Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

domingo, 25 de julho de 2010

“Chimbica”, uma legenda tricolor

Emílio Antônio Pierri Aguiar, o “Ximbica” foi um dos maiores torcedores que o Fluminense F.C., do Rio de janeiro conheceu em sua longa trajetória no futebol brasileiro, iniciada em 1902. “Ximbica” foi o roupeiro do tricolor carioca por 36 anos, e da Seleção Brasileira nas Copas do mundo de 1974, 1978 e 1986. Começou a carreira nas divisões de base. O talento e o profissionalismo fizeram com que em poucos meses fosse promovido para trabalhar no elenco principal.

“Ximbica” era sujeito simples, querido pela torcida e pelos jogadores, trabalhava no Fluminense mais por amor ao clube, do que por dinheiro, pois conviveu quase sempre com salários atrasados. A defesa era a venda dos uniformes que os jogadores utilizavam nas partidas, em benefício de uma caixinha dos serventes. Por outro lado esteve ao lado de várias gerações de campeões, nas décadas de ouro dos anos 60, 70 e 80. Mesmo durante a crise que levou o clube à terceira divisão ele permaneceu lá, firme e forte.

O ano de 1998 foi difícil em todos os sentidos. Indo parar na terceira divisão do futebol brasileiro, nada mais restava ao tricolor que promover uma verdadeira liquidação do elenco que disputou a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro e não conseguiu evitar o rebaixamento. Os atacantes Roni e Magno Alves, o goleiro Ronaldo e os zagueiros Adriano e Adílson foram os primeiros a sair. Depois Gil Baiano, que mostrava arrependimento por ter saído do Vitória, da Bahia.

Uma frase pronunciada pelo roupeiro, que falava pelos cotovelos, ficou famosa: "Vamos embora que a água está acabando". “Ximbica” disse isso a porta do vestiário das Laranjeiras, em meio a um treino inútil, em que os jogadores reclamavam dos salários atrasados e do silêncio da Diretoria.

O que pouca gente sabe é que a origem do canto “João de Deus”, uma das marcas registradas da torcida tricolor se deve a “Ximbica”: No final dos anos 80, um combinado brasileiro foi à Itália em solidariedade a uma tragédia que tinha matado mais de seis mil pessoas no país. Uma das vitimas era a mãe do Presidente da Federação Italiana de Futebol. Rapidamente foi organizado um combinado de bons jogadores para um jogo gratuito.

O presidente do Fluminense, na época era Francisco Horta, que chefiava a delegação brasileira, solicitou uma audiência com o Papa João Paulo II. Toda a delegação, a maioria formada por jogadores do Fluminense participou. Na hora em que o goleiro Félix e o craque Zico entregaram ao Sumo Pontífice a bola do jogo, “Ximbica”, que era o roupeiro do time, tirou da mala uma camisa do Fluminense e colocou para que o Papa a benzesse. Ali surgiu essa crença tricolor com João Paulo II.

O roupeiro “Ximbica” estava em Lisboa, Portugal com a Seleção Brasileira, antes de seguir para a Copa de 1966, na Inglaterra, e saiu para comprar cigarros. Pediu um maço e perguntou quanto custava. "Dê-me 12 escudos (moeda portuguesa da época)”, disse o dono da banca. “Desculpe moço”, respondeu “Ximbica”, “tenho chaveirinhos e flâmulas com as assinaturas dos jogadores, mas os escudos acabaram."

Em 1995 o Fluminense foi campeão carioca e isso garantiu ao clube uma visibilidade tão grande, que as homenagens se espalhavam por todos os cantos. Afinal de contas o Fluminense fazia anos que não sabia o que era conquistar um título estadual. E dentro desse clima de festa não podia faltar a homenagem dos turfistas.

Os turfistas tricolores da cidade de Campos resolveram homenagear o Campeão Estadual de 1995, dando a cada páreo de uma reunião noturna, o nome de um dos personagens vitoriosos do inesquecível time comandado por Renato Gaucho, que também teve um páreo com seu nome.

Foram homenageados, entre outros o saudoso presidente na época, doutor Arnaldo Santiago, o zagueiro Lima, o goleiro Wellerson, o vice de futebol Walquir Pimentel, o próprio Fluminense F.C e o inesquecível roupeiro "Ximbica", que era um apaixonado por corridas de cavalos.

O hipódromo estava todo decorado com as cores do tricolor. Pelos alto-falantes, reprise de gols e o hino do clube executado a todo o momento. Os homenageados faziam apenas apostas simbólicas, nada que tivesse fins lucrativos.

Passados alguns páreos, surge “Ximbica” que se dirige ao vice-presidente Walquir Pimentel: "Doutor, eu tenho uma barbada e pode apostar que é quente. É de cocheira". O dirigente, sempre brincalhão e com dinheiro no bolso, ficou meio na dúvida, mas acabou convencido e levou com ele o restante do grupo a apostar na "barbada do Ximbica”.

Apostas feitas, todos retornaram aos seus lugares. Tudo pronto, cavalos e jóqueis a postos, pista preparada, holofotes direcionados ao páreo mais importante da noite. Surpresa geral, todos os cavalos deram a largada, menos o que foi indicado por “Ximbica”. Os tricolores ficaram se olhando uns para os outros, sem saber o que havia acontecido. Nem mesmo “Ximbica” sabia o que informar sobre a ausência do animal escolhido.

Foi quando chegou às sociais do hipódromo o diretor da prova com a seguinte informação: “O animal que não partiu com os demais, teve um sério problema cardíaco seguido de um infarto fulminante, vindo a falecer no local da largada”. De imediato o dirigente Walquir Pimentel foi em direção a a “Ximbica”e disse "Você nos fez apostar em um cavalo com problemas de coração e que morreu na largada, rapaz".

“Ximbica”, sem saber o que falar, andava de um lado para outro, descia e subia as escadas, até que bastante sério e com jeito autoritário, disse: "Pô doutor, o cavalo é um ser humano como outro qualquer que já sofreu um infarto, e com problemas no coração”.

Ironia do destino, ou não, o roupeiro Ximbica veio a falecer anos mais tarde, em 2002, vítima de problemas cardíacos. Foi um momento de grande tristeza no ano do centenário do clube. No dia 24 de junho, três dias antes da decisão do campeonato carioca, Emilio Aguiar, o “Ximbica”, falecia aos 55 aos de idade, vítima de um infarto fulminante, enquanto dormia em sua casa no bairro de Bonsucesso, no Rio. Ao término do jogo em que o Fluminense ganhou o título estadual, o jogador Roni emocionado falou: “Esse título tem nome, sobrenome e apelido: Emílio Aguiar, o Ximbica".

“Uma parte da história do Fluminense foi embora. A Diretoria devia homenageá-lo com uma estátua”, disse o ex-jogador Renato Gaúcho, que chorou ao lado do caixão. O presidente David Fischel decretou luto oficial por três dias. No velório, no Cemitério do Caju, além do elenco tricolor, marcaram presença ex-jogadores, dirigentes, torcedores e profissionais de clubes rivais, como Roberto Dinamite e Pai Santana, massagista do Vasco.

Durante o velório o ex-jogador jogador Assis, com os olhos marejados disse: “O “Ximbica” era a pessoa mais querida naquele grupo. Não havia uma pessoa que não gostasse dele. Até quando ele xingava um ou outro, todos sabiam que ele fazia por amor ao clube”.

O roupeiro Aloísio dos Santos, que o sucedeu no clube guarda as maiores relíquias obtidas pelo saudoso “Ximbica”. O par de chuteiras de Assis do título carioca de 84 e o par de chuteiras de Renato Gaúcho do título estadual de 95. Ambas ele ganhou após profetizar que os jogadores fariam o gol do título, algo que acabou acontecendo.

Em 2003, durante as comemorações do seu centenário, o Fluminense F.C. prestou uma homenagem a Emilio Antônio Pierri Aguiar, o “Ximbica”, um dos torcedores mais ilustres de sua história. O presidente David Fischel descerrou uma placa na rouparia do vestiário tricolor no estádio das Laranjeiras, perpetuando o folclórico roupeiro na história do clube. (Pesquisa: Nilo Dias)

"Ximbica" era querido por todos os tricolores. (Foto: Acervo do Fluminense F.C.)
No ano do centenário, Fluminense prestou homenagem ao saudoso "Ximbica". (Foto: Acervo do Fluminense F.C.)