Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Um jogo em Dom Pedrito

Como os amigos sabem, o operador deste blog é natural de Dom Pedrito (RS). Encontrei este bonito artigo de autoria do Kledir Ramil, da famosa dupla de cantores gaúchos, Kleiton e Kledir. É gostoso demais, daí a publicação aqui.

Futebol de Campanha

Eu estava lá no Laranjal sem nada pra fazer e apareceu o Toco dizendo que ia ter uma costelada em Dom Pedrito, na estância de um primo dele. Juntamos a turma, lotamos a Rural Willis do Joca e pegamos a estrada.

Já na chegada, nos olharam meio atravessado. É claro, se tu chega sozinho num churrasco sem ser convidado, tudo bem, sempre sobra um naco de carne. Mas levar mais oito amigos é um exagero. Além disso, no Interior ninguém gosta quando vem gente de fora, porque as gurias ficam ouriçadas.

Pra quebrar o clima pesado, Toco sugeriu pro primo que se organizasse um jogo de futebol. Os de casa contra os forasteiros, no caso, nós. Futebol de campanha é um jogo pra macho. Só quem já viu pra entender. Não tem muita regra. Com camisa pra lá, sem camisa pra cá e do pescoço pra baixo, é canela.

Pra quem não é gaúcho, eu preciso explicar que campanha é aquela região do Rio Grande, onde o trabalho duro e cotidiano com a agropecuária vai tornando os homens um pouco mais, digamos assim, embrutecidos. Resumindo, é terra de grosso.

O campinho ao lado da estância era todo esburacado e cheio de bosta de vaca. Ficava numa várzea que tinha sido plantação de arroz e depois virou um clube que, além do "estádio", tinha cancha de bocha e um bolicho pra vender cachaça.

Jogaram uma moeda pra cima e começou o entrevero.
Na falta de uma estrutura de equipe e alguma tática de jogo, combinei com os companheiros que eu seria o ponto de referência. Era só jogar a bola pra mim, que o resto eu resolvia.

Corri pro meio da área adversária e fiquei na banheira, esperando um lançamento. Não sei como, de repente a bola sobrou. Matei a redonda no peito e o zagueiro se veio na minha direção. Era um alemão de dois metros de altura, com cara de quem tomou chá de losna sem açúcar. Uma jamanta.

O índio jogava de bota, bombacha e espora chilena. E eu ali, de pé descalço. Tentei reclamar com o juiz, mas Sua Excelência estava totalmente borracho, com um apito numa mão e uma garrafa de canha na outra. Já estava naquele ponto em que dava um gole no apito e assoprava o gargalo.

Pois bem, matei a bola no peito e o animal se veio. Dei um toquinho de calcanhar e o balão de couro descreveu uma circunferência no ar, por cima daquele caminhão de carne com osso e espora chilena.

Quando o taura tentou frear, escorregou no barro, levantou as patas em direção ao céu, deu um duplo twist carpado invertido e caiu de bunda no lamaçal.

A torcida veio abaixo, às gargalhadas. Desloquei o goleiro com uma firula e joguei a bola no fundo das redes. Ato contínuo, corri pra galera e dediquei aquela obra-prima pra uma loira assanhada que estava sentada na primeira fila da arquibancada.

Nesse meio tempo o alemão já havia se levantado e veio bufando pra cima de mim. O tempo fechou. O pau comeu. O que era pra ser um jogo de futebol virou espetáculo de luta livre. Com camisa versus sem camisa.


Nunca mais pude voltar a Dom Pedrito. Juro que não foi deboche. Como é que eu ia saber que a loira era noiva do zagueiro?