Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Raio mata um time de futebol na África

Em outubro de 1998, todos os 11 jogadores de um time de futebol amador na África morreram quando um raio atingiu o campo onde jogavam, na província oriental de Kasai. O incrível é que nenhum membro do time adversário sofreu qualquer tipo de ferimento. Esse foi, sem dúvida, um dos episódios mais tristes do futebol.

O time que perdeu todos seus jogadores foi o “Bena Tshadi”, da República Democrática do Congo. Estava jogando contra o "Basang" quando o raio atingiu o campo. O jogo estava empatado em 1 X 1. Os 11 jogadores do Bena Tshadi morreram. Isso levou a rumores de feitiçaria.

Os mortos eram jovens com idades entre 20 e 35 anos. O jornal “L'Avenir”, de Kinshasa noticiou que outras 30 pessoas sofreram queimaduras. 

Imediatamente, acusações de bruxaria surgiram. Sabe-se que muitas equipes da África Central e Ocidental empregam os serviços de feiticeiros para atingir seus adversários. 

A natureza exata do raio dividiu a população dessa região, conhecida pelo uso de “fetiches” no futebol.  No entanto, nunca houve confirmação oficial de tal suspeita.

Na verdade não houve nada de bruxaria. O que aconteceu é que os jogadores do "Bassang" usavam chuteiras com agarradeiras de borracha, enquanto os do “Bena Tshadi” calçavam chuteiras com agarradeiras de metal.

Este não é o único exemplo de um raio atingindo uma partida de futebol. Poucos dias antes do incidente com o “Bena Tshadi”, um jogo da “Premier League da África do Sul” foi paralisado , faltando 12 minutos para acabar, depois que sete jogadores e o árbitro foram atingidos por um raio, no gramado.

O jornal “The Guardian” noticiou que dois jogadores do “Moroko Swallows” foram mantidos no hospital. O técnico Jomo Cosmos, do time adversário, deu a entender que alguns atletas do “Swallows” haviam falsificado uma lesão.  O “Swallows” perdeu por 2 X 0. (Fonte: Sports Nova)



terça-feira, 19 de novembro de 2019

O Carrossel de Rinus

Em Guaratinguetá (SP) existe um clube de futebol, no mínimo curioso. Trata-se da Academia Desportiva Manthiqueira, fundada em 4 de agosto de 2005, que tem as cores laranja e preto. 

A cor laranja não foi escolhida por acaso. O clube se inspira na lendária “Laranja Mecânica”, a “Seleção da Holanda” que encantou o mundo na “Copa de 1974”. O escudo do time homenageia Rinus Michels, o revolucionário treinador do “Carrossel Holandês”. Por isso o time é chamado de "Carrosel de Rinus".

O nome Manthiqueira com “th”, é uma homenagem ao Corinthians, clube pelo qual o seu fundador e presidente Geraldo Margelo Oliveira, mais conhecido por “Dado”, é torcedor.

O clube quando da fundação era tido como uma evolução do trabalho realizado pela escolinha de futebol do São Caetano, em Guaratinguetá. Porém, o clube registrou sua filiação a "Federação Paulista de Futebol" (FPF) somente no ano de 2010, dando o primeiro passo para se tornar clube profissional.

A profissionalização do futebol do Manthiqueira aconteceu no mesmo período em que a direção executiva do Guaratinguetá Futebol Ltda., clube empresa da cidade, anunciou a mudança de sede para o município de Americana, tornando-se o Americana Futebol Ltda.

O estatuto social da Manthiqueira foi alterado com uma cláusula que impede a mudança de município. A medida foi utilizada como forma de ganhar a confiança da comunidade guaratinguetaense, que passou a ter descrédito com clubes-empresa e, em particular, com o Guaratinguetá após a sua transferência.

Em 2011, o clube disputou pela primeira vez a “Segunda Divisão”, considerada a última na estrutura do futebol profissional em São Paulo. Desde então, particip das edições da competição.

Em 2017, o clube se preparou para sua sétima vez no “Campeonato Paulista da Segunda Divisão”, e estava sendo treinado por Nilmara Alves, uma das primeiras mulheres a treinar uma equipe masculina de futebol profissional no Brasil, que ficou no clube até junho daquele ano e encerrou o vinculo de mais de oito anos na equipe. O treinador Luís Felipe, natural de Guaratinguetá, assumiu em seu lugar.

Nesse mesmo ano, o Manthiqueira conseguiu o primeiro acesso da sua história, para a “Série A3” do ”Campeonato Paulista”, ao passar pelo União Mogi nas semifinais, empatando o jogo de ida por 0 X 0, em Mogi das Cruzes, e vencendo, de virada, em Guaratinguetá pelo placar de 3 X 1.

Na final, enfrentou a equipe do Esporte Clube São Bernardo e conquistou o inédito título de campeão da “Segunda Divisão Paulista”. No primeiro jogo o placar ficou em 1 X 1 e no jogo de volta o placar foi de  2 X 1.

Muita gente em Guaratinguetá costuma chamar “Dado” de louco. Ele assume a fama com naturalidade e garante que sempre foi meio louco mesmo. Não abre mão de ética e honestidade no futebol, o que parece mesmo ser uma loucura.

Ele dispensa carros de luxo, mora em casa simples e leva uma vida sem ostentação. Praticamente todas as suas economias foram investidas no clube – e na causa – que encampou. Para ele o Manthiqueira é mais que um time de futebol, sim uma filosofia de vida.

Depois de quase fechar as portas do clube, por causa de dívidas que somavam mais de 1 milhão de reais, o Manthiqueira enfim deixou a última divisão paulista após algumas pitadas de “loucura” de seu presidente.

Por ideia de “Dado”, o técnico Luís Felipe fez uma opção inusitada: escalou o zagueiro “Léo Turbo” como atacante no jogo decisivo contra o Osvaldo Cruz, nas quartas de final. O Manthiqueira venceu por 1 X 0, gol dele.

Essas e outras maluquices do presidente têm fundamento. No centro de treinamento do clube, uma enorme cartilha dá logo o recado aos novos jogadores. Nela, estão listados os mandamentos que todos os funcionários devem seguir. “Malandragem proibida”, diz a primeira regra.

O Manthiqueira preza pelo jogo limpo e não admite que seus atletas tentem simular faltas para enganar a arbitragem. Ele explica que a corrupção de nossos políticos reside nos pequenos desvios de comportamento que não condenamos como sociedade.

Além da Holanda, a outra inspiração de ”Dado” são os princípios éticos pregados pelo filósofo Immanuel Kant.

Por isso, seus jogadores recebem orientação para se acusarem ao árbitro em caso de uma infração cometida de forma intencional, como aquela famosa do gol de mão marcado por Jô contra o Vasco, por exemplo, jamais seria tolerado no Manthiqueira – e a respeitar a autoridade do juiz.

“Dado” também afirma que o clube fundado por ele é laico. Em vez da típica oração antes de entrar em campo, os jogadores meditam em silêncio durante dois minutos para respeitar todas as religiões. 

A diversidade é uma das principais bandeiras do Manthiqueira. Tanto que, ao longo de cinco anos, foi o único clube masculino de São Paulo treinado por uma mulher.

Quando contratou Nilmara Alves, “Dado” ouviu de torcedores e empresários da cidade que a ideia de colocar uma mulher para treinar homens seria um fracasso. Mesmo depois de sofrer duras derrotas, “Dado” a manteve no comando e, em 2015, o time alcançou um histórico sexto lugar na “4ª Divisão Paulista”.

Nilmara só deixou o cargo porque foi aprovada em um concurso público em outra cidade e preferiu abrir mão da carreira no futebol. “Dado” a escolheu para comandar seu time porque entendeu que seus princípios casavam com os do clube.

"Dado" diz ter orgulho de ter alcançado a vitória sem nunca precisar de um gol de mão ou jogada irregular. "Assim como na vida, é possível vencer com ética no futebol", filosofa. 

O time do Manthiqueira disputou a “Copa São Paulo de Futebol Júnior”, neste ano de 2019, além de participar pela segunda vez consecutiva do “Campeonato Paulista da Segunda Divisão”, equivalente ao quarto nível do futebol no Estado, competições que voltará a disputar em 20210. (Pesquisa: Nilo Dias)


terça-feira, 12 de novembro de 2019

A morte do roupeiro do Inter-SM

Monovan Gomes, mais conhecido por “Mano”, 66 anos, era praticamente um desconhecido, até virar notícia naquela noite de 27 de março de 2014. Pode parecer cruel, mas ganhou notoriedade por que morreu logo depois que o atacante Josiel, ex-Flamengo, do Rio de Janeiro, errou um pênalti, em jogo contra o F.C. Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul, válido pelas quartas de final do primeiro turno da “Divisão de Acesso” do “Campeonato Gaúcho”, disputado no “Estádio Presidente Vargas”, na “Cidade Universitária”.

Ele só virou notícia por causa de Josiel, que além de ter jogado no rubro-negro carioca, foi artilheiro do “Brasileirão” de 2007 pelo Paraná Clube.

Josiel já havia feito 1 X 0 para o Internacional, de Santa Maria, quando ele próprio cavou um pênalti após cobrança de falta na área do Santa Cruz aos 18 minutos do segundo tempo, provocando ainda a expulsão do zagueiro Diego Borges, que o teria agarrado, na visão do árbitro Daniel Nobre Bins.

O próprio Josiel partiu para a cobrança. O pênalti acabou parando na trave esquerda do goleiro Juliano. E a classificação à semifinal, que parecia certa, ficou ameaçada. No lance seguinte, Caio empatou a partida para o time de Santa Cruz.

Revelado nas categorias de base do Inter de Santa Maria, Josiel acabara de retornar ao clube já em final da carreira, na esperança de devolvê-lo à “Primeira Divisão” do futebol gaúcho. 

Depois do estrelato, o atacante nascido em "Rodeio Bonito" (RS) vivia um ocaso na carreira, e sua volta ao clube que o havia revelado no final dos anos 90, era uma daquelas potenciais histórias em que ídolo e time se reencontram para se reerguerem.

A notícia vinda do vestiário acabou parando a partida por cerca de 13 minutos. “Mano”, o roupeiro do clube, havia sofrido um mal súbito e teve de ser levado ao "Pronto-Atendimento" do bairro Patronato.

A bola voltou a rolar e o Inter acabou vencendo por 2 X 1, avançando à semifinal do primeiro turno, quando acabou eliminado pelo Ypiranga. No segundo turno, o time não conseguiu a classificação para a fase final.

Na manhã de 28 de março de 2014, o jornal “Diário de Santa Maria” noticiava em manchete: “Roupeiro do Inter de Santa Maria morre após mal súbito em jogo do time na Divisão de Acesso”.

A notícia rapidamente ganhou os portais nacionais. No UOL, a manchete procurava chamar a atenção do leitor, fazendo a conexão do atacante Josiel, em campo naquela partida, com seu ex-clube mais famoso: “Roupeiro sofre infarto e morre após ex-flamenguista errar pênalti”.

Sites de todo o Brasil publicaram a notícia inusitada sobre a morte de um roupeiro após seu time perder uma cobrança de pênalti. Os jornais de Santa Maria ainda noticiaram o enterro do funcionário do clube, mas depois do dia 28 de março nenhum outro site voltou à história, que rendera cliques na noite anterior, mas já era passado.

Por trás da notícia inusitada, que perdeu o interesse no intervalo de 24 horas, está a história de um homem que dedicou grande parte da sua vida a um clube do interior gaúcho — e que por fim saiu de cena exatamente numa partida do clube que tanto amou.

Após o gol de empate do Santa Cruz, ”Mano” chamou no vestiário o conselheiro Rafael Pillar, e disse que estava se sentindo mal. Pillar auxiliou o roupeiro a deitar-se numa maca e informou o delegado da “Federação Gaúcha de Futebol” Hamilton Oliveira, que prontamente interrompeu a partida e chamou a ambulância.

Antes de deitar, o “Mano” ainda teve o cuidado de aumentar o volume do rádio para seguir acompanhando o jogo.

Ele foi levado à ambulância de onde seguiu para o “Pronto Atendimento" do Patronato, bairro próximo ao campo do Inter. Junto na ambulância, o roupeiro carregou consigo o inseparável radinho, por onde pôde ouvir o segundo gol do alvirrubro, marcado pelo zagueiro Diego Rocha. 

E antes de entrar em óbito ele conseguiu ouvir que o Inter tinha conseguido a classificação.

"Mano" não resistiu, sofreu um infarto e faleceu logo após a partida. Os jogadores ficaram sabendo de sua morte só depois. No dia seguinte, todo o grupo compareceu ao velório para dar o último adeus ao funcionário com o qual conviviam todos os dias.

“Nós vimos que o "Mano" saiu de ambulância, mas ninguém esperava que fosse acontecer aquilo, isso abalou todo o grupo”, comentou Josiel. O zagueiro Diego Rocha, autor do gol da classificação, se surpreendeu quando ficou sabendo que “Mano” ainda conseguiu ouvir a vitória do clube que mais amava.

“Jamais esperava que ocorresse isso com ele, era uma pessoa muito boa, mas agora quero que aquele gol fique como uma homenagem”, disse.

Sua morte virou notícia, mas ninguém procurou saber sobre sua vida dedicada a um clube do interior gaúcho.

“Mano” era o nono de 12 filhos. A ligação com o Esporte Clube Internacional, clube de Santa Maria, vinha de casa. Seu pai, Miguel Pereira Gomes, conhecido popularmente como “Tabica”, foi um dos fundadores do clube em 1928 e chegou a ser jogador.

A mãe, dona Valmira, também frequentava os jogos, o que fez até o fim da vida. O Inter de Santa Maria, no fim das contas, era mais um filho do casal. O Inter era um irmão de “Mano”.

Nascido em 1947, “Mano” tentou jogar futebol, mas não obteve sucesso. No entanto, nunca esteve distante do clube que o viu nascer. No início dos anos 1980, foi parte de um capítulo importante da história do Inter-SM ao criar, ao lado de Marcelino Cabral, a torcida “Maré Vermelha”, uma das primeiras torcidas gays do Rio Grande do Sul e reconhecida em todo o interior do Estado.

Marcelino Cabral era carnavalesco e conhecido por ser integrante da “Escola de Samba Vila Brasil”, que tinha uma ala gay na sua composição. O Marcelino e um grupo de gays decidiram ir a um jogo do Riograndense e tiveram o acesso negado.

A partir daí eles acabaram se organizando e foram para o Inter-SM. Dessa forma surgiu a “Maré Vermelha”. O nome veio em consequência do desastre ocorrido em 1978 na costa de Santa Vitória do Palmar, no extremo-sul brasileiro, em que milhares de animais marinhos começaram a aparecer mortos na "Praia de Hermenegildo".

A casa de “Mano” acabou virando uma grande sede da “Maré Vermelha”. A mãe dele e toda família se agregaram a torcida. Na casa eram feitas algumas comidas para vender e angariar recursos para confeccionar camisetas e faixas naquela época.

A torcida que animava o "Estádio Presidente Vargas" acabou extinta em meados dos anos 90 devido a uma briga entre um diretor do clube e Marcelino Cabral, um dos seus fundadores. “Mano”, que nessa época trabalhava em lojas do comércio local, não deixou de acompanhar o clube do coração e seguiu frequentando os jogos.

Ele participou desde o início até o fim da torcida, mas, segundo a família, sempre foi reservado com relação a sua orientação sexual. Sempre foi solteiro, nunca teve companheiro ou companheira.  Era muito discreto, se era homossexual ou não, isso nunca interferiu no trabalho dele.

Após o término da torcida, “Mano” recebeu o convite para se tornar funcionário do clube do coração. O cargo no papel era de roupeiro, mas diante do amor que tinha pela instituição não tardou a exercer uma função de faz-tudo. Era o primeiro a chegar e o último a sair.

O volante Douglas T-Rex, que estava presente no fatídico jogo diante do Santa Cruz recorda: “O Mano vivia o Inter. Todos os dias que a gente chegava para treinar, o treino estava marcado para às 9h da manhã, e uma hora antes já estavam todas as caixinhas prontas com o material de treino de cada jogador. Com as chuteiras limpas e lustradas. “Mano” era um roupeiro muito caprichoso, não parava um minuto quieto no vestiário.

“Mano” conhecia cada canto do “Estádio Presidente Vargas”, ali era o seu lugar, o ambiente em que mais gostava de estar. Ele vivia mais no Inter do que em casa, levantava de manhã cedo e já saía para o Estádio, passando o dia todo lá.

“Mano” não teve filhos, nas horas vagas gostava de ir a festas, entre música e dança, sua principal característica era a animação. O sentimento de pai talvez tivesse sido transportado para a relação com os jogadores.

“Todos eram unânimes em ressaltar a alegria dele no vestiário. Estava sempre de bom-humor, era um cara do bem, tranquilo, bem respeitoso com os atletas e fazia o trabalho dele com discrição na maior parte do tempo, mas também entrava nas brincadeiras junto com todo grupo”, contou o atacante Josiel, protagonista daquela partida.

A preocupação com os outros era um traço marcante na personalidade de “Mano”. A situação financeira sempre difícil dos clubes do interior gaúcho foi algo que jamais desmotivou o ex-roupeiro no seu trabalho diário, nunca interrompido por falta de pagamento.

Se a situação era difícil, ele dava um jeito de colaborar. De vez em quando, se dava algum problema lá no Inter, ele trazia o fardamento dos jogadores para lavar em casa. Algumas vezes foram feitas jantas por seus familiares, para os jogadores também, principalmente para aqueles que não eram de Santa Maria e região.

Fundado em 1928, o Inter-SM surgiu a partir da ideia de criar uma equipe que pudesse fazer frente ao Riograndense Futebol Clube, na época uma potência do futebol gaúcho e vice-campeão estadual em 1921. 

O “Periquito”, como é conhecido o Riograndense, representava a comunidade ferroviária de Santa Maria, um importante polo desse setor no Rio Grande do Sul.

A história começou com três guris que se juntavam para bater uma bola. Eles tiveram a ideia de formalizar essa iniciativa criando um clube de futebol. O tio de um deles “patrocinou” os meninos com os equipamentos e assim nasceu o Esporte Clube Internacional”, explicou o jornalista e escritor Cândido Otto da Luz, autor do livro “Almanaque dos 80 anos — E.C. Internacional”.

Os mentores da criação foram Érico Weber, José Benevenutto Lozza, o Juca Lozza, e Olavo Castagna. Antônio Lozza, tio de Juca, foi quem doou os primeiros uniformes, já em vermelho para combinar com a cor de preferência de seu lenço, já que Lozza era partidário dos maragatos.

Como o "Colorado", de Porto Alegre havia sido campeão gaúcho pela primeira vez em 1927, o nome escolhido foi Internacional, também pelo fato de que em Santa Maria já havia o “Grêmio”, o extinto Grêmio Sportivo Brasil.

Os primeiros enfrentamentos entre Inter-SM X Riograndense apontavam amplo predomínio do clube ferroviário. Foi apenas nos anos 1940, no entanto, que as disputas se equilibraram no duelo “Rio-Nal”.

Nessa década, o Inter-SM conseguiu a primeira vitória em clássicos, em 1940, e obteve algumas conquistas do campeonato citadino. Porém, a impulsão do clube se deve a outro fator.

O Inter-SM esteve a ponto de fechar, mas a construção do ”Estádio Presidente Vargas”, em 1947, sem dúvida nenhuma foi o ponto de virada para o clube se estruturar, afirmou Cândido, se referindo à importância da construção da “Baixada Melancólica” para o crescimento da entidade.

Erguido ao lado do “Cemitério Municipal”, palco de repetidas derrotas em jogos importantes e atravessada, no inverno, por um cortante vento de mau agouro, o “Presidente Vargas”, também chamado de “Baixada”, logo viu o “Melancólica” juntar-se ao nome.

Em 1949, o alvirrubro santa-mariense revelou Waldemar Rodrigues Martins, o Oreco, que posteriormente se tornou ídolo no Internacional, de Porto Alegre e integrou a “Seleção Brasileira” campeã da “Copa do Mundo”, na Suécia, em 1958.

O grande período da história do Internacional, de Santa Maria foi, sem dúvidas, o início dos anos 1980. O clube teve campanha de destaque no “Gauchão” de 1980, fato que garantiu a classificação para a disputa da “Taça de Prata” do ano seguinte (equivalente à “Segunda Divisão” do “Campeonato Brasileiro”).

Ainda naquele ano, o Inter-SM sagrou-se campeão do interior com vitórias sobre Grêmio e Internacional na campanha exitosa. A vitória sobre o Grêmio, aliás, é guardada com carinho na memória do torcedor alvirrubro.

No dia 8 de novembro de 1981, o Inter-SM derrubou o "Tricolor" gaúcho, então campeão brasileiro, por 3 X 1, no “Estádio Presidente Vargas”. No elenco gremista estavam nomes como o goleiro Leão, Hugo De León, Tarciso e Baltazar.

O desempenho no “Campeonato Gaúcho” de 1981 rendeu a classificação para a disputa da “Taça de Ouro” de 1982, “Primeira Divisão” do “Campeonato Brasileiro”. 

O clube chegou a enfrentar o Vasco da Gama em duas oportunidades, goleada vascaína por 7 X 0 no”Maracanã” e resposta colorada em Santa Maria, com vitória por 3 X 0 sobre o cruzmaltino de Roberto Dinamite e Antônio Lopes.

A ascensão do lado vermelho de Santa Maria coincidiu, no entanto, com o enfraquecimento do maior rival. Com a decadência do setor ferroviário, o Riograndense encerrou as atividades profissionais, fechando o departamento de futebol e licenciando-se da FGF.

O enfraquecimento econômico da região central do Rio Grande do Sul também acabou por vitimar o Inter-SM. O clube perdurou por anos na elite do futebol gaúcho até ser rebaixado em 1989.

De lá pra cá, alternou acessos e rebaixamentos. O último acesso do clube foi em 2007. No ano seguinte, na "Primeira Divisão", o alvirrubro fez excelente campanha e terminou na terceira colocação.

Contudo, as dificuldades financeiras impuseram um novo rebaixamento à “Divisão de Acesso” em 2011, onde o clube se encontra até hoje. (Pesquisa: Nilo Dias)


O roupeiro "Mano".

domingo, 3 de novembro de 2019

O histórico Estádio das Alamedas

Primeiro decacampeão do mundo, o América Futebol Clube, fundado em 30 de abril de 1912 é, sem dúvida, um dos mais tradicionais clubes de Minas Gerais e do Brasil.

Em sua rica trajetória centenária, a história do América se confunde com a de Belo Horizonte. Seu primeiro estádio (também o primeiro campo gramado e com arquibancadas cobertas em Minas), se localizava onde hoje se encontra o Mercado Central.

Nos dias de hoje, a casa americana é o Estádio Independência, motivo de orgulho de toda torcida.

Uma das praças esportivas mais tradicionais e históricas de Minas Gerais, foi sem dúvida o “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que pertencia ao América Futebol Clube, e era mais conhecido como “Alameda”, por também ter entrada pela “Alameda Álvaro Celso”.

O local guardou muito da história americana, pois foi lá que o clube ganhou o campeonato estadual pela primeira vez e conquistou o deca-campeonato.

No ano de 1927, a prefeitura comandada por Cristiano Machado havia feito um acordo com o América. A área do antigo campo do clube seria desapropriada para a ampliação do Mercado Central da cidade.

Em troca, a prefeitura construiria o novo estádio. O Atlético Mineiro, equipe esportiva que rivalizava com o América no número de torcedores, também recebeu uma proposta semelhante.

Belo Horizonte, naquele momento, era uma cidade em expansão, ampliando a ocupação de seus espaços para o desenvolvimento da capital. Mesmo que para isso fosse necessário utilizar muito dinheiro público.

No acordo assinado com o América, o governo municipal se comprometeu a fazer, além do campo gramado para a prática de futebol, toda a área para a prática de esportes. Já que no antigo terreno o clube tinha a maior praça de esportes da cidade.

Não se tem informações sobre os valores gastos para a desapropriação do espaço do antigo campo, mas o “Relatório de Prefeitos” (1927-1928) confirma a execução por empreitadas, com o acompanhamento da "Diretoria de Obras" da Prefeitura.

Como consta no documento, assinado pelo prefeito Cristiano Machado em outubro de 1928, “o campo está concluído, bem como três grandes archibancadas em cimento armado e vários outros serviços complementares que dão ao conjunto um aspecto de certa imponência. Estão sendo agora preparados os campos para os jogos de tennis and basketball”.

Inaugurado em 9 de setembro de 1929, em um jogo amistoso contra o Atletico Mineiro, o estádio nesse momento tinha capacidade para 12 mil pessoas e uma área de 19.338 metros quadrados.

Poeira acima dos 20 centímetros. Terra. Milhares de pessoas. A combinação entre obra inacabada e a empolgação dos torcedores fez daquele dia 9 de setembro um marco histórico para o futebol de Belo Horizonte.

O Atlético venceu por 1 X 0, gol de Mário de Castro, aos 27 minutos do primeiro tempo. O América jogou com Zico – Tonico e Badu. Parruda – Humberto e Allison. Teixeira – Rui – Sátiro – Canhoto e Cunha. O Atlético mandou a campo: Perigoso – Ewando e Chiquinho. Cordeiro – Brant e Hugo Jacques. Getúlio - Said – Mário de Castro – Jairo e Jasminor.

O ano era 1929 e a cidade inaugurava o seu maior e mais moderno estádio, o novo complexo esportivo do América Futebol Clube. O estádio da Avenida Araguaia (hoje Francisco Sales), ficava entre as atuais ruas Alameda Ezequiel Dias e a Alameda Álvaro Celso, na época Bahia e Álvares Cabral, no bairro de Santa Efigênia, região central de Belo Horizonte.

O número de torcedores era tão expressivo naquele jogo, que a torcida superou a capacidade limitada do estádio, que era de 10 mil pessoas. As cadeiras de marmorite estavam longe de ser suficientes. A solução foi sentar a poucos centímetros da linha lateral do gramado, esbarrando nos jogadores dentro de campo.

O excesso de alamedas ao redor originou o nome pelo qual o estádio ficou conhecido: “Alameda”. Foi a casa do América por mais de 40 anos, de 1929 a 1972.

O estádio recebeu o nome de Otacílio Negrão de Lima, que foi um antigo jogador e depois presidente do América. Grande figura política da época foi o responsável por trazer os jogos da “Taça Jules Rimet”, enquanto era prefeito de Belo Horizonte, com a construção do “Estádio Independência” em 1950. Comandou a cidade em dois períodos, entre 1935 e 1938 e entre 1947 e 1951.

Se o estádio não estava em condições de receber os jogadores, imprensa e mais de 12 mil torcedores (apesar das arquibancadas terem capacidade para cinco mil pessoas), as condições 20 anos depois também não eram as melhores.

Depois de uma fase ruim no futebol nos anos 1930, quando deixou de disputar campeonatos profissionalmente, o América tentava recuperar o seu prestígio no cenário futebolístico da cidade - o clube é o único a vencer o campeonato mineiro 10 vezes seguidas, entre 1915 e 1925.

Enquanto o complexo esportivo da “Alameda” era utilizado para a prática de outros esportes, como o basquete, o presidente do clube, Alair Couto, deu início ao processo de remodelação do estádio, com o apoio da torcida americana.

Entre a arquibancada e o campo havia cinco mil cadeiras de marmorite, que Alair Couto vendeu para arrecadar dinheiro para a obra. Mas ele também fazia muita campanha: a do cimento, a do tijolo, a da cadeira. O dinheiro foi sendo arrumando aos poucos.

De acordo com a “Revista do América”, editada pelo jornalista Januário Carneiro, o estádio teria a capacidade ampliada para 15 mil torcedores. A reforma de 1948 foi só no campo de futebol. Antes, eram três arquibancadas que foram emendadas.

O motivo para a antiga divisão da arquibancada, como conta o pesquisador sobre a história dos estádios de Belo Horizonte e professor da Unimontes, Georgino Neto, seria a rivalidade entre os principais clubes da cidade.

A do centro era reservada ao América; a da esquerda, destinada aos palestrinos (atual Cruzeiro); e a da direita, dedicada aos torcedores atleticanos. A mesma rivalidade que fez com que o América adiantasse a inauguração do estádio, mesmo sem a estrutura estar totalmente construída.

O estádio do rival atleticano estava em fase bastante adiantada, com a sua inauguração prevista para o início de 1949. A rivalidade futebolística talvez tenha promovido a imperiosa necessidade de sair à frente do clube opositor, ainda que em condições não adequadas.

Ainda em 1948, o prefeito Otacílio Negrão de Lima - torcedor americano, de acordo com a Enciclopédia do clube - financiou os principais clubes de Belo Horizonte com um empréstimo da prefeitura para a valorização da prática esportiva no município.

Com o dinheiro, o América concluiu a reforma do estádio, que foi inaugurado ainda naquele ano, em “um salto de excepcional envergadura”, como escrito na “Revista do América”.

O americano ilustre, que passou a nomear o reformulado estádio, Otacílio Negrão de Lima, esteve presente na reinauguração, dando o pontapé inicial no segundo jogo da tarde, após as homenagens oferecidas pelos clubes da capital a ele.

Recebendo as bênçãos do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes, o estádio foi inaugurado com grande festa. Com renda de 304 mil cruzeiros, recorde para uma partida disputada na capital mineira.

A apoteótica reinauguração naquele 27 de maio, como descreveram os jornais, contou também com a presença do governador de Minas Gerais, Milton Campos, do secretário de Interior e também torcedor do clube, Pedro Aleixo, e do secretário de Finanças, Magalhães Pinto.

Os melhores momentos do América na “Alameda” se deram a partir dessas obras de ampliação, o que lhe rendeu o posto de maior estádio de Minas Gerais e terceiro maior do Brasil no ano de sua reinauguração.

Era presidente na época o desportista Alair Couto. Além do estádio, o América também tratou de reformar sua parte social, inaugurando a maior e mais moderna praça esportiva do Estado no período, com disponibilidade para a prática de modalidades olímpicas, como atletismo, natação, vôlei, tênis e basquete.

Havia uma piscina, com profundidade de mais de sete metros, em razão do trampolim de salto. E também as duas quadras, onde se jogava basquete, além da quadra de tênis.

Uma crítica que se fazia ao América, na época, era misturar a sede social com a presença dos jogadores de futebol profissional. Debaixo de um lado da arquibancada funcionava o alojamento dos jogadores. Do outro lado, o salão do Conselho Deliberativo, a secretaria.

A reinauguração aconteceu no dia 27 de maio de 1948 perante 12.500 torcedores presentes, sendo 10.652 pagantes, com renda de Cr$ 305.750,00.

Na ocasião foi realizado o “Torneio Quadrangular de Belo Horizonte”, reunindo o América, anfitrião, Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, campeão sul-americano daquele ano, São Paulo, campeão paulista e Atlético Mineiro, campeão estadual do ano anterior.

O primeiro jogo no estádio reformulado foi entre as equipes do Atlético e do São Paulo, com vitória atleticana por 3 X 0. Logo em seguida, América e Vasco disputaram a tão aguardada partida, que foi vencida pelo América, por 4 X 2. O América foi campeão invicto.

Com a inauguração do “Estádio Independência”, em 1950, os principais jogos esportivos da capital mineira passaram a ser realizados no novo palco esportivo.

O “Alameda” se transformou no local de comemoração dos títulos da equipe americana, em jogos disputados no “Independência”, como após o título do “Campeonato Mineiro de Futebol” de 1957, contra o Democrata de Sete Lagoas.

Os torcedores desceram a pé até o centro de Belo Horizonte, passaram pela Afonso Pena, pela Rua da Bahia, e, em seguida, foram para a "Alameda", fazendo a festa no estádio americano.

O último grande momento do “Alameda” foi em 1964, quando o América esteve muito perto de ser campeão mineiro, mas perdeu o título para o Siderúrgica, após uma surpreendente derrota por 3 X 1, com gols de Ernâni, Noventa e Aldeir, para a equipe de Sabará. E um gol do artilheiro do campeonato, Jair Bala, para o América.

A nova “Alameda” deu sorte ao Coelho, que voltou a ser campeão estadual no ano de reinauguração do estádio e igualou-se ao Atlético como maior campeão estadual, com 11 títulos.

Além disso, o América também foi campeão do único torneio interestadual da temporada, a “Taça dos Campeões”, torneio quadrangular que reuniu os campões estaduais do sudeste brasileiro.

Naquele ano, o estádio abrigou uma das finais mais folclóricas da história do Campeonato Mineiro, durante a vitória americana por 3 X 1 na grande decisão contra o Atlético.

Com problemas de manutenção e administração, o terreno correspondente ao estádio foi vendido ao “Grupo Pão de Açúcar” em 1973, demolido, tendo em seu lugar sido construído um supermercado.

Isso ocorreu sem o consentimento dos torcedores, em um acordo misterioso articulado com a ditadura militar, que demoliu a “Alameda” sem muita cerimônia em 1972.

Pouco antes, o alçapão já havia sido penhorado e não estava mais em condições de jogo, sendo utilizado apenas para treinamentos das equipes profissional e júnior, alojamento das equipes juvenis e demais comodidades.

Um jornalista americano que publicou uma reportagem questionando a controversa venda do estádio chegou a ser preso pelo regime militar.

Para os americanos, ainda havia algo de místico naquela velha “Alameda” e seu fim representou um duro golpe à identidade do clube e seus torcedores, apenas superado com a aquisição do “Independência”, décadas mais tarde.

Afinal, uma geração de futebolistas, do nível de Telê Santana e Tostão, foram apresentados ao futebol naquele lugar, e ambos já descreveram em crônicas a nostalgia que sentiam pelo estádio.

Um dos palcos mais antigos e lendários do esporte mineiro, a “Alameda” merecia ter sido preservada com mais respeito, questão de patrimônio histórico.

A identificação do clube com o alçapão era tamanha que, segundo uma lenda que persiste por gerações de torcedores americanos, o portão do estádio se recusou a deixar o solo e permaneceu fincado ao chão mesmo após a demolição completa das arquibancadas e demais comodidades, tendo que ser retirado com explosivos e dinamites – algo que impressionou até os engenheiros encarregados da obra.

Era o último suspiro do “Estádio Otacílio Negrão de Lima”, que ainda lutava contra seu fim iminente. Atualmente, já não existe mais nenhum sinal do antigo estádio que tanto encantou os americanos.

Com glórias também no chamado esporte especializado - destaque para o octacampeonato mineiro de basquete - o “Coelho” alcançou suas maiores conquistas no futebol que carrega no nome.

Nacionalmente, o América venceu por duas vezes o “Campeonato Brasileiro da Série B”, em 1997 e 2017, além de ter faturado um “Brasileiro da Série C”, em 2009.

O time americano ainda levantou a taça da “Copa Sul-Minas”, em 2000, na primeira edição do torneio interestadual que reuniu grandes equipes do Brasil.

Dono de uma das camisas mais bonitas do futebol mundial, o América brilha com suas três cores: o branco, o verde e o preto. Destaque para a camisa verde e preta, lançada na década de 1970 e reverenciada por sua beleza única.

Pelos gramados de todo o mundo desfilaram atletas como Jair Bala, Juca Show, Cândido, Zuca, Petrônio, Gunga e Satyro, além das revelações da categoria de base, com destaque para Tostão, Eder Aleixo, Palhinha, Euller, o “Filho do Vento”, Gilberto Silva, Fred, Alessandro, Alex Mineiro, Alessandro, Wagner, também o japonês Yuji Nakazawa, que atuou pelo América entre 1996 e 1997 e depois se tornou herói da seleção de seu país.

Recentemente, o “Coelho” ainda revelou nomes como Danilo, Richarlison, Matheusinho, entre tantos outros.

A equipe americana se destaca também pelo modelo de gestão diferente da maioria de outros clubes, tendo à frente um Conselho de Administração formado por cinco integrantes, além do Conselho Consultivo, que contempla todos os presidentes e ex-presidentes vivos e ajuda a comandar o clube e seu futuro.

Fora de campo o América é também conhecido pelo seu grande patrimônio, avaliado em mais de R$ 550 milhões. (Pesquisa: Nilo Dias)