O
Santos Futebol Clube completou 100 anos em 2012. E na metade de todo esse
tempo, 50 anos, apenas uma pessoa esteve presente nos momentos de ouro do
clube, na era Pelé e mais recentemente nos novos tempos vitoriosos de Neymar e
companhia. Trata-se de José Joaquim Neto, o “Zuca”, roupeiro do clube que recém
agora, aos 76 anos de idade se aposentou.
Paraibano
de Taperoá, onde nasceu no dia 3 de abril de 1939, é filho do casal de
agricultores José Joaquim Donato e Judite Maria da Conceição. Tem cinco irmãos
ainda vivos, quatro homens e uma mulher. É casado desde 11 de junho de 1964 com
Dilza Apolônia Joaquim, paulista de Rancharia (SP), com quem tem seis filhos:
Jussara, Jurema, José Marcelo, Alexandre, Alessandra e o caçula Anderson.
Estudou
pouco, pois na época em que era criança tudo era difícil, teve de trabalhar na
roça com a família desde os 10 anos. Plantavam feijão, milho, mandioca e
algodão. É aquela vida. Diversão era só os “bailinhos” de forró e as novenas de
santos na Igreja, quando se ia com as namoradas. Nunca jogou futebol, foi conhecer
o esporte no Sul. A vida não era fácil para quem trabalha na roça, disse.
Em
1958, com 19 anos de idade foi embora para o Rio de Janeiro. Três de seus
irmãos também saíram de lá. No Nordeste é assim, os filhos vão embora e ficam
apenas os casais de velhos, porque não tem mesmo para onde ir. Às vezes
entregam suas terras, porque não tem com quem trabalhar, a mão de obra é
difícil. Então os filhos mandam as coisas para eles, até dinheiro.
O
primeiro a sair foi seu irmão mais velho, que faleceu em 1983, vítima de um
acidente de carro. Ele morava no Morumbi, em São Paulo. A rua tinha uma subida
grande, e ele morava lá em cima, quase em frente o Shopping Morumbi.
Zuca
lembra que nessa época saía gente para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. O
pessoal da agência de ônibus ficava oferecendo passagens. A gente fazia os
cálculos, onde seria o melhor, ficava uma semana decidindo. Não tinha ônibus
todo dia, aquilo ali era uma vez por mês.
Ele
chegou ao Rio de Janeiro com a cara e coragem e só com uma malinha. Levou o
endereço de uns parentes, de uns amigos que foram criados com eles lá na
Paraíba, e ficou hospedado por lá.
Quem
chegava a cidade grande sempre levava cartas de pais para filhos. E se escolhia
um dia para fazer as entregas. E as pessoas convidavam para morar com eles.
Existia muito apoio quando chegava um nordestino no sul. Eles procuravam e todo
mundo vinha ajudar. Havia muita solidariedade das pessoas.
Já
no Rio de Janeiro, Zuca tentou voltar aos estudos, mas ingressou no mundo do
futebol e teve que parar. Os treinos começavam depois das seis, e ele tinha que
estar às sete horas no colégio. Teve que fazer a escolha e preferiu ficar com o
futebol.
No
Rio de Janeiro trabalhou de vendedor ambulante por uns tempos. Vendia relógio,
carnê de sorteios e o que tivesse pela frente. Ganhava apenas comissão, o que
era muito pouco. Aí não deu certo e em 1959 ele foi para Santos.
Certo
dia, ao ler um jornal, se deparou com o anúncio de um estaleiro do Guarujá, que
precisava de funcionários para serviços gerais de concertos em barcos de pesca,
lanchas e rebocadores. Foi e ganhou uma das vagas.
Trabalhou
como ajudante de carpinteiro. A firma era a Construnave, que construía e
concertava barcos. Zuca fez amizade com o gerente, administrador geral, o que
facilitou sua vida. Eles alugaram um navio para pegar sal e argila no Nordeste.
A embarcação estava por chegar, ia descarregar em Santos e depois iria para o
Rio de Janeiro fazer uns reparos.
O
gerente seu amigo o colocou na lista de funcionários que fariam parte da
companhia de navegação, que pertencia a Construnave, que alugava navios da Naveíco.
Zuca foi como ajudante de soldador. Ficaram seis meses no Rio de Janeiro. Mas
deu azar, com a demora no concerto do navio a firma entrou em concordata.
O
dono, que era o presidente do Santos F.C., na época, Modesto Roma, chamou os
funcionários e disse que quem quisesse entrar em acordo, poderia conversar com
ele. Quem não quisesse que ingressasse na Justiça.
Zuca
foi então convidado por Modesto Roma para trabalhar no Santos F.C. Aceitou e
começou no Departamento Amador de Futebol, como roupeiro, em 25 de março de 1963.
Ele
disse que em 1962 estava escutando pelo rádio os jogos da Copa do Mundo no
Chile. Aí falavam que tinha Pelé, Zito, jogadores do Santos e foi começando a se
entrosar com o futebol e aprendendo a amar o Santos.
Nesse
tempo os amadores trabalhavam somente duas vezes por semana, terças e
quintas-feiras. Para preencher o tempo trabalhava na segunda-feira, ajudando o
roupeiro dos profissionais, que era o Ranolfo, um senhor de idade. Ele limpava
chuteiras, colocava material no lugar, enchia bola, aquele negócio todo.
Quando
das viagens o Ranolfo lhe deixava encarregado de atender o pessoal que ficava.
As vezes viajavam uns 18 jogadores e ficavam uns 12 treinando.
Em
1969 o seu Ranolfo se aposentou e Zuca tomou o seu lugar. Ele assumiu com a
força dos jogadores, até do Pelé. Lembra da primeira viagem que fez com o
Santos para fora do país, com a presença do “Rei”.
Hoje
Zuca mora na Praia Grande, onde comprou um apartamento. Aproveita a nova vida
de aposentado frequentando com a família a Colônia de Férias do Santos F.C. No
fins de semana gosta de sair de carro com os familiares, passear em algum
lugar.
Recentemente
ele foi ao Paraná, onde sua esposa se criou, embora seja de Rancharia (SP).
Este ano, mesmo, sua esposa foi com o filho caçula e uma filha, passar o Carnaval
no Paraná.
Zuca
lembra de algumas passagens vivenciadas no Santos. Era viagem em cima de
viagem. Certa vez o clube foi jogar na Argentina. O jogo estava marcado para Buenos
Aires, mas na última hora mudaram para Mar Del Prata. De lá viajaram para Montevidéu,
para enfrentar o Peñarol.
Depois
de novo na Argentina para jogar com o Racing. Era jogo lá e jogo aqui. Muitas
vezes se chegava de viagem pela manhã em Santos e à tarde tinha que viajar
novamente, fazer o Campeonato Brasileiro no Nordeste, em Recife, Salvador, qualquer
lugar.
O
ex-roupeiro gosta de falar do milésimo gol de Pelé. Garante que foi um negócio
impressionante. Lembra que o Santos foi fazer um jogo no Recife, pelo
Campeonato Brasileiro. Depois desse compromisso ficou faltando um gol para o
Pelé fazer o milésimo.
O
presidente do clube nessa época era o Athiê Jorge Curi. Depois do jogo em Recife
estava marcado um amistoso com o Botafogo, da Paraíba, em João Pessoa, na segunda
à noite. Aí, o que fizeram? Contrataram um ônibus de luxo para a viagem de Recife
a João Pessoa. Era jogar e voltar, porque no meio de semana já tinha um jogo no
Rio.
O
vice-presidente do Santos era o coronel do exército Osmar de Moura. E foi ele
que arrumou esse jogo. Se o Pelé jogasse poderia fazer o milésimo gol, o que
originaria um problema. A imprensa local só falava isso “Pelé vai fazer aqui o
milésimo gol”.
O
“Rei” recebeu até homenagens na Câmara de Vereadores de João Pessoa. Depois a
ida até o estádio que ficava longe do centro da cidade. Casa cheia, gente na rua
tentando entrar no estádio e não conseguindo. Superlotação.
Todo
mundo querendo ver o milésimo gol em João Pessoa. Mas o Santos queria que o gol
fosse marcado no Campeonato Brasileiro, não em um amistoso.
Aí
o que fizeram? Engessaram o braço de um goleiro e a perna do outro. E, com a
desculpa de que não tinha ninguém para jogar no gol, Pelé foi escalado. E se saiu
muito bem. O Santos ganhou por 5 X 2.
A
imprensa perguntou como o Santos ia fazer para jogar na quarta-feira com o
Vasco, com os goleiros todos machucados. Disseram que no outro dia seriam
avaliados pela comissão médica e um dos dois teria condições de jogar.
Veio
o jogo no Maracanã e o milésimo gol de Pelé.
E o estádio foi invadido, era repórter de tudo o que era lado querendo
entrevistar o “Rei”. Depois que ele conseguiu chegar no vestiário, o pessoal
ficou filmando de fora e o time todo teve que amanhecer no Maracanã.
A
relação de Zuca com os jogadores foi a melhor possível. Eles sempre o trataram
bem. E garante que não é só com o roupeiro esse tratamento de respeito, é com
todos os funcionários, o médico, o massagista e o preparador físico.
Ele
guarda uma única mágoa do tempo em que trabalhou no clube. Ter sido afastado da
função quando da chegada do treinador Wanderlei Luxemburgo, que trouxe um
roupeiro de sua confiança.
Na
época, Zuca pediu para ir embora. Propôs que o Santos lhe pagasse uma parte de seus
direitos, que desse para ele comprar um apartamento. Mas os dirigentes não
aceitaram.
O
ex-roupeiro conta que é comum os jogadores ganharem chuteiras de presentes
dadas por torcedores. Por isso alguns chegam a ter até três pares. É preciso
sempre perguntar ao atleta qual a chuteira que ele quer para tal jogo.
O
vestiário do Santos leva o nome de Edson Arantes Nascimento. Embora há muito
tempo tenha deixado de jogar, ainda tem lá o seu armário. Não está
completamente vazio tem dentro a santinha dele, Nossa Senhora dos Montes e umas
fitas cassete.
Pelé e Zuca. (Foto: Divulgção)