Foi
quando a diretora, dona Isolina, teve uma idéia brilhante, na verdade pouco
comum, realizar um jogo de futebol com a renda direcionada para a escola.
A
ideia inicial da diretora era que o time masculino do Araguari Atlético Clube
fizesse uma partida beneficente em favor da escola. Foi quando o diretor do
clube atleticano, Ney Montes deu uma sugestão original: promover uma partida
apenas entre garotas, o que certamente chamaria mais a atenção.
Divididas
em duas equipes, o Araguari e o Fluminense, as jovens entrariam em campo com a
missão de salvar a escola. No ano em que o Brasil conquistava sua primeira Copa
do Mundo, garotas de classe média da pacata cidade mineira guardaram os sapatos
e os vestidos bem comportados. Partiram para as camisetas, chuteiras e calções.
Da
ideia a ação. A diretora não perdeu tempo e pediu para quem quisesse colaborar,
que não se fizesse de rogada. E 40 voluntárias atenderam o chamamento.
No
dia do jogo o estádio da cidade lotou. Até da vizinha Uberlândia veio gente, torcedores
curiosos para ver as meninas jogando futebol, coisa antes nunca pensada por lá.
O
entusiasmo foi tão grande que a torcida ficou exaltada, o que obrigou a
presença da Cavalaria para acalmar os ânimos.
Até
a famosa revista “O Cruzeiro”, a mais lida no país se interessou pelo assunto.
Tanto é verdade que dedicou uma reportagem de página inteira, para o que
classificou como “As mocinhas de Araguari”.
Não
só conseguiram salvar o caixa escolar, mas também movimentar as rodas de
conversa da região. O estádio lotava durante as partidas. A notícia voou até a
vizinha Uberlândia, que logo convidou o time para um jogo.
Principal
revista do país naquela época, O Cruzeiro foi conhecer as primeiras mulheres do
futebol brasileiro, publicou reportagem e deu projeção nacional às “mocinhas”
de Araguari.
“’Glamour
usa chuteiras’”, estampou a revista. Viraram celebridades. Chegaram a desfilar
em carro de bombeiros em Salvador e Belo Horizonte.
Em
Minas, o time levou mais gente ao estádio do que o Botafogo de Garrincha, no
mesmo dia em que o “anjo das pernas tortas” e um garoto de 17 anos chamado Pelé
assombraram o mundo.
Na
capital mineira até vestiram a camisa do Atlético Mineiro, em um jogo amistoso
realizado em 1959. Foram até convidadas a jogar no México, país que naquela
época já tinha time feminino de futebol.
A
jornalista e pesquisadora Tereza Cristina Montes Cunha, filha do organizador do
time Ney Montes, foi quem resgatou a história do time de Araguari.
Ela
conta que a alegria das partidas perdeu espaço para a tristeza quando as
garotas foram proibidas de jogar. O sucesso fez os incomodados tirarem do baú
um decreto-lei da década de 1940, que proibia mulheres de praticarem
modalidades esportivas “incompatíveis” com o seu físico – o futebol era citado
como uma delas.
O
time feminino não durou dez meses. Ainda recebeu pressão da Igreja Católica,
também contrária ao envolvimento de mulheres com a prática desportiva. O
decreto instituído na ditadura de Getúlio Vargas só caiu na reta final da
ditadura seguinte, em 1979.
Com
o sonho vindo por água abaixo, só restava as meninas continuarem a pratica do
futebol dentro da escola. Mas nem isso foi possível, já que os pais aderiram a
proibição.
De
qualquer maneira vale o registro, pois meio século antes de Marta conquistar o
planeta com seu talento, um time de 25 pioneiras deu um drible na obscura lei
brasileira que proibia as mulheres de praticarem futebol e outras modalidades
de contato físico e marcou um golaço contra o preconceito.
O
tempo passou e longos quase 60 anos nos separam da juventude daquelas jogadoras
pioneiras. Muitas já nem estão mais entre nós. Mas no geral as sobreviventes lembram
com saudade da época em que eram craques
em fazer história. Para matar a saudade, em 2009 fizeram um encontro com
direito a pelada.
No
Brasil, a primeira partida de futebol entre moças uniformizadas de que se tem
notícia ocorreu no ano de 1913, entre os times de Tremembé e Cantareira (atual
bairro de Santana), na Zona Norte paulistana.
Mas
Tereza explica que o diferencial do time de Araguari é que tinha o caráter de
apresentação, com toda a estrutura de uma partida oficial de futebol. Estava
ligado à Federação Mineira de Futebol.
Por
isso, considera-se que o Araguari é o pioneiro no futebol feminino. O clube só
não foi criado formalmente por causa do decreto-lei de Vargas.
“Elas
tinham um grande sonho, de serem jogadoras oficiais. Infelizmente foram
proibidas. A maioria seguiu jogando outros esportes, como o vôlei e o
handebol”, afirma a pesquisadora. (Pesquisa: Nilo Dias)
“As mocinhas de Araguari, entrando em campo num jogo em Uberlândia, com o estádio completamente lotado.