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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O time amador que não quis Garrincha

O fim da carreira de “Garrincha” foi melancólico. Tratava-se da caricatura de quem um dia conheceu a glória vestindo as camisas do Botafogo e da Seleção Brasileira, ajudando a conquistar um bicampeonato, em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile,

 Era o ano de 1973, quando “Garrincha” desembarcou no Vale do São Francisco, para mais uma exibição em troca de dinheiro para garantir o seu sustento. Naqueles tempos, jogador de futebol não ganhava as fortunas pagas hoje em dia.

Que Garrincha vestia a camisa de qualquer time de futebol, Brasil afora, para ganhar alguns trocados, todo o mundo sabe. Mas que um time amador o rejeitou, pelo menos para mim, é novidade.

O fato ocorreu há 47 anos atrás em Juazeiro, na Bahia, num jogo amistoso entre o time local do Veneza, contra o América, de Petrolina (PE), em que o “anjo das pernas tortas” jogaria um tempo em cada equipe.

O jogo serviu para unir as duas cidades do Vale do São Francisco. A imprensa das duas cidades fez ampla cobertura do evento, conclamando os torcedores a irem até o “Estádio Adauto Moraes”, em Juazeiro para ver em ação um dos melhores jogadores de futebol de todo o mundo.

Até aí, tudo bem. Mas o que ninguém esperava, aconteceu, o presidente do  Veneza não quis “Garrincha” no seu tine, sob a alegação de que iria prejudicar o entrosamento entre seus jogadores.

Foi feito um sorteio para ver em qual dos time ele jogaria primeiro, e deu Veneza. Demorou para o jogo ter início. Foi quando chegou a notícia de que o presidente do Veneza não queria “Garrincha” no seu time. “O Veneza é muito bom, não tem vaga nem para Garrincha”, disse Lulu (Aloísio) Viana , presidente do clube baiano, concluindo que para ganhar do América não precisava do craque.

“Garrincha” não se abalou e disse  que não tinha problema e que jogaria os dois tempos no clube pernambucano.

Pilar, ex-volante do América, guarda com carinho em uma das paredes de sua peixaria, uma fotografia do dia em que jogou ao lado de “Garrincha”. Ele conta que a rivalidade entre os times das duas cidades foi fundamental para a recusa da equipe juazeirense.

A intenção do presidente do Veneza era não mexer na estrutura do time, que na época era considerado um dos principais do futebol amador da região.

A profecia do presidente do Veneza, de que seu time ganharia fácil o jogo, não se confirmou. O América venceu por 3 X 1, com o “Alegria do Povo” jogando 45 minutos e não marcando nenhum gol. No segundo
tempo foi substituído pelo garoto Marco Polo.

Marco Polo, que jogava no América, lembra bem daquele dia.  Conta que teve de ceder a camisa 7 para ele. Mas garante que valeu e pena, pois recebeu várias orientações do experiente jogador. Uma delas era para que não fosse para área durante as cobranças de falta, já que os zagueiros do Veneza eram fortes e não dariam chances de finalizações. E as dicas do Mané foram certeiras.

Teve um momento que que “Garrincha” o chamou e disse: “Você é novo, vai jogar do meu lado”. Marco Polo garante que  deu certo. Lembra que ele dava dribles, cobrava falta. Uma ele cobrou pela direita, o zagueiro defendeu, e Marco Polo dominou a bola, chutou e fez o gol.

Outra ele cobrou, bateu no goleiro, na trave, e Marco fez mais um. A idade dele para jogar no amador ainda dava. Ele não jogava como antes, mas ainda era muito bom, afirmou Marco Polo.

Marco Polo sabe que uma oportunidade daquelas não acontece todo dia e lamentou o fim melancólico do craque, que sofreu com a bebida no fim da vida e morreu aos 49 anos, vítima de uma cirrose hepática. E salientou que “o cara jogar com um homem daquele não é todo mundo não. Uma pena que morreu de uma maneira que… Eu sinto muita “, completou.

No dia seguinte ao jogo, a passagem do “Mané” pela região foi o assunto mais comentado nas rádios das duas cidades. “Foi a realização de um sonho", disse o radialista “Sivuca”, que entrevistou “Garrincha” durante sua passagem no “Vale do São Francisco”. (Pesquisa: Nilo Dias)

Garrincha com a camisa do América, de Petrolina (PE).

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