Para
entender como se chegou a esse estado de coisas é preciso percorrer os caminhos
da história e voltar ao passado, até às décadas de 1960 até 1980, época em que
os Estados Unidos incentivavam golpes civis-militares na América do Sul,
impedindo com isso a escalada comunista.
Em
3 de março de 1964 aconteceu o golpe civil militar no Brasil. O mesmo veio a
ocorrer no Chile, em 11 de setembro de 1973, com ascensão do general Pinochet ao
poder. O “governo” incentivou o futebol, pois o povo assustado e inseguro, não
conseguia viver sem pão e circo.
O
problema é que o Chile não havia se classificado nas eliminatórias para a Copa
de 1974. E nem a União Soviética (URSS). Foi ai que entrou em ação a FIFA, que
resolveu fazer uma repescagem entre os dois países, para admitir um 16º participante
na Copa, que até então contava com apenas 15 classificados. E marcou dois jogos,
ida e volta.
Sem
imaginar que ocorreriam mudanças tão drásticas no panorama político do país, a
Federação Chilena de Futebol programou uma série de jogos preparatórios a
caminho de Moscou e reservou as passagens aéreas dos jogadores para a noite de
11 de setembro.
Naquele
mesmo dia, Salvador Allende morreu dentro do palácio presidencial, obrigando o
Chile a largar a mão esquerda soviética e agarrar a mão direita
norte-americana, tudo em um piscar de olhos.
Com
Pinochet no poder, a URSS passou de principal aliada do Chile à pior inimigo.
Pinochet não queria que o jogo se realizasse, mesmo que isso representasse
ficar fora do Mundial.
Mas
o general acabou convencido e autorizou a viagem, porque ir à Copa seria bom
“para o esporte chileno” e, caso o time tivesse uma atuação digna, também seria
bom “para a imagem internacional do novo governo e uma alegria para o povo”.
No
dia 26 de setembro de 1973, 15 dias depois do golpe civil militar, o Chile
conseguiu um empate de 0 X 0 no "Estádio Lenin", em Moscou, diante de 60 mil
pessoas que compareceram para vaiar os “novos capitalistas” da América do Sul.
Não existe nenhum registro audiovisual daquele jogo.
Antes
da partida, as coisas em Moscou não foram nada fáceis para os chilenos, na
maioria esquerdistas. Mas os soviéticos não se importavam com isso. Para eles,
a delegação se identificava com Pinochet, então deveria ser tratada de acordo.
Os
chilenos passaram dias concentrados no Hotel Ucrânia, onde passaram por
situações desagradáveis. A comida não era a que pediam; o ônibus nunca chegava
na hora nem mesmo no dia em que foram reconhecer o campo.
Quando
chegaram, o estádio já estava fechado. Os jogadores tiveram de pular o muro
para treinar, disse o dirigente chileno Alfredo Asfura. Os atletas Alberto
Quintano e Pedro Fornazzari viajaram via México, pois lá atuavam. Mas como
chegaram três horas antes que o restante da delegação, foram obrigados a
esperar sentados no chão do aeroporto, na sala da KGB.
O
ponta-esquerda Leonardo Veliz relatou que em Moscou foi abordado na rua por um
estudante chileno da "Universidade Lumumba", filho de um comunista. E disse a ele
para esquecer de voltar ao Chile, porque o fato de ter morado na URSS seria um
perigo para sua integridade. Veliz acha que salvou uma vida.
Os
jogadores chilenos lembram que a atuação do juiz brasileiro Armando Marques foi
importante, porque ele não se deixou influenciar pelo ambiente hostil ou pelas
vaias.
O
zagueiro Elias Figueroa, que na época jogava pelo Internacional, de Porto
Alegre, declarou: “Como eu já falava um pouco de português, aproveitei para lhe
dizer algumas coisas, criar clima favorável. E embora diga que não, eu sei que ele
deixou passar várias faltas, como a que cometi no atacante Andreassian”.
Marques,
já falecido, não gostava de relembrar a partida, garantindo que só fez seu
trabalho. Hugo Gasc, único jornalista chileno que esteve em Moscou naquele dia,
disse que o juiz foi decisivo, porque era um anticomunista raivoso. Marques
detestava o regime comunista.
Descontente
com os rumos fascistas direitistas da política chilena, fascismo, com cor
esquerdista, que foi praticado também por Lenin na terra dos czares, a URSS
comunicou oficialmente à FIFA que não iria jogar a segunda partida, marcada
para 21 de novembro de 1973, no Estádio Nacional de Santiago. Dias após o
primeiro jogo, a União Soviética rompeu relações diplomáticas com o Chile e a
embaixada foi desconectada.
Os
soviéticos sabiam que o Estádio Nacional, em Santiago, havia se transformado em
um campo de concentração de trabalhos forçados ao estilo do regime nazista.
Alguns
detentos daquele tempo até hoje lembram que durante a noite sempre morria
alguém, fosse fuzilado pelos carabineiros de Pinochet, fosse por suicídio.
Praticamente todos que para lá eram mandados acabavam também torturados.
Guitarristas
supostamente tiveram seus dedos quebrados e foram forçados a tocar seus
instrumentos. Os veículos do exército explodiam a música dos "Beatles" e dos "Rolling Stones" no volume máximo para abafar os gritos dos detidos.
Victor
Jara, o cantor e ativista icônico foi preso, torturado e executado logo após o
golpe. A morte de Pablo Neruda, embora causada por câncer e não pelo regime,
tornou-se ainda mais traumática devido ao fato de que Pinochet se recusou a
permitir um enterro público. O funeral foi um assunto silenciado, mas milhares
de chilenos desafiaram as autoridades e encheram as ruas de luto.
Estima-se
que mais de 40 mil pessoas passaram algum tempo no estádio; entre 11 de
setembro e 7 de novembro, 12 mil pessoas foram internadas lá.
Assim
sendo, as notícias do que acontecia no estádio correram rápido pelo mundo. Ao
mesmo tempo em que surgiam as dúvidas sobre se o local da partida seria mesmo
aquele, os militares confirmavam o evento, enquanto cuidavam do gramado melhor
do que tratavam qualquer detento.
Francisco
Fluxá, presidente da Federação Chilena de Futebol, ainda sem a confirmação da
partida pela FIFA, sugeriu que o jogo fosse realizado em Viña del Mar. O tirano
Pinochet não concordou. Seu plano era fingir estabilidade e normalidade,
sobretudo na capital Santiago.
Aos
poucos, o governo chileno esvaziou o estádio, transferindo os prisioneiros para
outros lugares de reclusão, especialmente no campo inaugurado na abandonada “Salitrera
Chacabuco”, a 100 km de Antofagasta.
Por
fim, 48 horas antes do jogo, a arena do Estádio Nacional, onde o Brasil havia
se consagrado bicampeão mundial em 1962, estava pronta para a maior farsa da
história das Eliminatórias das Copas.
Embora
a FIFA tenha no dia 17 de novembro informado oficialmente que a URSS não
disputaria o jogo, este foi confirmado por determinação de Pinochet, que achava
que a não realização geraria grande prejuízo para o seu prestigio.
Como
o regime era ditatorial, a imprensa teve de ficar calada. E o povo na sua
ignorância e mediocridade não ficou sabendo a verdade. Tudo parecia indicar que
o jogo seria realizado e valeria a classificação para a Copa. Os jogadores chilenos até
concentraram na véspera, 20 de novembro.
O que se viu foi um jogo fantasmagórico, uma peça de ficção. Um verdadeiro Teatro do Absurdo foi
instalado. O povo, no entanto, acreditava no ditador. Pinochet, que insistia na palhaçada.
No horário anunciado pelo regime militar, o Estádio Nacional foi aberto. O povo
não foi em massa, apenas 15 mil ingressos vendidos. Até um árbitro foi escalado.
O
show daquela jornada, batizado mais tarde pela imprensa chilena como “o gol mais
triste do Chile”, começou com o som de bandas militares para entreter os
pagantes.
E
o que se viu a partir daí foi o mais indecoroso espetáculo do futebol. O
árbitro apitou e a equipe chilena avançou contra o gol do “adversário
fantasma”.
O
juiz (chileno) Rafael Ormazábal apitou o início do jogo: Valdes saiu com
Caszely, que tocou para Véliz, que passou para Páez. Este devolveu para Caszely
e, conforme combinado no vestiário, o camisa 9 entregou a bola ao capitão
Francisco “Chamaco” Valdes, que encarou o gol vazio e converteu.
Gol
de Pinochet. Como não havia nenhum soviético em campo para reiniciar a partida,
o árbitro decretou o fim do jogo, com vitória para o Chile por 1 X 0.
Para
agradar ainda mais o povo presente, o Santos F.C., sem Pelé, foi contratado
previamente, por uma cota de 30 mil dólares, entrou em campo e mandou 5 X 0 no
time chileno totalmente despersonalizado e psicologicamente desmoronado.
Na
Copa de 1974, o Chile não ganhou nenhum jogo: perdeu um e empatou dois. No 0 X
0 contra a Austrália, um grupo de chilenos invadiu o campo para protestar
contra Pinochet.
Os
protestos persistem até hoje em todos os dias 11 de setembro, quando o povo
chileno se divide entre os que choram seus desaparecidos e os que ainda
defendem a memória do velho ditador.
Essa
encenação ridícula de 21 de novembro de 1973 entrou para a história como uma
das noites mais tristes da história do futebol, onde o esporte serviu aos
interesses partidários para silenciar a voz das vítimas.
Uma
placa, para registrar o "Teatro do Absurdo" foi colocada no Estádio, depois da
redemocratização do país. Ela diz: “O povo sem memória é um povo sem futuro”.
(Pesquisa: Nilo Dias)