Lembro
como se fosse hoje. Era uma fria manhã, naquele dia 29 de junho de 1958. Lá
fora uma chuva fininha teimava em cair, forçando a que se permanecesse dentro
de casa. Lá na distante Suécia era de tarde. Uma tarde de decisão. O Brasil,
pela segunda vez disputaria uma final de Copa do Mundo. A primeira nos deixou
uma triste lembrança, quando os uruguaios comandados por Obdúlio Varela nos ganharam de 2 X 1 em pleno Maracanã.
Que
saudade daquele dia 29. Até pelo fato de que eu era ainda um garoto, apenas 17
anos, morando na pequena e querida Dom Pedrito (RS) que me viu nascer. Sobre a
mesinha do quarto um rádio de luz, se bem me recordo da marca “Orbiphon”, ou
coisa parecida. Rádio de pilha não existia. Televisão naquela época era coisa
de cinema, ainda muito distante da província. As transmissões radiofônicas não
tinham a qualidade de som de hoje. Embora os verdadeiros milagres que as
emissoras faziam, o som era uma mistura de ruídos que às vezes chegavam mais
alto que as vozes dos locutores.
Na
Rádio Guaíba, de Porto Alegre, a primeira emissora do Rio Grande do Sul a
transmitir uma Copa do Mundo fora do país, o narrador era o saudoso Mendes
Ribeiro. Nas emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, profissionais notáveis
como Oduvaldo Cozzi, Jorge Cury, Antônio Cordeiro, Pedro Luiz, Edson Leite e
Fiori Gigliotti. Foi nas vozes deles que ouvi todos os jogos do selecionado
brasileiro.
A
Seleção de 1958 era bem diferente das recentes de Parreira e Dunga. Existiam
craques de verdade. A torcida sentia desde o primeiro jogo que algo de
grandioso estava por acontecer. Pela primeira vez em sua história, a Copa do
Mundo fez justiça ao melhor, ao mais forte, ao mais entusiasmado e categorizado
time de futebol. A Copa não repetiu 1950, quando a força e a garra uruguaia
derrotaram a técnica brasileira. Nem 1954, quando a máquina húngara foi
desmontada pela organização alemã. Não. A Copa foi para as mãos de quem a
cortejou melhor, de quem a cativou através de jogadores sensacionais, dribles
estonteantes e gols fantásticos.
No
jogo final em 29 de junho de 1958 o Brasil passou por uma experiência inédita
naquela Copa. Pela primeira vez enfrentou um placar adverso, já que a Suécia
fez 1 X 0 logo aos 4 minutos, numa jogada em que Liedholm envolveu toda a nossa
defesa, enganou o goleiro Gilmar com um belo drible de corpo, para depois
colocar a bola no fundo da rede.
Nem
deu tempo para se pensar em nova frustração. Aos 9 minutos, Garrincha deu um
passe certeiro para Vavá que fechou pelo meio e empatou o jogo. Aos 31 minutos
a repetição da jogada. Garrincha recebeu a bola de Didi pela direita, driblou
Borjersson e Axbon e deixou Vavá na cara do gol para fazer 2 X 1. Fim de
primeiro tempo com vantagem brasileira, no placar, na técnica e na raça.
Veio
o segundo tempo. Aos 10 minutos, Pelé marcou seu primeiro gol no jogo e o
terceiro do Brasil. Um golaço. Recebeu a bola de Didi pelo centro de campo,
driblou dois adversários fazendo embaixada e jogando o corpo para a esquerda.
Quando o goleiro Svensson saiu para tentar a defesa, Pelé cutucou a bola para o
fundo da rede. O caminho da goleada estava aberto. Aos 23 minutos Zagalo, em
grande estilo, fez 4 X 1. Os suecos tentaram reagir e marcaram o segundo gol,
aos 35minutos, através de Simonsson, aproveitando o aparente desinteresse
brasileiro de continuar atacando.
Ledo
engano. Aos 45 minutos, para aumentar o calor da festa, dentro e fora de campo,
Pelé fez seu segundo gol e o quinto do Brasil. Nesse momento surgiram nas
arquibancadas do estádio de Solna, Rasunda, em Estocolmo algumas bandeiras
brasileiras, enquanto milhares de bandeiras suecas eram guardadas. Festa
memorável. Jogadores, comissão técnica, dirigentes, todos chorando de emoção e
alegria. Finalmente, a tragédia de 1950 virava coisa do passado.
O
selecionado verde e amarelo jogou e foi campeão com Gilmar – Djalma Santos –
Belini e Nilton Santos – Zito e Orlando – Garrincha – Didi – Vavá – Pelé e
Zagalo. A Suécia formou com Svesson – Bergmark – Axbon e Borjerson – Gustavsson
e Parling – Hamrin – Gren – Simonsson – Liedholm e Skoglund. O juiz foi o
francês Maurice Guingue, auxiliado por A. Duss, da Alemanha e Gardeazabal, da
Espanha e 49.737 pessoas assistiram o jogo.
Para
chegar a tão memorável conquista o Brasil passou por vários estágios e
experiências. Pela primeira vez foi feito um trabalho sério a nível
administrativo, graças à competência de um extraordinário desportista chamado
Paulo Machado de Carvalho, que chefiou a delegação brasileira a Suécia. Os
jogadores passaram por rigorosos exames através o médico Hilton Gosling. Depois
veio a fase de concentração, começando por Poços de Caldas e seguindo por
Araxá.
Vieram
os jogos que serviram de testes para a equipe que o técnico Vicente Feola
pretendia montar como base para a Copa do Mundo. No Maracanã, contra o
Paraguai, que eliminou o Uruguai, uma goleada por 5 X 1. No segundo jogo contra
os paraguaios, no Pacaembu, em São Paulo, empate sem gols. Depois, enfrentamos
a Bulgária e conquistamos duas vitórias: 4 X 0 no Maracanã e 3 X 1 no Pacaembu.
A despedida do Brasil foi contra o Corinthians Paulista, numa goleada de 5 X 0.
Antes
de desembarcar na Suécia o nosso selecionado passou pela Itália, onde derrotou
a Fiorentina e a Internazionale, em duas goleadas de 4 X 0. Terminada a fase
preparatória, a chegada no Tourist Hotel, na pequena cidade de Hindas,
considerada a concentração cientificamente perfeita.
Finalmente
o jogo de estréia, no dia 8 de junho, em Udevala, contra a valente Áustria, que
dançou uma valsa e assistiu o bailado maravilhoso de nossos craques. Foi uma
verdadeira dança de gols, 3 X 0. Mazzola fez dois e Nilton Santos completou a
goleada. Jogamos com Gilmar – De Sordi – Belini e Nilton Santos – Dino e
Orlando – Joel – Didi – Mazzola – Dida e Zagalo.
Em
11 de junho, na cidade de Gotemburgo, o segundo jogo. Não conseguimos furar o
bloqueio inglês e o escore ficou em branco. A escalação foi a mesma do jogo
contra a Áustria. Naquela Copa ainda não era permitido substituições durante o
desenrolar dos jogos, como acontece hoje com a chamada Regra 3.
No
dia 16, ainda em Gotemburgo, o esperado jogo contra a União Soviética, que com
seu futebol chamado de científico, vinha sendo apontada como a grande favorita
para ganhar a Copa. Os computadores que consideravam os russos imbatíveis
esqueceram de programar os dribles desconcertantes de Garrincha, a grande arma
secreta do Brasil, que naquele jogo entrou em ação.
Os
soviéticos ainda se arrumavam em campo, quando levaram o primeiro gol. Eram
dois minutos. Vavá arrancou como um foguete e estufou a rede de nylon da
cidadela defendida pelo legendário goleiro Yashin. Os torcedores presentes ao
Estádio Nya Ullevi começavam a assistir uma verdadeira aula de futebol, não
havendo russo capaz de parar o endiabrado Garrincha. Aos 29 minutos do segundo
tempo Vavá fez 2 X 0, aproveitando o rebote depois de um violento chute
desferido por Pelé e defendido parcialmente por Yashin. O Brasil venceu com
Gilmar – De Sordi – Belini e Nilton Santos – Zito e Orlando – Garrincha – Didi
– Vavá – Pelé e Zagalo.
No
dia 19 de junho, outra vez em Gotemburgo, uma vitória suada contra o País de
Gales, por 1 X 0, gol marcado por Pelé aos 28 minutos do segundo tempo. Dia 24,
em Estocolmo, enfrentamos a temível França, que vinha de uma série de vitórias
espetaculares, tendo como destaque o artilheiro Fontaine. Foi uma goleada
memorável de 5 X 2, com três gols de Pelé, um de Vavá e um de Didi. Fontaine e
Piantoni descontaram para os franceses. O Brasil utilizou a mesma formação que
enfrentou a União Soviética e o País de Gales. Vale lembrar a fantástica equipe
francesa: Abbes – Koelebel – Jonquet e Lerond – Penverne e Marcel – Wiesnieski
– Fontaine – Kopa – Piantoni e Vicent.
Depois
a final contra a Suécia e a volta ao Brasil com o caneco na mão. A Taça Jules
Rimet, finalmente veio para o país do futebol. Os jogadores que formaram aquela
memorável seleção foram recebidos como heróis. Entre eles o gaúcho de Santa
Maria, Waldemar Rodrigues Martins, o Oreco, que fez parte de um famoso trio no
Internacional de Porto Alegre: Oreco, Salvador e Odorico.
Foram
campeões do mundo estes jogadores: Gilmar (Corinthians), Castilho (Fluminense),
De Sordi (São Paulo), Djalma Santos (Portuguesa de Desportos), o capitão Belini
(Vasco da Gama), Mauro (São Paulo), Nilton Santos (Botafogo), Oreco
(Corinthians), Zito (Santos), Dino Sani (São Paulo), Orlando (Vasco da Gama),
Zózimo (Bangu), Garrincha (Botafogo), Didi (Botafogo), Moacir (Flamengo), Vavá
(Vasco da Gama), Mazzola (Palmeiras), Pelé (Santos), Dida (Flamengo), Zagalo
(Flamengo) e Pepe (Santos).
Também
foram campeões o massagista Mário Américo (Portuguesa de Desportos), roupeiro
Francisco Assis (Santos), médico Hilton Gosling, técnico Vicente Feola e o
chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho. A Confederação Brasileira de
Desportos (CBD), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), era presidida
por João Havellange.
Foi
uma grande festa em todo o país. Lembro que a minha pequena Dom Pedrito, pela
primeira vez assistia um desfile tão grande de automóveis buzinando e
percorrendo as principais ruas da cidade, como a avenida Rio Branco (onde eu
morava) e Barão de Upacaraí e naturalmente o contorno da Praça General Osório,
principal ponto de encontro. A tarde inteira foi um espocar só de foguetes. Até
meu saudoso pai, que não era muito chegado a futebol, entrou na festa e no
fundo do quintal lá de casa, disparou alguns tiros de revólver que se
confundiram com o barulho dos foguetes.
Festa
igual aquela, Dom Pedrito não assistiu nem quando o meu querido Botafogo F.C.,
o tricolor do Estádio Floribal Jardim, perto da Estação Velha, derrotava o seu
eterno rival e freguês, E.C. Cruzeiro.
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