Indiscutivelmente
Heleno de Freitas foi um dos melhores jogadores que o futebol brasileiro
conheceu em todos os tempos. Era mineiro de São João Nepomuceno, onde nasceu a
12 de fevereiro de 1920. Morreu em Barbacena, também em Minas Gerias, no dia 8
de novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade.
Heleno
estudou no Colégio São Bento e depois obteve o bacharelado em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, atual
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Era
considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e
diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel
e chapéus.
Sua
vida foi marcada por vícios em drogas como lança-perfume e éter. Isto o fez
tentar se auto-eletrocutar num treino do Botafogo. Boêmio, era frequentador de
diversas boates do Rio de Janeiro.
Heleno
foi casado com Ilma, que conhecia muito bem os problemas do jogador com drogas
e mulheres. E mesmo assim disse que o aceitaria como era. Com ela teve um filho
apenas, Luiz Eduardo.
Não
aguentando mais o temperamento de Heleno de Freitas, ela fugiu para Petrópolis
em 1952.
Depois
casou com o melhor amigo dele, à quem Heleno pedira que cuidasse dela, enquanto
ele jogava no Boca Juniors, da Argentina. Seu amigo acabou se apaixonando por
Ilma. Luiz Eduardo — por ter perdido contato desde a mudança — só teve notícias
sobre o pai com 10 anos de idade, justamente sobre seu falecimento.
Além
de jogador de futebol era advogado, catimbeiro, boa vida, irritadiço e metido a
galã. Tinha uma boa aparência, mas quase intratável, em razão de seu gênio
destemperado. Por causa disso muitas vezes era expulso de campo.
Teve
muitos inimigos. Seus companheiros do “Clube dos Cafajestes” e a torcida do
Fluminense o apelidaram de “Gilda”, por seu temperamento e por este ser o nome
de uma personagem da atriz norte-americana Rita Hayworth em filme de mesmo
nome.
Era
Heleno reclamar de qualquer coisa para o povo começar a gritar “Gilda, Gilda!”,
o que enfurecia o pobre Heleno cada vez mais. Aí, ele perdia a razão. Xingava
quem estivesse pela frente.
Um
domingo, jogando em General Severiano, a social do Botafogo, que supostamente
deveria apoiar o time, começou a chamar Heleno de “Gilda”, que levando o dedo a
boca pediu silêncio aos sócios. A reação foi terrível. A social não parou mais
de chamar o maior ídolo do Botafogo, naquela época, de Gilda.
Era
Heleno pegar na bola e lá vinha o coro de “Gilda, Gilda”.
Calmamente,
ele veio caminhando em direção à social - é preciso dizer que a social dos
clubes naqueles anos 30 e 40, era o único lugar nos estádios frequentados por
senhoras acompanhando seus maridos -, se postou bem em frente, fez como se
fosse agradecer e, repentinamente abaixou o calção.
Foi
terrível. Foi só a partir desse episódio que os jogadores foram obrigados a
usar uma espécie de sunga elástica por baixo do calção.
O
escândalo foi tamanho que o Botafogo se viu na obrigação de vender Heleno para
o Boca Juniors, da Argentina.
O
craque foi o símbolo de um Botafogo guerreiro, que nunca se dava por vencido.
Descoberto por Neném Prancha no time do Botafogo de praia, Heleno chegou ao
onze principal em 1937, com a responsabilidade de substituir o ídolo Carvalho
Leite, goleador do tetracampeonato estadual, de 1932 a 35 e não decepcionou a
torcida, com grande habilidade e excelente cabeceio.
Dono
de uma postura elegante dentro e fora de campo, o jogador de cerca de 1,82
metros de altura foi o maior ídolo alvinegro antes de Garrincha, mesmo sem
nunca ter sido campeão pelo clube.
Heleno
andava ao volante de um Cadillac branco, rabo de peixe, conversível. Advogado formado, anel no dedo médio da mão
direita. Era venerado pelas mulheres e invejado pelos homens. Mas - era
obrigatório ter um “mas” -, quando calçava as chuteiras, se transformava.
Jogava
muito. Diziam que ele tinha sido o maior camisa 9 de todos os tempos - só que
perdia a razão com a maior facilidade. Se irritava tanto com os adversários
quanto com seus companheiros.
Marcou
sua passagem pelo Botafogo com 204 gols em 233 partidas, tornando-se o quarto
maior artilheiro da história do clube. Deixou General Severiano em 1948, quando
foi vendido ao Boca Juniors, da Argentina, na maior transação do futebol
brasileiro até então.
Jogou
ainda no Vasco da Gama, conquistando seu único título por clube, o de campeão
carioca de 1949 com o memorável “Expresso da Vitória”, pelo Atlético Junior de
Barranquilla, da Liga Pirata da Colômbia, pelo Santos e pelo América, onde
encerrou a carreira.
No
clube americano jogou apenas uma vez. Foi no Maracanã, tendo sido expulso aos
35 minutos do primeiro tempo, depois de acertar um carrinho violento em um
zagueiro adversário.
Ainda
tentou voltar aos gramados defendendo o Flamengo, por indicação do técnico
“Kanela”, mas se desentendeu com os jogadores num treino e não foi aceito.
Em
maio de 1953, jogou a sua última partida antes da internação. Com a camisa
vermelha e branca do Rochedo de Minas, da cidade de mesmo nome, enfrentou um
combinado de Guarani. Heleno foi o centroavante. Não ria para ninguém, era
grande e glamuroso. Num lance, matou a bola no peito e fuzilou o canto do
goleiro. No outro, chutou de fora da área, marcando outro golaço.
Fez
18 partidas pela Seleção Brasileira marcando 19 gols, tendo sido artilheiro do
Campeonato Sul-Americano de Futebol de 1945 - atual Copa América - com 6 gols.
Heleno
sonhava em disputar uma Copa do Mundo, mas devido à 2.ª Guerra Mundial, no auge
da sua carreira, o Mundial foi cancelado em duas ocasiões, 1942 e 1946.
Heleno foi um dos personagens favoritos de escritores e jornalistas. Na lista de fãs, se destaca o escritor colombiano Gabriel García Márquez, autor do clássico “Cem Anos de Solidão” e vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1983.
Heleno foi um dos personagens favoritos de escritores e jornalistas. Na lista de fãs, se destaca o escritor colombiano Gabriel García Márquez, autor do clássico “Cem Anos de Solidão” e vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1983.
O
colombiano era jornalista do periódico “El Heraldo” quando Heleno foi
contratado pelo Atlético de Barranquilla, em 1950. Na coletânea “Obra
jornalística - Vol. 1 - Textos caribenhos”, da Editora Record, em 2006, foram
selecionados dois textos do escritor sobre o jogador brasileiro: “O doutor De Freitas”
e “Heleno de ponta a ponta”.
Gabriel
Garcia Marques escreveu que “em nenhum caso uma partida da qual participe
Heleno tem probabilidade de se transformar num logro, porque vaiar, da mesma
maneira como aplaudir, é uma forma coletiva de reconhecer publicamente um
fato”.
E
ainda: “Heleno de Freitas tinha pinta de cigano, cara de Rodolfo Valentino e
humor de cão raivoso. Nas canchas, resplandecia. Uma noite, perdeu todo o seu
dinheiro no cassino. Outra noite perdeu não se sabe onde, toda a vontade de viver.
E na última noite morreu, delirando, num hospício”.
O
escritor uruguaio Eduardo Galeano contou: “Heleno foi visitar um amigo doente.
E então aconteceu o seguinte: todas as mulheres da casa, da avó à lavadeira,
apaixonaram-se por ele.”
O
grande jornalista e dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, assim, descreveu o
ex-jogador: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais
que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de paralisia progressiva e
descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, onde nasceu um dia para
jogar a própria vida num match sem intervalo entre a glória e a desgraça.”
O
jornalista Amando Nogueira foi taxativo: “Por ser um jogador boa pinta,
elegante, de classe alta e boêmio, envolveu-se com várias mulheres e por causa
disso contraiu sífilis, que o deixou louco.”
E
por fim, Roberto Drumond, escritor e ex-colunista do Estado de Minas: “O grande
Heleno de Freitas, o deus das cabeçadas, que deslumbrou plateias do mundo,
envergando, entre outras, as gloriosas jaquetas do Botafogo e do Boca Juniors.
(...). Aquele que aqui na terra foi um Deus, que multiplicou gols como se gols
fossem peixes.”
Em
Minas Gerais, a ficção "Quando fui morto em Cuba", de Roberto
Drummond, criou um romance hipotético entre Heleno e Rita Hayworth, que viveu
“Gilda”, nos cinemas. Durante a carreira o jogador era chamado de
"Gilda", pelos rivais, por ser genioso como a personagem vivida por
Hayworth.
Segundo
o ex-goleiro Danton, Heleno, já internado em um sanatório, assistia acompanhado
de um médico os jogos do Olympic de Barbacena e, dentre seus delírios
megalomaníacos, contava que teve casos amorosos com várias mulheres bonitas,
incluindo um nunca comprovado com Eva Perón no período em que jogou na
Argentina.
Veio
a falecer no ano de 1959, em um hospício de Barbacena, onde foi internado seis
anos antes, em 1953, com apoio da família.
Sua
vida é retratada no livro “Nunca houve um homem como Heleno”, do jornalista e
escritor Marcos Eduardo Neves, e no filme “Heleno”, estrelado por Rodrigo
Santoro, que fez o papel título e Aline Moraes, que fez sua esposa, cujo nome
foi mudado para Sílvia.
Títulos
conquistados. Pela Seleção Brasileira: Copa Roca (1945) e Copa Rio Branco
(1947); Botafogo: Torneio Inicio (1947). Campeonato Carioca de Aspirantes (1944
e 1945). Campeonato Carioca de Amadores (1943 e 1944). Copa Burgos, na Espanha
(1941). Taça Prefeito Dr. Durval Neves da Rocha (1942); Vasco da Gama: Campeão
Carioca (1949). Campeão Carioca de Aspirantes (1949); Santos: Taça Santos
(1952). Torneio FPF (1952). Quadrangular de Belo Horizonte (1951).
Artilharia.
Copa América (1945). Botafogo: Campeonato Carioca (1942).
O
médico José Theobaldo Tollendal foi quem descobriu, em exame na Casa de Saúde
Santa Clara, em Belo Horizonte, a doença que mataria Heleno: paralisia geral
progressiva (PPG).
Um
mês depois, em 19 de dezembro de 1954, Heleno de Feitas deu entrada na Casa de
Saúde São Sebastião, segundo documentos do prontuário 220, uma pasta com cerca
de 120 cartas trocadas entre o médico e Heraldo de Freitas, irmão do ex-craque,
que custeou as despesas.
Para
a médica Lucinéia Carvalhaes, diretora clínica do Hospital Eduardo de Menezes,
em Belo Horizonte, referência nacional em doenças infecciosas, “é possível que
Heleno tenha contraído sífilis nos primeiros anos da vida sexual, pois era
comum então ter as primeiras relações com prostitutas”.
Também
conhecida por neurossífilis ou sífilis terciária, a PPG é uma manifestação
tardia da doença. Não tem cura e o tratamento apenas impede o avanço, sem dar
fim às sequelas. A sífilis é um mal silencioso. Na primeira fase, aparecem
pequenas feridas, que somem em três semanas. Pouco tempo depois, a manifestação
é uma alergia no corpo, que igualmente desaparece.
O
paciente perde peso, apresenta fortes dores musculares e passa a caminhar com a
base alargada, como se estivesse perdendo o equilíbrio. As principais
manifestações psiquiátricas são mania de grandeza, discurso sem nexo e confusão
entre fantasia e realidade – sintomas apresentados por Heleno.
Segundo
a sobrinha do jogador, Helenize de Freitas, Heleno contava muitos casos já
durante o período que morou em São João Nepomuceno, entre 1952 e 1954, antes de
se internar em definitivo.
Ele
contava que era amigo de Víctor Mature, ator de “Sansão e Dalila”. Como ele
convivia com muitos artistas nos tempos de glória do Rio, não se sabia se era
verdade. Só depois, mais tarde, que foi percebido que aquilo já era delírio de
Heleno.
Sempre
ao lado do médico, tomava refrigerante no Bar Colonial e buscava charutos na
Tabacaria Minas Gerais, no Centro. Ele passava, pegava o
fumo, dizia "Eu sou o Heleno" e saía sem pagar”, contam os irmãos Luiz Galvão e
Sebastião Pereira, herdeiros da loja.
Com mania de grandeza, falava coisas sem
nexo. Os tempos de glória ainda o atormentavam. Dizia que a cada gol pelo Boca Juniors era obrigado a dar um abraço em Evita Perón, a primeira-dama argentina.
No fim de 1957, Tollendal escreveu a Heraldo: A saúde e a sanidade pioravam rapidamente. Ele havia perdido muito peso, os dentes estavam enfraquecidos e o cabelo caía. Havia passado a ouvir vozes, agir de forma violenta e infantil, comer papel e rasgar roupas com os dentes.
Pele
enrugada, cabelos ralos e brancos, aos 38 anos, o homem de 1,80m pesava pouco
mais de 40 kg. Na manhã de 8 de novembro de 1959, ao abrir a porta do quarto com
o café da manhã, um enfermeiro encontrou Heleno morto.
A
ida do corpo para São João Nepomuceno foi tão conturbada quando a vida do mito.
Caía verdadeiro dilúvio. Às 15 horas, perto de Juiz de Fora, o caixão teve de
ser trocado de carro, que meia hora depois atolou. Só chegou à cidade às 9h da
manhã seguinte.
“No
velório, um senhor de cerca de 50 anos ficou o tempo todo ao lado do caixão.
Devia ser alguém que conviveu com o astro. Depois ninguém nunca mais o viu”,
lembra Helenize.
O
comércio fechou e uma fila seguiu o caixão da casa da família, na Rua Capitão
Braz, até o cemitério São João Batista, onde Heleno foi enterrado às 15 horas,
ao lado dos pais e de Heraldo.
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