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sábado, 19 de outubro de 2019

Como surgiu o volante no futebol brasileiro

O treinador e ex-futebolista argentino Carlos Martín Volante, mais conhecido apenas como “Carlos Volante”, nasceu em  Lanús, no dia 11 de novembro de 1910 e faleceu em Milão, Itália, em 9 de outubro de 1987 foi um, que atuava como volante.

No Brasil, fez sucesso defendendo o Flamengo, do Rio de Janeiro e comandando o Internacional, de Porto Alegre e Vitória e Bahia, ambos da “BoabTerra”. Também ganhou notoriedade em sua época de jogador, por dar origem à expressão "Volante” no futebol brasileiro.

Como jogava no meio de campo, a expressão "Volante" se tornou popular definindo a sua posição, e a expressão é utilizada para os jogadores que atuam na mesma posição até os dias atuais, em todo o Brasil.

Jogou por diversos clubes da Argentina, Itália e França, mas foi no Flamengo que se destacou mais, sendo tricampeão carioca.

Chegou ao rubro-negro após uma curiosa experiência na “Seleção Brasileira” na “Copa do Mundo FIFA” de 1938: na época, ele jogava na França, que sediava o “Mundial”, e trabalhou como massagista na delegação do Brasil.

Comandou diversas equipes brasileiras, entre as quais o Vitória, onde foi bicampeão baiano e ajudou no fim do jejum de títulos do “rubro-negro” em 1953. No Bahia, comandou o time no jogo extra da final do “Campeonato Brasileiro” de 1959, onde consagrou-se campeão.

Até hoje, “Volante” é o único treinador estrangeiro a ter conquistado o título de campeão brasileiro, pelo Bahia, em 1959. E ainda treinou o “Rolo Compressor”, do Internacional. E “fez seu nome”, ou melhor, sobrenome, no Brasil. Literalmente.

Títulos como jogador. Livorno (Itália): Campeonato Italiano – Serie B (1932–1933);

Flamengo: Campeonato Carioca (1939, 1942 e 1943); Torneio Relâmpago: (1943). Como treinador. Internacional: Campeonato Gaúcho (1947 e 1948). Vitória: Campeonato Baiano (1953 e 1955). Bahia: Campeonato Brasileiro (1959).

Campanhas em destaque, como jogador. Rennes (França): Vice-campeão da Copa da França (1934–1935). Vice-campeão da Copa da França, pelo Olympique Lillois (França), atual Lille (1935–1936).



Era filho do imigrante italiano e ferreiro ferroviário Giuseppe Volante, que adquiriu uma das cotas oferecidas pelo proprietário do enorme terreno que deu origem à cidade de Lanús.

Carlos foi o quarto de sete filhos de Giuseppe. Veio a se consagrar mais internacionalmente do que na própria terra natal, onde o Volante mais notabilizado foi o sétimo filho do italiano: José Pepe Norberto, o primeiro dos três homens que no profissionalismo argentino foram jogadores, técnicos e presidentes de um mesmo clube (claro, o Lanús), antecedendo Carlos Babington (Huracán) e Daniel Passarella (River).

Carlos Volante, por sua vez, foi apenas jogador e técnico no “Granate” e nas duas funções não passou de um ano no time. Ainda assim, construiu renome para ter perfil no livro “97 Íconos de la Historia Granate” (de 2012, quando o clube fez 97 anos), bem como no “ABC Granate” (de 2013).

Carlos Voolante passou por outros clubes da cidade. Nas categorias de base, começou na quinta divisão juvenil do “Argentino”, de Lanús. Na idade da quarta divisão juvenil, passou ao “Lanús Central”, sendo campeão e voltando ao “Argentino”, onde não teve continuidade.

Em 1923, ingressou nos “Grenás” para, em 1924, já integrar o quadro de aspirantes. Foi o capitão do elenco vice-campeão nessa categoria e no mesmo ano, estreou no time adulto. Foi em 19 de outubro, na 24ª rodada do campeonato, no 2-2 com o “Tigre”.

Volante jogou até 1926 no clube, quando foi 6º colocado entre 26 equipes, até então a melhor campanha do time. Mas não passou de 11 jogos, sem gols, sem maiores registros fotográficos.

Em 1927, passou ao “Adrogué”, que pouco depois foi afastado da Liga. O jogador foi cumprir serviço militar, onde foi buscado pelos dirigentes do “San Martín”.

Em 1928, ele ingressou no “Platense”, onde obteve uma sequência maior. Na mesma época, o irmão José Volante, da mesma posição de centromédio, começava no time adulto do “Lanús”, que viria a enfrentar o “Platense” em 24 de março.

Os irmãos teriam combinado que Carlos não jogaria. A mãe Luísa interferiu e ordenou que o mais velho também jogasse e que ambos lutassem pela vitória. E José foi uma das figuras da vitória lanusense por 5 X 2.

Já Carlos foi punido pela diretoria do “Platense”, que acreditou que ele não havia dado tudo de si. O jogador passou pela insólita situação de ouvir as duas torcidas o chamando de traidor

Ele se defendeu dizendo que um pontapé sofrido aos 10 minutos afetou suas condições físicas. A resposta ao novo clube logo seria dada: o “Platense” não passou de um 25º lugar de 36 times em 1928, mas Volante estreou em novembro pela “Seleção”, em amistoso não-oficial com o Boca (1 X 1).

Em fevereiro (6 X 1) e março (2 X 0), mais dois jogos não-oficiais, ambos contra o América, do Rio de Janeiro. Em 16 de junho, a estreia oficial, no 1 X 1 com o Uruguai no “Gran Parque Central”, de Montevidéu.

Volante jogou novo amistoso não-oficial em agosto de 1929, contra o Ferencváros húngaro (2 X 0). Ausente das convocações à C”opa América” daquele ano (realizada em novembro) e da “Copa do Mundo” de 1930, voltou a ser chamado em agosto de 1930, na primeira partida da seleção após a “Copa”.

Três dias depois da final, jogadores não-convocados foram reunidos para amistoso contra a Iugoslávia, a semifinalista que ainda estava de passagem pelo Rio da Prata. E que foi derrotada por 3 X 1 por aquele virtual time B.

Foi o último jogo de Volante pela Argentina. Ele também não durou muito no “Platense”; no fim de 1930, integrou uma celebrada excursão do “Vélez” pelas Américas, onde um elenco tido pela crítica como capaz de envergonhar o país perdeu só uma partida no exterior até meados de 1931.

Quando estava na etapa chilena da viagem, Volante recebeu telegrama de José avisando-o do interesse do futebol italiano.

Se armou uma grande discussão na sua casa. Volante tinha a esperança de levar algum dia seu pai para ver a Itália de que sentia falta fazia muitos anos.

Sua mãe não queria deixar Carlos ir. Então lhe propôs: “veja, mamãe: vou pedir um disparate para que não me contratem. Se me derem 150 mil liras por dois anos e 4 mil por mês, você me deixa ir?’.

Aceitou e ele fez a proposta, que foi aceita. Lhe deram tudo mais duas passagens, uma para seu pai e outra para ele. O grande sonho se cumpriu e durante nove anos esteve na Itália e na França.

Viu grandes equipes como a Juventus, a Internazionale, a Roma, o Torino. E viu jogar os ingleses dentro e fora de sua casa.

Na Itália, jogou por Napoli, Livorno (onde venceu a Serie B de 1933) e Torino. E conheceu e casou-se com uma certa Maria Luisa, da elite da sociedade de Turim.

Mas assustou-se com a determinação de Mussolini em obrigar ítalo-estrangeiros que estivessem no país a defender o exército. Em 1935, quando os fascistas invadiram a Abissínia (atual Etiópia), Volante e esposa escaparam pela Suíça rumo à França, onde ele defendeu o Rennes (foi finalista da Copa da França), Lille e o C.A. Paris.

Hoje sumida, essa equipe ainda existe e era onde jogava Lucien Laurent, autor do primeiro gol das “Copas do Mundo”. Segundo se sabe, Volante veio a se assustar na França com o mesmo clima bélico que sentira na Itália.

O jogador aproximou-se da “Seleção Brasileira” na “Copa de 1938”, onde improvisou-se como massagista, para rumar infiltrado de volta à América.

Ele assim se tornou até hoje o único argentino a compor uma delegação brasileira em “Copas do Mundo” Voltou junto com os tupiniquins e conseguiu no Rio de Janeiro se alojar no Flamengo, onde brilhou.

Em 1939, o rubro-negro encerrou seu maior jejum estadual (12 anos) em uma equipe repleta de argentinos: ele, Agustín Valido, Alfredo González, Raimundo Orsi (outro que fugia da Itália, pelo qual marcou o gol do título da Copa de 1934) e Arturo Naón.

Volante chegou a ser até os anos 50 o estrangeiro que mais vezes defendeu o Flamengo, onde foi campeão também em 1942 e 1943, pendurando as chuteiras e voltando à Argentina.

Seu estilo ímpar como centromédio fez com que o sobrenome viesse a nomear o próprio posto, com diferentes técnicos solicitando aos colegas de posição “que joguem como Volante”, um meia recuado que se movia e criava jogo ao invés de alguém de postura rígida e fixa, como era comum.

A frase foi virando “que joguem de volante” e seu significado se espalhou pela América, inclusive na Argentina, para onde o jogador, uma vez aposentado, voltou.

Em 1945, virou técnico do Lanús, clube em que iniciou no esporte que lhe deu tanto e ao qual devia as maiores e mais inesquecíveis emoções experimentadas na vida.

O desempenho em 1946, quando ficou por mais tempo, foi de um mero 12º lugar. Curiosamente, em janeiro daquele ano ele voltou a compor a delegação brasileira, participando como “sparing” convidado no time de reservas nos rachões internos em meio à “Copa América”.

Como técnico “Granate”, foram ao todo 30 jogos, com 8 vitórias, 7 empates e 15 derrotas. Números nada auspiciosos. Mas o que fez ele deixar o clube foi uma proposta do Internacional e a não-adaptação da esposa na Argentina.

O Internacional vinha atravessando uma década vitoriosa, com seis títulos estaduais seguidos, mas a série se interrompeu exatamente em 1946, ano de título gremista.

O “Rolo Compressor” voltou, com a imprensa também o rotulando continuamente como “os pupilos de Volante”. O time ganhou os títulos de 1947 e 1948, tendo mais três argentinos: José Villalba, o segundo maior artilheiro dos “Grenais”, Francisco Fandiño e Moisés Beresi, ex-gremista campeão em 1946.

Na campanha de 1947, ano em que Volante foi campeão também como técnico do time de aspirantes, o “Jornal do Dia” até ventilou que o treinador também poderia entrar em campo no primeiro “Grenal” do campeonato municipal (então classificatório ao Estadual), se escalando como elemento surpresa.

O futebol do Inter foi descrito como “de ação harmoniosa”, “convincente”, “aplastante” e “eficientíssima”, após um 6 X 0 no Cruzeiro (RS) naquela campanha.

“Vistoso, bem coordenado, que serviu para demonstrar o esplêndido estado de treinamento em que se encontrava a equipe”, após um 3 X  no Grêmio em 1948 – ano em que, contra um time de reservas, o Inter também conseguiu sua maior goleada nos “Grenais”, um 7 X 0 com quatro gols do argentino Villalba.

O mais surpreendente em leituras da época é notar homenagens gremistas ao rival antes da partida, incluindo flores e um cartão de prata.

O argentino jamais foi derrotado nos 12 clássicos que disputou. E sete gols foram até dados como rotineiros: “o Internacional, ainda domingo, deu mostra de seu poderio, abatendo de maneira espetacular e convincente o onze do Rio-Grandense, um dos mais categorizados esquadrões de quantos concorreram ou estão concorrendo ao Campeonato Estadual de 1948”.

O escore que então construiu: 7 X 2, chegou a não constituir novidade para os torcedores do ‘Rolo Compressor’, já que fazer sete tentos em seus adversários, qualquer que seja sua categoria, se tornou ‘tabela’ no onze preparado por Volante”. Foram as palavras do “Jornal do Dia” antes da semifinal com o Floriano. Na final, 5 X  no Grêmio Santanense.

Volante, figura que “que desfrutou de largo prestígio e de grande simpatia no seio da grande família colorada, em face de suas excepcionais qualidades de caráter (palavras de “Jornal do Dia”, de 13 de novembro de 1947)”, rescindiu sem conflitos o seu contrato em 1948, pouco após o bicampeonato, para voltar ao Rio de Janeiro.

Fez talvez ainda mais história na Bahia: assumiu o Vitória em 1953, quando o “Leão” enfim profissionalizou o seu futebol, sendo imediatamente campeão baiano após 44 anos, iniciando assim a rivalidade com o Bahia.

Campeão com os “rubro-negros” também em 1955, Volante foi ainda mais longe no rival, treinando-o na finalíssima da vitoriosa “Taça Brasil” de 1959 sobre o Santos. Primeiro técnico campeão nacional no Brasil, Volante também foi o primeiro técnico de um time brasileiro na “Libertadores”, na edição de 1960.

Seu sobrinho-neto Calvente contou que só o viu uma vez, na Argentina, nos anos 70, pois Volante decidiu naquela década voltar com a esposa à Itália, falecendo e sendo enterrado em Milão em 9 outubro de 1987. (Pesquisa: Nilo Dias)

Volante, no seu tempo de Lanús.