. Para ele o Manthiqueira é mais que um time de futebol, sim uma filosofia de vida.

Depois de quase fechar as portas do clube, por causa de dívidas que somavam mais de 1 milhão de reais, o Manthiqueira enfim deixou a última divisão paulista após algumas pitadas de “loucura” de seu presidente.

Por ideia de “Dado”, o técnico Luís Felipe fez uma opção inusitada: escalou o zagueiro “Léo Turbo” como atacante no jogo decisivo contra o Osvaldo Cruz, nas quartas de final. O Manthiqueira venceu por 1 X 0, gol dele.

Essas e outras maluquices do presidente têm fundamento. No centro de treinamento do clube, uma enorme cartilha dá logo o recado aos novos jogadores. Nela, estão listados os mandamentos que todos os funcionários devem seguir. “Malandragem proibida”, diz a primeira regra.

O Manthiqueira preza pelo jogo limpo e não admite que seus atletas tentem simular faltas para enganar a arbitragem. Ele explica que a corrupção de nossos políticos reside nos pequenos desvios de comportamento que não condenamos como sociedade.

Além da Holanda, a outra inspiração de ”Dado” são os princípios éticos pregados pelo filósofo Immanuel Kant.

Por isso, seus jogadores recebem orientação para se acusarem ao árbitro em caso de uma infração cometida de forma intencional, como aquela famosa do gol de mão marcado por Jô contra o Vasco, por exemplo, jamais seria tolerado no Manthiqueira – e a respeitar a autoridade do juiz.

“Dado” também afirma que o clube fundado por ele é laico. Em vez da típica oração antes de entrar em campo, os jogadores meditam em silêncio durante dois minutos para respeitar todas as religiões. 

A diversidade é uma das principais bandeiras do Manthiqueira. Tanto que, ao longo de cinco anos, foi o único clube masculino de São Paulo treinado por uma mulher.

Quando contratou Nilmara Alves, “Dado” ouviu de torcedores e empresários da cidade que a ideia de colocar uma mulher para treinar homens seria um fracasso. Mesmo depois de sofrer duras derrotas, “Dado” a manteve no comando e, em 2015, o time alcançou um histórico sexto lugar na “4ª Divisão Paulista”.

Nilmara só deixou o cargo porque foi aprovada em um concurso público em outra cidade e preferiu abrir mão da carreira no futebol. “Dado” a escolheu para comandar seu time porque entendeu que seus princípios casavam com os do clube.

"Dado" diz ter orgulho de ter alcançado a vitória sem nunca precisar de um gol de mão ou jogada irregular. "Assim como na vida, é possível vencer com ética no futebol", filosofa. 

O time do Manthiqueira disputou a “Copa São Paulo de Futebol Júnior”, neste ano de 2019, além de participar pela segunda vez consecutiva do “Campeonato Paulista da Segunda Divisão”, equivalente ao quarto nível do futebol no Estado, competições que voltará a disputar em 20210. (Pesquisa: Nilo Dias)