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quinta-feira, 31 de maio de 2018

O grande goleiro do Liverpool

Bruce Grobbelaar, goleiro que escreveu seu nome na história do Liverpool, tradicional time do futebol inglês, com certeza foi bastante lembrado semana passada, quando Loris Karius falhou duas vezes e tirou toda e qualquer possibilidade de seu time vencer o Real Madrid e ganhar a Copa Europa de Clubes Campeões.

Talvez Grobbelaar não fosse o genro dos sonhos para qualquer inglês mais apegado às tradições, e acostumado ao chá das cinco. Não era um Courtois ou De Gea, grandes destaques de seus times, dentro e fora de campo, jogadores que surgiram jovens e disputaram Copa do Mundo.

Grobbelaar não foi herói e nem vilão. Uns o conheciam como um gênio embaixo das traves, outros apenas como um fanfarrão. Mas o fato é que rótulos não combinam com a excentricidade daquele que foi ídolo dos “Reds”.

O goleiro marcou época no Liverpool, embora sempre gostasse de viver a vida intensamente. Nasceu em Durban, na África do Sul, numa região colonizada por holandeses. 

Resolveu defender a seleção do Zimbábue devido às sanções que a África do Sul sofria tanto da FIFA quanto da Confederação Africana de Futebol (CAF), por conta do “Apartheid”, que não permitia ao país disputar qualquer campeonato.

Outro fato peculiar que cercava Grobbelaar era a sua participação na guerra que culminou na independência do Zimbábue. Enquanto praticava o futebol ele serviu à Rodnésia, e dentro do próprio Exército chegou a praticar outros esportes com relativo sucesso.

Porém, nem o conflito foi capaz de fazer Grobbelaar desistir de estar dentro das quatro linhas. Em sua autobiografia pode-se notar os aprendizados do combate e seu amor pelo futebol. 

E dizia: “Se a guerra te ensina alguma coisa, é uma apreciação de estar vivo e eu nunca vou pedir desculpas por rir da vida e desfrutar do meu futebol”.

Sua trajetória é de dar inveja a qualquer jogador. O goleiro bigodudo saiu do Durban City, da África do Sul e rumou até o Vancouver Whitecaps, do Canadá, clube filiado a extinta “North American Soccer League” (NASL) e que hoje disputa a MLS.

Ficou poucos meses até chegar ao “Crewe Alexandra”, da Inglaterra. Depois foi emprestado ao West Bromwich, onde fez uma temporada muito boa. No seu último jogo pelo pequeno clube inglês pegou tudo o que podia e ainda fez um gol de pênalti.

Presentes ao jogo estavam alguns olheiros do Liverpool, que acabaram por contratá-lo gastando apenas “míseras” £250.000. A vida dele mudou da água para o vinho. Em um ano, Grobbelaar deixou o futebol da África do Sul, passou pelo Canadá, foi parar nas divisões inferiores da Inglaterra, e enfim, mudou para um dos maiores clubes do mundo.

O tempo mostrou que os olheiros estavam contratando naquele dia um dos melhores goleiros que já passaram pelo Liverpool em toda a sua gloriosa história.

Era chamado carinhosamente de "Brucie", pelos torcedores. Quando chegou ao time era para ser reserva do lendário Ray Clamence. Para sorte de Grobbelaar, Clamence deixou o clube em 1981, indo para o Tottenham. 

Com isso o africano assumiu a titularidade. Esteve, inclusive em campo, quando o clube inglês perdeu o Mundial de Clubes de 1981, para o Flamengo.

O começo de Grobbelaar no Liverpool não foi nada fácil. Em seus primeiros jogos teve atuações desastrosas e quase foi dispensado. Já era espalhafatoso naquele tempo, mas imaturo. Acabava se complicando em lances simples.

Quando o técnico Paisley lhe deu um puxão de orelha, e ameaçou devolvê-lo para o Crewe Alexandra, Gobbelaar amadureceu e conquistou o Campeonato Inglês seis vezes, além de três Copas da Inglaterra, três Copas da Liga Inglesa e uma "Liga dos Campeões", o título mais marcante na carreira.

No dia 30 de maio de 1984, Grobbelaar chegou ao ápice. Na final da Copa dos Campeões da Europa, atual "Liga dos Campeões", brilhou contra a Roma. A equipe italiana tinha grandes jogadores da seleção campeã mundial de 1982 – como Conti e Graziani – além do craque brasileiro Paulo Roberto Falcão.

Depois de um empate de 1 X 1 no tempo normal, o goleiro brilhou na disputa por pênaltis. Desconcentrou os batedores fazendo o movimento que ficou conhecido como “pernas de espaguete”.

Na irreverência, fez o Liverpool se impor como gigante da Europa para conquistar o seu quarto título da "Liga dos Campeões" em pleno estádio Olímpico de Roma.

Anos depois, na célebre final de Istambul, o Liverpool encarou outro clube italiano em busca de sua quinta “Taça”. No tempo normal, o poderoso Milan, de Kaká abriu 3 X 0 logo no primeiro tempo. O que aparentava ser uma goleada tornou-se uma das histórias mais bonitas já escritas na Liga dos Campeões.

O Liverpool buscou o empate no segundo tempo e conseguiu levar a decisão para os pênaltis. Grobbelaar não estava presente em corpo nessa decisão, mas há quem jure que o seu espírito tomou conta de Dudek, que  repetiu os mesmos movimentos do antigo goleiro, para desconcentrar os batedores. O resultado também não poderia ser diferente: Liverpool campeão da "Liga dos Campeões" mais uma vez.

A década de 1980 foi gloriosa para “Brucie”, mas nos anos 1990 não foi mais o mesmo. Além do rendimento cair consideravelmente dentro de campo, foi protagonista de um dos maiores escândalos de manipulação de resultados da história do futebol inglês.

Ele foi acusado de se vender no jogo entre Liverpool X Newcastle, em 1993 pela “Premier League”, quando o Liverpool perdeu por 3 X 0. O tablóide “The Sun” testemunhou um encontro do goleiro com apostadores num quarto de hotel. 

E dai em diante, a carreira de Grobbelaar foi só ladeira abaixo, se dividindo entre a tentativa de provar a inocência e o desempenho abaixo da média em times pequenos europeus, sem abrir mão da extravagância.

As acusações não puderam ser provadas e ele foi inocentado. Com isso, decidiu processar o jornal alegando difamação. Ganhou em primeira instância, mas perdeu no final. E o “The Sun” deixou o antigo ídolo dos “Reds”, mais arruinado financeiramente.

Em 2002 o jornal “The Telegraph” divulgou matéria contando os detalhes processuais da empreitada enfrentada por Grobbelaar para tentar limpar o seu nome. Ganhou para isso 85 mil libras do tablóide sensacionalista.

Em entrevista a revista “FourFourTwo”, o goleiro deu uma declaração polêmica sobre os seus problemas com a Justiça. Ainda assim, como todo jogador folclórico, conseguiu contemplar toda a sua história na Inglaterra, desde quando era apenas um menino imigrante sul-africano que se lançou ao mundo para tentar a sorte no futebol .

“Eu cheguei à Inglaterra com £ 10 no meu bolso e, depois da decisão da Justiça, fiquei com £ 1. Mas que vida eu tive com essas £ 9!”. Em 2007, depois de alguns anos perambulando pelos pequenos clubes ingleses encerrou a carreira e retornou para a África do Sul. 

De volta a sua terra natal, tentou se tornar treinador de pequenos clubes locais, porém sem obter resultados expressivos. (Pesquisa: Nilo Dias)