Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

O futebol feminino já fez sucesso na Inglaterra

A I Grande Guerra criou o fenômeno da popularidade do futebol feminino na Inglaterra. Jogos chegavam a ter mais de 50 mil espetadores. No dia 26 de dezembro de 1920, cerca de 53 mil pessoas lotaram as dependências do estádio do Everton, em Liverpool, Inglaterra, para assistirem a um jogo de futebol. E do lado de fora outras 14 mil almas quase brigavam em busca de lugarzinho.

Não seria nada de anormal, se o jogo fosse entre dois times masculinos de futebol. Mas não era. De um lado estava o "Dick, Kerr’s Ladies F.C". e do outro o "St. Helens Ladies", duas equipes femininas.

O sucesso desse jogo acendeu a luz vermelha nos dirigentes da Football Association (FA), temerosos que o futebol feminino quebrasse as receitas do futebol masculino, tão devastado que se encontrava pelo advento da I Grande Guerra, que jogou uma geração de jovens para a batalha das frentes e das trincheiras, tirando-os gramados.

Em 5 de dezembro de 1921, a FA proibiu as mulheres de jogarem futebol em qualquer campo de clube pertencente à clubes filiados a vaidosa Federação Inglesa, sob a discutível desculpa de que “têm surgido diversas queixas sobre os jogos de futebol praticados por mulheres, que nos forçam a expressar a opinião de que este desporto é muito pouco indicado para o sexo feminino e não deve, de forma alguma, ser encorajado”.

E mais: “Surgiram, igualmente, queixas sobre as condições em que estes jogos têm decorrido e da forma como as receitas desses jogos têm sido utilizadas para fins não caritativos. Somos de opinião que uma excessiva percentagem dessas receitas tem sido desviada para despesas inadequadas. Desta forma vimos requerer aos clubes nossos filiados que recusem ceder as suas instalações para estes jogos”.

A verdade é que esta decisão absolutamente sexista só foi revogada em 1971. Na livre Inglaterra, as mulheres passaram a jogar na clandestinidade.

Ninguém imaginava ainda que o futebol feminino iria sofrer tão forte machadada na sua progressão que o deixaria marcado por cinco décadas. Uma vaga absurda de inveja levantava-se em Londres.

A discutível decisão da FA não dobrou o espírito das raparigas de Preston. O treinador Alfred Frankland, conhecido por “Pop Frankland”, desafiou a cartolagem ao dizer: “Continuaremos a jogar, e se os organizadores de jogos de exibição não nos cederem campos, jogaremos em terra lavrada".

Em 1922, a equipe estava na América do Norte. Proibida de jogar no Canadá, seguiu para os Estados Unidos. Lutava contra a discriminação com todas as suas forças. Enfrentou nove times compostos por homens, obtendo três vitórias, três empates e três derrotas. Na Inglaterra, ninguém as esquece até hoje.

Um dos clubes envolvidos no jogo de 1920, que lotou o estádio do Everton, foi o “A Dick, Kerr & Company”, que era de uma empresa de construção de locomotivas e carruagens fundada em Kilmarnock, na Escócia, e com sede na cidade inglesa de Preston.

Em 1914, com o recrutamento militar de uma enorme fatia da população masculina, as mulheres entraram com força como operárias para as fábricas da Grã Bretanha. 

As que trabalhavam na “Dick, Kerr” não demoraram muito a dedicarem-se a disputa de jogos de futebol nas instalações da empresa durante os momentos de descanso e, até, nos dias livres. Seguiram-se desafios contra outros grupos de trabalhadoras.

Um fenômeno de surpreendente popularidade emergia por entre os subúrbios industriais das cidades da velha Inglaterra. Com o epicentro em Preston, bem entendido. No dia de Natal de 1917, o “Dick, Kerr Ladies F.C.” arrastou até ao Deepdale, o maior estádio da região, 10 mil pessoas que assistiram a uma vitória sobre a “Arundel Coultartd Factory”, por 4 X 0.

A renda desse jogo destinou-se ao auxílio de operários feridos na guerra ou em serviço.

As moças de Preston ganharam um prestígio tal que se dedicaram a encontros de exibição por todo o país. A “Dick, Kerr & Co.” pagava a cada uma 10 shillings por jogo, como forma de cobrir as despesas de deslocação, o que as tornou praticamente profissionais.

Na França, Alice Milliat, a grande responsável pela presença das mulheres nos Jogos Olímpicos (estrearam-se em 1900, mas apenas no golfe e no tênis), estava atenta ao que se passava em Preston. Era uma personagem inabalável.

No ano de 1920, reuniu uma equipe de futebol feminino que se deslocou a Inglaterra para o primeiro torneio internacional entre mulheres. Ou melhor, entre duas equipes de mulheres. A já famosa “Dick, Kerr Ladies F.C.” e uma Seleção da França. Quatro jogos, em Preston, Stockport, Manchester e Londres, Stanford Bridge, com três vitórias britânicas e um empate.

De tal forma que as mulheres da “Dick, Kerr & Co.” não tardaram a ganhar prestigio também na França, onde jogaram em Paris, Rouen, Havre e Roubaix. (Pesquisa: Nilo Dias)


Dick Kerr International Ladies A.F.C., em 1921.