Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O "Tremendão da Aerolândia"

O “Calouros do Ar Futebol Clube”, que hoje amarga uma terceira divisão do Campeonato Cearense, já viveu seus momentos de glória. Fundado em 1 de janeiro de 1952, é conhecido como o “time da Base Aérea de Fortaleza”, unidade de elite da Força Aérea Brasileira.

Até então o clube era apenas um despretensioso time de futebol, chamado América. Quando foi oficialmente fundado, mudou o nome para homenagear o conjunto musical da Base Aérea de Fortaleza e os aspirantes a oficial aviador que chegavam todo ano à cidade.

Ascendeu à divisão principal da Federação Cearense de Desportos (FCD) em 1953, vindo, por uma dessas anomalias de nosso futebol, da terceira divisão.

O Comando da corporação dava todo o apoio ao clube. A torcida era formada pelo efetivo da Base e pessoas da população. Os jogadores eram quase todos militares. Vez que outra vinha alguém de fora, principalmente do interior do Estado, desde que não custasse muito dinheiro.

O uniforme do “Calouros do Ar” lembra o do Fluminense F.C., do Rio de Janeiro, camisas com listras verticais em vermelho, verde e branco, calção branco e meias brancas ou verdes. A única diferença do time carioca é que esse tem a cor vinho, em lugar do vermelho.

Seu mascote é o “Tremendão da Aerolândia”. Também é conhecido como o “Tricolor da Base Aérea”. O estádio onde mandava seus jogos era o “Brigadeiro-Médico José da Silva Porto”, que se localizava dentro da Base Aérea e possuía secretaria, lavanderia e vestiários e sua capacidade era para 3 mil expectadores.  O estádio ainda existe, mas hoje é de uso exclusivo de militares.

O primeiro jogo do “Calouros do Ar” como clube profissional, foi no dia 10 de maio de 1953, quando empatou com o Gentilândia por 1 X 1, em jogo válido pelo Campeonato Estadual daquele ano. O clube não conseguiu chegar ás finais da competição.

Em 1954, o “Calouros do Ar” surpreendeu a todos, quando derrotou o Botafogo, do Rio de Janeiro, que foi a Fortaleza participar da festa dos 40 anos de fundação do Ceará Sporting. O diretor do clube alvinegro cearense, Ivonisio Mosca de Carvalho, queria que o “glorioso” se apresentasse com todas as suas grandes estrelas da época, o que não foi possível, por problemas no calendário.

De qualquer maneira o Botafogo, que era treinado por Gentil Cardoso, acabou por jogar duas partidas em Fortaleza. A primeira foi no sábado, 12 de junho, no Estádio Presidente Vargas, contra o “Calouros do Ar”, que venceu por 1 X 0. O time carioca só trouxe de titular o atacante Garrincha. Didi e Nilton Santos não viajaram.

O “Calouros do Ar” tinha um time bem certinho, com muito conjunto, onde pontificavam o goleiro Chico Martins, Zanata e Orlando Ciarlini. O empate em 0 X 0 persistia, até que no segundo tempo o time local fez uma substituição que foi decisiva: saiu o avante Beto e entrou Orlando Ciarlini, que aos 40 minutos marcou o gol que deu a vitória ao time da Base Aérea.

O goleiro Chico Martins fez uma partida memorável, entrando para a história do futebol cearense. A lenda assegura que o goleiro pegou até pênalti, batido por Garrincha, o que não é verdade. O atacante teve, isso sim, um gol anulado porque foi feito com a mão.

Ao término do jogo o goleiro Chico, entre outros presentes, ganhou uma garrafa de uísque e o direito de conversar algum tempo com Garrincha. Seu nome verdadeiro é Francisco Martins de Lima. Jogou pouco tempo no “Calouros do Ar”, pois preferiu seguir a profissão de armador.

Sua paixão pelo mar superou a paixão pelo futebol, o que o impediu de aceitar uma proposta para atuar no Botafogo, do Rio de Janeiro e de defender a Seleção Cearense, que disputava o Campeonato Nacional da época. Suas constantes viagens de navio o impediam de dedicar mais tempo ao futebol.

Hoje, aposentado, ele dedica a maior parte do seu tempo ao “Iate Clube de Fortaleza”, localizado na Praia do Mucuripe, que já dirigiu por muitos anos até virar sócio benemérito. Inclusive a sede social, que foi toda reformada em uma de suas gestões, leva o nome de “Comodoro Francisco Martins de Lima”. “Comodoro” é um título dado ao mais velho capitão ativo, em uma companhia de navegação.

Esse triunfo sobre o Botafogo é considerado o maior feito da história do clube, somente comparado ao título estadual de 1955. Orlando Ciarlini saiu de campo como um verdadeiro herói, e seu gol é lembrado até hoje pelos torcedores mais antigos.

O “Calouros do Ar” venceu com: Chico Martins - Pedrinho e Azevedo – Jandir - Helder (Zanata) e Índio – Luciano – Zezinho - Beto (Orlando Ciarlini) - Nelsinho e Zuzinha. Botafogo: Pianoswisky - Gerson e Floriano - Arati, Bob e Juvenal – Garrincha – Dino – Carlyle - Paulinho e Vinícius. Juiz: José Tosta, da Federação Cearense de Desportos (FCD).

No dia seguinte, domingo, com a festa dos 40 anos perdendo seu brilho pela vitória do “Calouros do Ar”, na véspera, o Botafogo conseguiu a reabilitação, derrotando o aniversariante Ceará Sporting, por 2 X 0.

Após esse feito o clube começou a ser mais respeitado, e provou sua qualidade no Estadual de 1955, quando tinha apenas três anos de existência e conquistou outro feito histórico: foi campeão cearense. Sua equipe era formada, na maioria, por elementos do efetivo da Base Aérea de Fortaleza.

O Ferroviário ganhou o primeiro turno invicto. No returno, a surpresa, ficou com o “Calouros do Ar”, que chegou em primeiro. Na decisão do Campeonato, o time da “Base Aérea” ganhou a primeira partida por 2 X 0 e perdeu a segunda por 3 X 0, o que provocou um terceiro jogo.

A grande finalíssima só ocorreu no dia 11 de março do ano seguinte, e o “Calouros do Ar” repetiu o escore do primeiro jogo, 2 X 0, gols de Zezinho e Zuzinha, se sagrando campeão cearense. É o único título de expressão do clube em toda a sua existência.

O “Calouros do Ar” foi campeão jogando com Jairo - Pedrinho e Coité – Luciano - Jandir e Jesus - Edilson Araújo – Zezinho – Beto - Hélder e Zuzinha.

O ano de 1955 foi o de “ouro” para o “Calouros do Ar”, que conquistou os três títulos disputados pelos clubes da Divisão Principal cearense, uma verdadeira “tríplice coroa”. Orientado pelo treinador Paulo Salgueiro, o time ganhou o “Torneio Preparatório”, o “Torneio Início” e o “Estadual”.

A campanha do time, no campeonato de 1955: Calouros do Ar 1 X 1 Ceará; Calouros do Ar 0 X 0 Ferroviário; Calouros do Ar 1 X 2 América; Calouros do Ar 1 X 1 Nacional; Calouros do Ar 2 x 2 Fortaleza; Calouros do Ar 1 X 0 Usina Ceará;  Calouros do Ar 4 X 0 Gentilândia;  Calouros do Ar 4 X 2 Ceará; Calouros do Ar 3 X 0 Fortaleza;  Calouros do Ar 2 X 2 Ferroviário; Calouros do Ar 3 X 2 América; Calouros do Ar 0 X 1 Usina Ceará; Calouros do Ar 2 X 0 Ferroviário; Calouros do Ar 0 X 3 Ferroviário e Calouros do Ar 2 X 0 Ferroviário.

Foram 15 jogos, com sete vitórias, cinco empates e três derrotas. O ataque marcou 26 gols e a defesa sofreu 16 gols.

Os mais antigos contam que o segredo do sucesso daquela equipe era sua homogeneidade. Ela era toda integrada por jovens com idades entre 18 e 24 anos e sem nenhuma “estrela” no grupo. Outro fato que deve ser levado em conta é que durante todo o Campeonato foram utilizados apenas 13 jogadores, o que significa dizer que manteve quase sempre a mesma formação.

O grupo tinha: Jairo (goleiro), 23 anos; Pedrinho (zagueiro-direito), 22 anos; Coité (zagueiro-central), 21 anos; Luciano (médio-direito), 22 anos; Jandir (centro-médio), 23 anos; Jesus (médio-esquerdo), 24 anos; Edílson (ponta-direita), 18 anos; Zezinho (meia-direita), 22 anos; Beto (centro-avante), 23 anos; Helder (meia-esquerda), 21 anos; Zuza (ponta-esquerda), 28 anos; Azevedo (zagueiro), 25 anos e Vandir (avante), 20 anos.

Dos 13 integrantes do plantel, apenas dois não eram cearenses: o gaúcho Jesus e o potiguar Jairo.

O título do “Calouros doAr” só é comparado ao feito de um outro jovem clube, o “Tramsways”, que ganhou o campeonato de 1940. O “Tramsways” foi fundado em 1933 e era ligado a “The Ceará Tramsways Light”, empresa inglesa fornecedora de luz, força, bondes e ônibus em Fortaleza.

Em 1956 o principal feito do clube foi uma goleada de 6 X 1 sobre o Clube do Remo, de Belém do Pará, em Fortaleza. Foi terceiro colocado no Campeonato Cearense em 1953, 1956, 1960 e 1968. Em 1960, Juarez, atacante da equipe, foi artilheiro do campeonato com 14 gols. Em 1968, o artilheiro foi Célio, com 9 gols.

Nos anos 90 o time tricolor ficou sempre nas últimas posições do estadual. Em 1995 chegou a levar 10 X 1 do Tiradentes, um vexame. Até que no ano de 1998 foi rebaixado para a Segunda Divisão, ficando na antipenúltima posição de seu grupo, sem nenhum ponto, após 44 anos de participações ininterruptas na elite cearense.

Na Segundona não obteve êxito de voltar à elite, tendo chegado perto em 1999 e 2003, quando foi terceiro colocado. Em 2004, após péssima participação no estadual da Segunda Divisão, o clube foi rebaixado para a Terceira Divisão.

Em 2005 o clube foi definitivamente desligado da Base Aérea, o que acelerou mais a sua debacle.  Um ano antes, a equipe já havia caído para a Terceira Divisão do Campeonato Cearense, de onde não saiu mais.

Em 2008 fez uma boa campanha na “Terceirona”, mas acabou por não subir. E em 2009, após uma eliminação precoce o clube se licenciou das competições e ficou suspenso por suspeita de manipulação de resultado, na derrota por 8 Xa 0 para o Tauá, no desfecho da Terceira Divisão de 2008.

Em 2010, não participou de nenhuma competição, por falta de condições financeiras e se licenciou por um ano. Retomou as atividades em 2011, quando assumiu nova diretoria que lançou um projeto para o reerguimento do clube. O ex-jogador Gilberto Alenquer assumiu como presidente e técnico, renovando todas as funções do clube.

Mas a situação da agremiação é muito difícil. O quadro de sócios, que no passado foi bastante expressivo, hoje se resume a apenas 20 pessoas, que na maioria nem assiste os jogos da equipe. Apenas comparecem nas assembleias que definem novas diretorias. É o resultado de anos de maus resultados.

Muitos torcedores recordam com saudade uma partida realizada na década de 1960, reunindo o América, campeão de 1966, e o “Calouros do Ar”, vencedor de 1955, que levou uma grande multidão de torcedores ao “Estádio Presidente Vargas”.

Em âmbito nacional o “Calouros do Ar” chegou a disputar o “Torneio Norte-Nordeste “de 1968 e a 2ª Divisão brasileira em 1971 e 1972, sem conseguir passar da primeira fase.

Nesses últimos dois anos o clube teve a presença de Gildo, maior artilheiro da história do Ceará.

Títulos: Campeão Cearense (1955); Campeão do Torneio Preparatório (1955); Campeão do Torneio Início (1955, 1958, 1968 e 1971).

Competições oficiais disputadas: Campeonato Brasileiro da Série B (1971 e 1972); Campeonato Cearense da Primeira Divisão (1953 a 1998); “Torneio Norte-Nordeste” (1968); Campeonato Cearense da Segunda Divisão (1999 a 2004); Campeonato Cearense da Terceira Divisão (de 2005 até hoje).

O clube tem apenas dois torcedores que se pode dizer “de coração”. Eliseu Alves Feitosa, de 72 anos, que foi massagista e roupeiro do clube. Trabalhou lá de 1965 a 2009. E guarda até hoje a camisa do time.
O outro é o militar reformado da Aeronáutica, Wambar Menescal, considerado o grande baluarte do clube. Ele guarda até hoje fotos, camisas, documentos raros e até o troféu do Campeonato Cearense de 1955, a maior conquista do “Calouros do Ar”.

Tudo o que ele tem sobre o “Calouros do Ar” é bem organizado e conservado, até a partitura do hino e as letras do primeiro e segundo hino do clube. Além da taça de 1955, traz na memória a emoção vivida quando da vitória sobre o Botafogo, do Rio de janeiro, em 1954.

Seu Wambar é o próprio “Calouros do Ar”. A história mais vitoriosa do clube está com ele, em documentos e na memória. (Pesquisa: Nilo Dias) 
  
1955 - Campeão Cearense da Divisão Principal. Em pé: Jairo - Pedrinho - Coité - Luciano - Jandir - Jesus e o major Salgueiro (diretor). Agachados: Porenga (massagista) - Vandir - Zezinho - Beto - Hélder e Zuzinha. (Foto: Acervo de Jurandy Neves)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O “tigre” curitibano

O futebol paranaense ostenta um recorde mundial de fusões, que acabaram pela criação do Paraná Clube. O clube para chegar a sua atual denominação passou por quase um século de fusões e trocas de nomes.

Essa história envolve vários clubes, Leão F.C. e Tigre F.C.: (que se uniram e formaram o Britânia S.C.). Savóia F.C. e E.C. Água Verde: (em 1926, após uma fusão entre eles foi criado o Savóia-Água Verde. No dia 3 de março de 1942 o clube foi obrigado pelo Governo Federal a mudar o nome para E.C. Brasil, pois havia sido declarada guerra à Itália e o nome Savóia, era uma clara homenagem áquela nação. Em 1944 voltou a chamar-se Água Verde. Em 1971 mudou o nome para E.C. Pinheiros).

Palestra Itália F.C.: (na guerra chamou-se Paranaense E.C., C.A. Comercial e S.E. Palmeiras. Depois voltou ao nome original. Era conhecido como “Periquito”, por conta da camisa e “Nem que Morra”, pelos jogadores. Em 1971 fundiu-se com o Britânia e o Ferroviário criando o Colorado E.C.).

C.A. Ferroviário: (uniu-se ao Britânia e ao Palestra Itália criando o Colorado E.C.). Colorado E.C.: (resultado da fusão entre Britânia, Ferroviário e Palestra Itália). E.C. Pinheiros: (antigo E.C. Água Verde que mudou de nome em 12 de agosto de 1971. Em 1989 o Pinnheiro uniu-se ao Colorado E.C. e foi criado o Paraná Clube).

Tudo teve início no distante dia 30 de novembro de 1914, quando um grupo de jovens funcionários da fábrica de vidros Solheid, fundou o Britânia Sport Club. Foi o resultado da fusão entre dois times do bairro Rebouças: o Leão F.C. e o Tigre F.C., ambos formados por adolescentes da região.

Depois de uma partida entre eles confraternizaram com um churrasco, isso no dia 19 de dezembro de 1914. Foi nesse ambiente de festa, que o senhor Carlos Thá teve a idéia de propor a fusão das duas equipes.

O nome Britânia foi escolhido para homenagear a Grã-Bretanha, já que alguns dos fundadores do clube eram ingleses. Os torcedores passaram a chamar o novo clube de “tigre”, pois o seu primeiro campo se localizava nos limites da cidade, e se dizia que dali daquele mato em diante poderia-se encontrar qualquer coisa, até “tigre” escondido.

Outra versão é de que o apelido “tigre” tenha sido herança do nome de um dos clubes que deu origem ao Britânia, o Tigre F.C. Seja uma versão, ou outra, a verdade é que a “fera” passou a ser a “mascote” da novel agremiação.

A primeira Diretoria ficou assim constituída: Presidente, Francisco Zanicotti; Secretário, João Tesserolli; Tesoureiro, João Felipe Galli. O Britânia mantinha um bom quadro social, em que despontavam as famílias Volpi, Zardo, Marinoni e Schiavon. Na sede social, eram realizados bailes famosos.

Nos seus primeiros anos de vida o Britânia treinava num terreno onde hoje fica a Tecnológica Federal do Paraná. Naquele tempo era uma área fora da cidade, pois o perimetro urbano terminava na rua Visconde de Guarapuava.

Em 1916 foi vice-campeão parananese. De 1918 a 1923, sagrou-se exa-campeão. O Britânia foi o primeiro clube no Paraná a conseguir tal feito. Os historiadores creditam essa surpreendente conquista ao fato do time, que ao contrário dos adversários, não fazia restrições a jogadores negros.

E não deixando de se reconhecer a regularidade da equipe, que se manteve a mesma desde 1915. O destaque do time era Joaquim Martin, o maior artilheiro da história do Britânia.

Alguns anos depois da fundação, o clube ergueu uma sede social num belo prédio na Praça Eufrásio Correia, em frente a antiga estação ferroviária.

Todos os domingos havia jogos, jantares e bailes. Eram os anos 1920 e 1930 e Curitiba era uma festa. As vitórias e títulos eram comemorados com grandes reuniões festivas, reunindo as moças mais bonitas da sociedade. Naquela época, as melhores e mais badaladas festas aconteciam no Britânia.

O clube ainda conquistou mais um campeonato estadual, em 1928, quando ainda contava com alguns jogadores veteranos do exa. Depois, nunca mais colocou a mão na taça. Mesmo assim, é um dos cinco clubes com o maior número de conquistas estaduais.

A partir daí passou a participar apenas como figurante nas competições que disputou. A exeção foi no campeonato de 1964, quando conseguiu sua última façanha: um honroso terceiro lugar.

Em 1922, a equipe excursionou pelo Rio de Janeiro, quando disputou dois jogos no estádio de General Severiano. A primeira partida do então penta-campeão paranaense aconteceu no dia 10 de dezembro, contra a equipe do Botafogo e empatou em 1 X 1.

No dia 17 de dezembro venceu a equipe do Vasco da Gama por 2 X 0. Foi a primeira viagem de uma equipe do Paraná para atuar em outro Estado brasileiro.

Enquanto o futebol se profissionalizava em todo o Estado, o Britânia agonizava numa lenta decadência, até que em 1971 se fundiu com outros dois clubes tradicionais, Ferroviário e Palestra Itália, formando o Colorado Esporte Clube.

A decadência do Britânia teve origem na criação do Clube Atlético Ferroviário, em 12 de janeiro de 1930, depois de uma cisão dentro do clube. O Britânia, com isso, perdeu a ajuda que recebia da Viação Ferroviária Paraná-Santa Catarina, desde a sua fundação.

A empresa pagava jogadores, como se fossem seus funcionários. A partir da fundação do Ferroviário, tudo mudou para pior. O patrocínio, os atletas-funcionários, os negros e até os torcedores guarda-freios, graxeiros e eletricistas dos trens, migraram para o novo clube. A partir daí os gozadores de plantão diziam que o “Tigre teve suas presas limadas”.

O Ferroviário chegou a ser um “gigante” do futebol paranaense, tendo sido bi-campeão estadual em 1937 e 1938 e também em 1944 e 1948. Levantou a taça ainda em 1953. Voltou a ser bicampeão em 1965 e 1966. Foi o primeiro representante do Estado no antigo “Torneio Roberto Gomes Pedrosa”, o “Brasileiro” da época.

O Ferroviário ganhou o apelido de "Esquadrão de Aço" na década de 40, quando realizou alguns amistosos no Rio Grande do Sul e voltou para Curitiba invicto. Foi campeão do "Ano Santo" em 1950 e sua maior conquista foi o título de "Campeão do Centenário" em 1953.

A decadência dos chamados clubes “pequenos” também foi obra do “trio de ferro”, Ferroviário, Atlético e Coritiba, que assediavam as revelações dessas equipes, oferecendo empregos e outras vantagens.

No caso do Atlético emprego no Governo Estadual; do Ferroviário, na Rede Ferroviária Federal; e o “Coxa” argumentava com recursos de empresários fortes. Os demais só olhavam sem nada poderem fazer.

Flávio Merinoni jogou no Bretânia e trabalhava na Rede Ferroviária Federal. Pressionado a ir para o Ferroviário, ele continouou no “Tigre”. Rafael Machado, o “Faéco” teve de optar em continuar no Britânia ou perder o emprego na Rede Ferroviária Federal. Preferiu deixar de vez o futebol.

Até o começo dos anos 30, o Coritiba F.C. alugava o estádio do “Parque Graciosa”, no Bairro “Juvevê”. Mas depois de um acerto com o proprietário, o clube foi ressarcido pelas benfeitorias feitas, e com o dinheiro recebido pagou a entrada do terreno no “Alto da Glória”. E até o “Belfort Duarte” ficar pronto continuou usando o “Parque Graciosa”.

Em 1933, com a ida do Coritiba para a sua nova casa, o Britânia passou a usar o “Parque Graciosa”, onde mandou seus jogos até 1940.

Os torcedores chamavam esse estádio de “Cimento Armado”, não pelas arquibancadas, que foram reformadas em 1927, mas pela dureza do gramado. A partir de 1941, passou a ser utilizado pelo Palestra Itália para treinamentos, depois vieram os jogos da “Suburbana”, um campeonato amador realizado em Curitiba, até ser loteado.

O Britânia só conseguiu ter o seu estádio próprio na década de 40, graças ao coronel Francisco de Paula Soares Netto, um médico do Exército Brasileiro que foi presidente da Federação Paranaense de Futebol (FPF) e do Britânia nas décadas de 30 e 40.

Ele tinha ótimos contatos e não teve dificuldades em conseguir os recursos para que o clube adquirisse uma área na rua Carlos Dietzsch, no Bairro “Portão”,próximo a igreja,  num local arborizado e belissimo conhecido como “Fazendinha”.

Em retribuição aos esforços do coronel, o Britânia batizou o seu estádio de “Paula Soares”. A inauguração aconteceu no dia 15 de agosto de 1943, com o jogo Avai (SC) 4 X 1 Britânia. Não chegava bem a ser um estádio, mas era fechado e ali o clube realizava treinos e alguns jogos.

Não demorou muito tempo para que o Britânia vendesse o estádio para à indústria textil Ibicatu Agro Industrial S.A., que também mantinha um time de futebol. Em compensação, recebeu da prefeitura permissão para erguer seu novo estádio em outra área.

Quando começou a construir seu novo “Estádio Paula Soares”, o prefeito revogou a autorização, porque a área havia sido doada à prefeitura com a condição de nela ser feita uma praça, que viria a ser a “Praça Botelho de Souza”.

Para não deixar o clube mal, doou um terreno localizado na “Estratégia”, nome da estrada entre Curitiba e São José dos Pinhais, construída pelos americanos durante a guerra.

Em 6 de junho de 1965, o Britânia inaugurou o seu último “Estádio Paula Soares”, que se localizava na avenida Comendador Franco, também conhecida por “avenida das torres”, no Bairro Guabirotuba, às margens da BR-116.

Na ocasião derrotou o Água Verde por 3 X 2, em jogo válido pelo Campeonato Paranaense. O time do Britânia, naquela ocasião, formou com Barbosa – Zé Carlos – Acir – Marcelo e Antero – Clayton – Grão – Fiúza e Airton - Kruger – Soca e Martins.

Soca fora campeão pelo Grêmio, de Maringá, em 1960 e Kruger viria a ser tempos depois um grande ídolo do Coritiba. O estádio era bem estruturado, com vestiários modernos e uma grande novidade, banheiras térmicas.

O novo “Paula Soares” não deu muita sorte ao time principal do Britânia, pois nesse mesmo ano de 1965 foi rebaixado, após perder o “Triangular da Morte”.  O mesmo não se pode dizer das categorias inferiores do clube: nesse período, o Britânia foi vice-campeão de aspirantes em 1965, bicampeão de juvenis em 1967-1968 e vice de juvenis em 1969.

Em 1998 o estádio foi vendido para a rede atacadista (Sonae Atacadista) que construiu a loja “Big Hipermercados”.

Em 1966 disputou a 2ª Divisão. Mas para resolver uma crise entre os clubes da “Primeirona”, foi estabelecido que o certame daquele ano contaria com 14 clubes.

A última vaga foi decidida num torneio hexagonal, denominado “Torneio Esperança”, que foi vencido pelo Britânia – seu último título. Conquistada a vaga, terminou a competição em último lugar, voltando a “Segundona”, em 1970, sem obter classificação.

Títulos do Britânia: Vice-Campeão Paranaense: (1916); Campeão Paranaense: (1918, 1919, 1920, 1921, 1922, 1923 e 1928); Torneio Início: (1919, 1923, 1926, 1928, 1933, 1959 e 1961); Torneio Esperança: (1968); Campeonato Paranaense de Juvenis: (1967 e 1968).

Artilheiros do clube no Campeonato Parananese: Joaquim Martin, com 17 gols em 1918, 7 gols em 1919, 9 gols em 1920, 17 gols em 1921 e 25 gols em 1922. “Faéco”, com 21 gols em 1923 e Marinoni, com 6 gols em 1928.

Além de ser um dos dois únicos clubes exa-campeões estaduais – o outro é o Coritiba -, o Britânia conquistou três campeonatos de forma invicta (1921, 1922 e 1923) e em sete ocasiões teve o artilheiro da competição. O Britânia das décadas de 1910 e 1920 era quase imbatível.

Em 17 de março de 1971, o Britânia fez fusão com o C.A. Ferroviário, que também vivia um período de decadência, pois não tinha mais o apoio da rede ferroviária, e o Palestra Itália F.C., que estava fora do futebol profissional desde 1967, para formação do Colorado E.C. O novo clube escolheu o Estádio Durival de Brito para sediar seus jogos.

O “Estádio Paula Soares” tinha instalações acanhadas, que não permitiriam seu aproveitamento em jogos oficiais, apenas para alguns treinamentos quando o gramado da Vila necessitasse ser poupado. Ou para abrigar as Feiras do Comércio e Indústria do Paraná (Fecip).

Em 19 de dezembro de 1989 o Colorado E.C. fez fusão com o E.C. Pinheiros, nascendo o Paraná Clube. O último jogo do Colorado aconteceu na tarde de 8 de julho de 1989. Jogando em seu estádio, o Durival de Brito e Silva, o time vermelho e branco empatou com o Coritiba em 3 X 3.

Luisinho marcou o último gol da história do Colorado, o terceiro de sua equipe no jogo. Roberto Gaúho, do Coritiba marcou o último gol sofrido pelo extinto clube da “Vila Capanema”.

Com a fusão, o Paraná Clube herdou os estádios Durival Britto (do Colorado, o “Paula Soares”, do Britânia, o do Palestra Itália, e os dois estádios do Pinheiros: “Erton Coelho de Queiroz”, que o Paraná ainda utilizou em algumas partidas e o “Orestes Thá”, na Vila Guaíra, que pertenceu ao extinto E.C. Água Verde. Na área onde se localizava o estádio, foi erguida a suntuosa sede do Paraná Clube.

Embora não faltassem estádios, o Paraná Clube ainda arrendou o “Pinheirão”, após o Atlético rescindir o contrato que tinha com a FPF, em 1994.

O Paraná Clube manda seus jogos no Durival de Brito, carinhosamente chamado de Vila “Capanema”. O estádio se localiza na região central de Curitiba, no bairro do “Jardim Botânico”.

A Construção do Estádio Durival Britto foi um marco na vida do Clube Atlético Ferroviário e na história do futebol paranaense. Depois de inaugurado em 23 de janeiro de 1947, ele passou a ser o terceiro maior estádio do país, na época, com capacidade inferior apenas ao Pacaembu, em São Paulo e ao São Januário, no Rio de Janeiro.

Para a pacata Curitiba dos anos 40, o majestoso estádio construído no antigo terreno da chácara do “Marquês de Capanema” foi um acontecimento histórico que mereceu os mais variados tipos de análises, avaliações e comemorações.

A “Vila Capanema” é um verdadeiro templo do futebol paranaense, pois foi a única praça esportiva do Estado a sediar uma partida pela Copa do Mundo, em 1950. São 58 mil metros quadrados de área e de tradição.

Palco de grandes momentos do passado, o estádio foi reinaugurado em setembro de 2.006, com a ampliação da capacidade de 12.100 para 20.083 espectadores.

A “Vila Capanema” passou por uma grande reforma, sendo totalmente revitalizada, ganhando uma nova arquibancada, novos camarotes, novas lanchonetes, novos sanitários, uma nova sala de imprensa e o maior estacionamento entre os estádios dos clubes da capital.

Com o abandono, o “Estádio Paula Soares” agonizou durante esse período. As arquibancadas continuavam em pé. As telhas caíam aos poucos. O mato tomava conta do entorno do campo. No entanto, o gramado mesmo continuava aparado.

Com um pouco de sorte, se via até alguma atividade, como um treino de jogadores, um “rachão” ou algo assim. Alguns sócios do Paraná Clube usavam o campo para treinar beisebol.

Tempos depois, do telhado só havia sobrado o esqueleto de concreto e o campo já tinha sido devidamente engolido pelo capim. As arquibancadas cinzentas do “Paula Soares” foram finalmente demolidas, em 1998, para construção de uma filial do Hipermercado “Big”.

O nome do coronel “Paula Soares”, porém, não teve o mesmo triste fim do estádio. Hoje ele é lembrado como “Patrono” do tricolor da “Vila Capanema”.

Uma curiosidade: no Cemitério Municipal de Curitiba existe uma cripta com o símbolo do clube e alguns jogadores sepultados – com foto e tudo. (Pesquisa: Nilo Dias)

Britânia S.C. no início do século XX. (Foto: Arquivo da Federação Paranaense de Futebol -FPF) 

sábado, 26 de outubro de 2013

A tragédia do “Albertão”

No último dia 26 de agosto fez 40 anos da chamada “Tragédia do Albertão”, ocorrida durante a inauguração do Estádio Alberto Silva, em Teresina, com o jogo amistoso entre o time local da Sociedade Esportiva Tiradentes, que pertencia ao Clube dos Oficiais da Polícia Militar do Estado do Piauí, e o Fluminense, do Rio de Janeiro.

O estádio recebeu aproximadamente 30 mil pessoas, que lotaram as arquibancadas. Vieram torcedores do interior do Estado e também do Maranhão. Por volta de 25 minutos de jogo, um avião que sobrevoava o estádio, causou uma sensação de tremor.

Um torcedor não identificado teria gritado: “O estádio está caindo". Foi o que bastou para provocar uma enorme confusão. Os torcedores corriam desesperados tentando sair das arquibancadas, e devido a forte pressão uma das barras de segurança rompeu, jogando várias pessoas dentro do fosso, que tinha uma profundidade de quase 3 metros.

Até hoje não há certeza absoluta de quantas pessoas morreram na queda, mas segundo os jornais da época, teriam sido de cinco a sete. E centenas de outros torcedores sofreram ferimentos. O jogo teve de ser paralisado por cerca de uma hora. Até os jogadores ajudaram no resgate das vítimas. Os feridos foram levados para os hospitais Getúlio Vargas, Casamater e Samdu, que ficaram superlotados.

O jogo recomeçou e foi até o seu final, porque o próprio presidente da CBD deu a opinião que o jogo continuasse, porque se não a repercussão ia ser pior ainda. Mas o estrago já estava feito, o que era para ser uma festa acabou em tragédia. O resultado foi um empate em 0 X 0.

O Tiradentes jogou com Toinho – Marinho - Ivan Limeira - Murilo e Tinteiro (Valdeci Lima) - Gérson Andreoti e Joel – Gringo – Sima – Ventilador (Russo) e Bira. O Fluminense levou a campo Vitório – Toninho – Bruñel - Assis e Marco Antônio - Carlos Alberto e Kléber (Adílson) – Marquinhos – Manfrini – Dionísio (Té) e Lula.

As investigações policiais que se seguiram, bucaram identificar o torcedor que teria gritado dizendo que o estádio estava caindo. Mas não obtiveram êxito. O avião que sobrevoara o estádio trouxera o presidente da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, que veio assistir o jogo.

A imprensa da época abordou o caso de forma responsável, e até a oposição política ao governador do Estado portou-se de forma conveniente. A certeza era uma só, que algum irresponsável ao gritar que o estádio estava caindo, levou os demais torcedores a situações de desespero, resultando em algumas mortes.

Passados 40 anos da tragédia, inexplicávelmente até hoje não se chegou a um consenso no numero de mortos do acidente. Segundo as autoridades e noticias dos jornais da época ficou entre 5 a 7 mortos. Mas há quem diga que foi mais, e que a verdade não chegou ao público porque vivíamos no regime militar, e não era interessante a publicação de coisas negativas.

Depois da tragédia, o “Albertão” foi fechado por ordem das autoridades e ficou um ano sem sediar jogos, quando passou por profundas reformas. A partida de reabertura foi entre Flamengo (PI) X Vasco da Gama (RJ), pela Copa do Brasil, com vitória do time carioca por 4 X 1. O público registrado nessa partida foi de mais de 25 mil pagantes.

Tempos depois, por ordem da já Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a capacidade de público do “Albertão” foi diminuída para 40 mil expectadores. Por isso o recorde de público verificado em 1983, quando 60.271 torcedores assistiram o jogo Tiradentes 1 X 3 Flamengo, do Rio de Janeiro, nunca será quebrado. Antes, em 1975, o Flamengo já havia jogado no “Albertão”, quando enfrentou o mesmo Tiradentes e perdeu por 3 x 2, pelo Campeonato Brasileiro.

O recorde absoluto de público, no entanto, não foi obtido por torcedores de futebol e sim pelos fãs mirins do grupo musical “Balão Mágico”, que fez muito sucesso na primeira metade da década de 80.

O maior estádio do Piauí tem muita história. Por seu gramado já passaram craques da envergadura de Rivelino, Ronaldo “Fenômeno”, Dirceu Lopes, Zico, Sócrates, Dunga, Carpegianni, Edinho, Edu, Clodoaldo, Marco Antônio, Sima, Roberto Carlos, Tulio e tantos outros.

Um momento de muita emoção aconteceu em 1977, quando Flamengo e River, protagonistas do clássico “Rivengo”, decidiram o campeonato estadual em três jogos memoráveis. Mais de 100 mil pessoas foram assistir os jogos (40 mil só no terceiro jogo), no maior sucesso de bilheteria até hoje no certame piauiense.

Em 1982 aconteceu o jogo épico entre as seleções de Juniores do Piauí e Rio Grande do Sul, decidindo o Campeonato Brasileiro entre seleções estaduais. O Piauí venceu o forte time gaúcho, que contava com atletas do porte de Dunga e Branco, que depois se tornaram estrelas mundiais do futebol, por 2 X 1.

Embora vencendo o time piauiense perdeu o título no saldo de gols, já que o Rio Grande do Sul havia vencido o primeiro jogo por 2 X 0, em Porto Alegre.

Outro momento grandioso vivido no estádio foi quando o Tiradentes derrotou o Corinthians Paulista, por 2 X 1. Era o tempo da famosa “Democracia Corinthiana”, liderada pelo saudoso craque Sócrates.

Também não podem ser esquecidos outros jogos históricos pelo campeonato brasileiro: Tiradentes 1 X 0 Corinthians-SP (1973); Tiradentes 2 X 1 Botafogo-RJ (1974); Tiradentes 3 X 2 Flamengo-RJ (1975); Tiradentes 1 X 0 Palmeiras-SP (1975); River 3 X 1 Fluminense-RJ (1981) e Cori-Sabbá 1 X 0 Botafogo-RJ.

E o jogo em que a Seleção Brasileira, com três gols de Ronaldo “Fenômeno”, ganhou do selecionado da Lituânia por 3 X 0. Foi uma das melhores atuações do craque vestindo a camisa da Seleção. O time canarinho jogou outras duas vezes no “Albertão”: a primeira, em 1989, quando derrotou o Paraguai por 2 X 0. A outra, em 1991, oportunidade em que a Seleção Pré-Olímpica perdeu para a Argentina por 1 X 0.

O primeiro gol no “Albertão” foi marcado na noite de 29 de agosto de 1973 no jogo entre Cruzeiro, de Minas Gerais e Tiradentes. O autor foi Dirceu Lopes aos 17 minutos do segundo tempo, para o time mineiro. Sete minutos depois, Joel marcou para o Tiradentes e o placar final foi 1 X 1.

O Governador Alberto Silva construiu as primeiras etapas da obra. As seguintes, até chegar à capacidade total de 60 mil pessoas (hoje baixou para 40 mil), foram construídas nas administrações dos governadores Dirceu Arcoverde e Lucídio Portela.

Nos últimos tempos, pouco foi feito no “Albertão”. Partes importantes do projeto nunca foram executadas, por falta de interesse dos governos e por falta de trabalho dos clubes que não fazem boas campanhas nos campeonatos que disputam, e em consequência não  provocam ações concretas do poder público.

Neste ano de 2013, quando o “Albertão” completou 40 anos, apenas um jogo foi disputado lá: Flamengo (Piauí) 2 X 2 Santos, pela Copa do Brasil. No mais, o estádio permaneceu fechado e continua assim. Até quando, não se sabe. (Pesquisa: Nilo Dias)

A tragédia deixou um saldo de cinco a sete mortos. (Foto: Divulgação)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Os "Mexicanos" do Palmeiras

Ao longo de sua história a Sociedade Esportiva Palmeiras, de São Paulo, teve em sua equipe dois jogadores chamados de “Mexicano”. O curioso é que nenhum deles nasceu no México. Alfredo Lúcio de Moura, um dos melhores laterais direito da história do clube alviverde nasceu em Uberaba (MG), no dia 15 de novembro de 1926.

O outro “Mexicano” foi Dionísio Viel, nascido em Osasco (SP). Filho de família rica, na infância não mostrava muito talento para o futebol, até pelo seu corpo franzino. Nas “peladas” com os amigos, só participava porque era o dono da bola. Seu pai, Vitório, era proprietário de um restaurante famoso na cidade. E até que não se importava pelo fato do filho não sair das ruas jogando futebol. Mas a mãe, dona Amélia, vivia dando bronca, mas ele nem ligava.

Desde garoto, Dionísio sempre foi torcedor do Palmeiras. Mesmo tendo consciência de que nunca seria um craque, ainda assim alimentava o sonho de um dia vestir a camisa do seu clube de coração. E não deu outra. Foi um dia ao Parque Antárctica, treinou, passou no teste e foi jogar nas categorias de base. Em 1958 foi profissionalizado.

Já o “Mexicano” mineiro começou a carreira em 1945, no time de amadores do Atlético Abadia, de sua cidade natal. Depois foi descoberto pelo Uberaba Sport e passou a integrar a sua equipe profissional, em 1944. Na preliminar de um jogo amistoso entre Uberaba e uma Seleção de São Paulo, ele fez oito gols e o pessoal do Uberaba não perdeu tempo, o contratou na hora, mesmo tendo apenas 15 anos.

Em 1946 foi vendido ao Atlético Mineiro, onde jogou até 1949. No “Galo” participou de 116 jogos. Foi bi-campeão das “Alterosas”, em 1946 e 1947. Seu único gol com a camisa atleticana aconteceu no dia 4 de fevereiro de 1948, no "Estádio de Lourdes". Na ocasião, o alvinegro derrotou a Portuguesa de Desportos, de São Paulo, por 6 X 2 e “Mexicano” marcou o quarto gol de sua equipe.

O lateral fez parte de um dos melhores times que o Atlético montou em toda sua história: Cafunga – Mexicano – Silva - Murilo Ramos - Zé do Monte – Lucas – Lauro - Mário de Souza – Lério - Níveo e Carlyle.

Em 1949, foi vendido ao Palmeiras, onde foi obrigado a encerrar a carreira em 1954 devido a uma fratura na perna direita, em um jogo contra o América, de São José do Rio Preto.  Tinha apenas 28 anos de idade. No Palmeiras foi campeão Paulista de 1950, da Copa Rio de 1951, do Torneio Rio-São Paulo de 1950 e da Copa Cícero Pompeu de Toledo, em 1950.

Segundo o "Almanaque do Palmeiras", de Celso Unzelte e Mário Sérgio Venditti, "Mexicano" disputou 48 jogos pelo “Verdão”, com 25 vitórias, 11 empates, 12 derrotas e um gol marcado.

Hoje ele mora em Patrocínio (MG), onde trabalha como massagista do Catiguá Tênis Clube. Casado, tem um filho e uma neta. Mas não nega que carrega consigo uma mágoa profunda, de nunca ter sido muito lembrado para homenagens realizadas pelo Atlético Mineiro.

O zagueiro palmeirense Dionísio Viel, o “Mexicano”, não ganhou dinheiro com o futebol. Tinha a fama de violento, muitas vezes se descontrolando dentro de campo, o que ele explicava como decorrência de seu amor pelo clube. Não era de fugir de pancada, prova disso é que chegou a abrir o supercílio oito vezes, em apenas um campeonato.

Como sempre teve dinheiro a vontade, jogou mais pelo coração. O primeiro bicho que recebeu, depois do time ter ganho um jogo, guarda até hoje na carteira como relíquia: cinco notas de Cz$ 20 mil.

Depois que deixou o seu Palmeiras, foi jogar no Taubaté, onde ficou por longos oito anos. E no clube interiorano fez o maior sucesso, quando o time participava Campeonato Paulista da Primeira Divisão. Encerrou a carreira no time dos “Irmãos Romanos”, equipe do ABC.

Quando deixou os gramados abriu uma rede de lanchonetes, que não durou muito tempo, pois em seguida se aposentou. Hoje, safenado, ele tem a pintura como hobbie e vive no Parque Continental, no Bairro do Butantã, na zona Oeste da capital paulista, com a mulher Mirna Factori Viel, e as filhas Ana Paula, terapeuta ocupacional, que residiu na Itália e Fernanda, que é jornalista.

Mesmo fora dos gramados, “Mexicano” ainda acompanha os jogos do Palmeiras. O dia mais esperado do ano é quando acontece o tradicional "Jantar dos Veteranos" do Palmeiras. Nessas ocasiões ele é homenageado, aplaudido e distribui autógrafos em profusão. Pode-se dizer que vive um dia de glória.

A filha e jornalista Fernanda Factory Viel, sempre gostou de futebol. Depois de trabalhar como redatora auxiliar na Fundação Bradesco, foi estagiária no jornal "A Gazeta Esportiva", onde fazia a cobertura jornalistica dos treinos e jogos do São Paulo F.C., na época dirigido por Telê Santana.

Em 2000 ela criou a personagem “Mary Futy”, na revista “Lance a+”, e no jornal "Agora São Paulo". Fez  matérias internacionais para uma TV Alemã durante a Copa de 2006, quando entrevistou jogadores famosos como Kaká, Cafu, David Beckam, Luis Figo e Ronaldo. 

Foi produtora na “Rede Bandeirantes de Televisão” e agora trabalha para o “Portal R7”, com o “Blog da Mari Futy”, personagem que satiriza as "Marias-Chuteiras" e conta de forma divertida os bastidores que envolvem a vida dos boleiros. (Pesquisa: Nilo Dias)

Dionísio Viel, o "Mexicano" que nasceu em Osasco (SP).

Alfredo Lúcio de Moura, o "Mexicano", nascido em Uberaba (MG).

domingo, 20 de outubro de 2013

O berço do futebol piauiense

O velho e histórico “Estádio Petrônio Portela”, antigo “Estádio Internacional”, berço do futebol de Parnaíba (PI), o segundo município mais populoso do Estado, encontra-se hoje em estado de quase total abandono, necessitando de amplas reformas para recuperar seu garbo de antigamente.

É o único estádio de futebol no Brasil a possuir o estilo arquitetônico das praças esportivas inglesas do início do século XX. O estádio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O “Petrônio Portela” foi construído nos anos 20 pela “Casa Inglesa” e se constituia no melhor estádio do Piauí, na época.  No local foram realizados muitos jogos da primeira liga de futebol do Estado do Piauí, ainda no século XVIII. Foi nesse estádio que nasceu o primeiro campeonato piauiense de futebol.

A “Casa” Inglesa foi dirigida por Paul Robert Singlehurst, o “Paulo Inglês”, que se estabeleceu no Brasil em 1849. Ele foi o primeiro a trazer para o país tratores, motores e jeeps. Mais tarde, em 1884, James Clark tornou-se dono único e foi responsável por inserir a cera de carnaúba no mercado internacional e por fornecer produtos a base de petróleo, equipamentos e instalação elétrica para 153 municípios do Piauí, Maranhão e Ceará.

Naquela época, o terraço da “Casa Inglesa” era famoso pelas festas que concentravam a elite da cidade. Hoje a casa é um hotel totalmente mobiliado com móveis antigos. No dia 11 de agosto de 2008 o prédio e todos os seus pertences foi tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional.

A “Casa Inglesa” tinha em sua ficha cadastral interna, vários itens curiosos para análise de aprovação ou não do cadastro do cliente. Entre os itens a serem preenchidos obrigatoriamente, existia um que requisitava o nome da(s) esposa(s) como também o da amante, com os respectivos lugar de moradia. O motivo disso é totalmente desconhecido por Ingrid Clark, herdeira direta desse importante grupo comercial da Parnaíba antiga.

Outros itens curiosos do mesmo formulário: se o cliente em questão era político extremado, se gastava muito com política, ou se era um gastador contumaz, jogador ou farrista, qual o conceito que ele desfrutava naquela praça, a moralidade pessoal e a reputação do mesmo, como era a situação da firma (do cliente), se tinha serviço organizado, se a gerência era séria e conservadora e também dados sobre os sucessores (se eram ou não competentes).

O cadastro encontra-se à disposição dos pesquisadores e do público geral, entre o acervo de documentos do “Museu do Comércio do Piauí”, projeto desenvolvido pela Câmara dos Dirigentes Lojistas de Teresina.

A Praça de Esportes construída pela “Casa Inglesa”, inicialmente foi chamada de “Estádio Internacional”, porque o Internacional Athletic Club, fundado em 1917 e hoje extinto, lá disputava seus jogos.

O “colorado” parnaibano disputou o campeonato da cidade entre 1917 e 1940, sendo campeão em 1921 e 1928. Seu primeiro presidente foi o desportista Samuel Bompet. Na mesma época, também havia em Parnaíba outro estádio, onde hoje está situado o Colégio Diocesano Luiz Gonzaga de Sena.

Em 12 de fevereiro de 1922 o “Petrônio Portela” foi palco do primeiro jogo interestadual do futebol piauiense. O Parnahyba Sport Club realizou alguns amistosos contra o Guarany Atlético Clube, de Fortaleza. No primeiro amistoso, o time cearense venceu por 1 X 0, mas no segundo confronto, dia 15, o Parnahyba ganhou por 2 X 0, conquistando a “Taça Guarany”.

O Parnahyba jogou com Aderson - Basilio e Xixico - Albino e Brandão – Antonio – Colibri – Lyra – Zeca - Milton Ramos e Milton Moreira.
Na década de 1950, o Campeonato Parnaibano de Futebol costumava levar grandes públicos ao estádio. Havia na cidade vários clubes: Parnahyba, Flamengo, Fluminense, Belga, Paysandu e Ferroviário.

Era comum a presença de clubes de Teresina em Parnaíba, que quase sempre eram derrotados. Quando o Parnahyba começou a disputar o campeonato estadual, os seus jogos eram realizados no “Estádio Internacional”.

Na década de 1960 a “Casa Inglesa” resolveu fechar o estádio e colocá-lo a venda. O governador na época, Petrônio Portela, adquiriu o estádio para o Governo do Piauí. Em consequência, desportistas da cidade fizeram uma exitosa campanha, que culminou com a mudança de nome para “Estádio Petrônio Portela”.

No início dos anos 70 o governador Alberto Silva doou a praça de esportes ao Parnhayba Sport Club, o que acabou por gerar uma grande crise no futebol parnaibano, porque as outras agremiações esportivas não gostaram e protestaram.

Além do Parnahyba a cidade tem outro clube de futebol profissional, o Ferroviário Atlético Clube (FAC), chamado de “Ferão”, que foi fundado em 1946 por funcionários da então Estrada de Ferro Central do Piauí. E dezenas de clubes amadores filiados à liga local.

Tudo porque anteriormente o prefeito da cidade havia pedido ao Governador que o estádio Petrônio Portela fosse doado para a Prefeitura, com o compromisso de repassá-lo à Liga, servindo para todos os clubes da cidade.

As diretorias que sucederam o presidente Pedro Alelaf, pouco fizeram para manter o estádio de pé. Pelo que se sabe houve a restauração dos portões de entrada e a modernização da “Casa do Atleta”, construída por Alelaf e cujo teto esteve por desabar.

Os quartos são equipados com televisores, camas beliches e ar condicionado. O local passou a ser chamado de “Toca do Tubarão” e serve como moradia e concentração dos jogadores.

Também foi construído um lance de arquibancada para mais de mil torcedores e o projeto prevê que mais dois sejam erguidos. Porém, outros locais não foram atendidos, como a antiga e histórica arquibancada que não resistiu e acabou ruindo. E junto dela a garbosa arquitetura inglesa, que continua a espera de uma restauração, pois sobraram só os escombros.

Depois, com a construção do “Estádio Municipal Mão Santa”, conhecido como “Piscinão”, com capacidade para 4.700 torcedores, o “Petrônio Portela” não foi mais palco de jogos oficiais de seu time profissional. É utilizado como Centro de Treinamento (CT) e para amistosos da equipe profissional e partidas oficiais da Categoria Sub-18, além de jogos de equipes amadoras.

Além dos estádios “Petrônio Portela” e “Mão Santa”, a cidade conta com outro estádio, o “Verdinho”, de propriedade da Federação das Indústrias do Piauí, que tem capacidade para 4.500 expectadores. Existe um projeto, que está paralisado, para a construção do “Estádio Olímpico de Parnaíba”, que também contará com instalações para outros esportes.

construção do Centro teve início em 2012. As obras começaram pela preparação do terreno, com a terraplanagem, e pela construção das quadras de tênis. Fazem parte do projeto, ainda, a construção de ginásio coberto, quadras de vôlei de praia e poliesportivas, pista de cooper, ciclovia, piscinas, entre outras.

Também haverá estruturas como centro de artesanato e anfiteatro e  um ginásio com capacidade para 25 mil pessoas. A obra, no entanto, não andou como o esperado. A construção estava prevista em duas etapas: a primeira correspondendo à Vila Olímpica e todas as suas estruturas, e a segunda sendo a construção do estádio.

A primeira parte deveria ter sido entregue em dezembro, mas impasses em relação à demarcação da área a ser construída atrasaram os planos. Um novo prazo foi estipulado para junho deste ano, mas novamente não foi correspondido.

O ex- presidente do Parnahyba Sport Club, José Lima, que hoje preside a Federação de Futebol do Piauí (FFP), disse que o estádio está precisando de uma reforma em sua estrutura, como: colocação de alambrados, colocação dos refletores de energia, recuperação do gramado, entre outras melhorias. Mas segundo ele, fica difícil fazer tudo isso, sem recursos suficientes. 

A falta de dinheiro no clube é uma realidade, tanto que em novembro do ano passado a energia do estádio Petrônio Portela foi cortada, por dívidas que ultrapassavam R$ 10 mil. O Parnahyba não pagava as contas há quatro meses. Só conseguiu honrar o compromisso, depois de receber R$ 75 mil da prefeitura, que também serviu para pagar os salários atrasados dos jogadores.

O clima dentro do clube já esteve bastante ruim. Antes da saída do time para o jogo final do Campeonato Piuiense, em Teresina, o clima entre o então técnico Paulo Moroni e o ex-presidente José Lima, era de tensão. Na volta, com a taça nas mãos, foi decidido que o jantar seria na cidade de Campo Maior, na Churrascaria “O Cervejão”.

Lá, Moroni teria dito que a conquista do título fora mérito só dos jogadores e não da Diretoria. José Lima não gostou do que ouviu e jogou o whisky que estava bebendo no rosto do treinador. E este revidou jogando cerveja no rosto do presidente, que enraivecido atirou o copo de vidro na cabeça de Moroni. A coisa não ficou pior, graças a turma do deixa disso.

O Parnahyba Sport Clube é dono de um invejável patrimônio, mas  tem tido enormes dificuldades para tocar em frente o projeto de recuperação total do estádio. A sua sede social, localizada na Praça de Santo Antônio, zona central da cidade, é muito valorizada no mercado imobiliário, valendo entre R$1,8 milhão a R$ 2 milhões.

Neste final de ano, sem dinheiro para pagar os jogadores que disputaram a Série D do Campeonato Brasileiro, o Parnahyba se viu obrigado a alugar sua sede social para a Justiça Federal por um ano. E espera com isso, mais o dinheiro que vem da prefeitura, poder pagar as dívidas.

Para o dia 27 deste mês, o Parnahyba Sport Clube marcou eleições para escolha do Conselho Deliberativo e Diretoria. Elas originalmente deveriam acontecer em dezembro, mas foram antecipadas em razão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ter divulgado o calendário das competições estaduais para o dia 12 de janeiro de 2014 e a Copa do Brasil para o dia 12 de março de 2014. Como o Parnahyba participará dessas competições, dará tempo aos novos dirigentes de formaram um bom elenco.


E os torcedores esperam que esses novos dirigentes olhem com mais carinho para o Estádio Petrônio Portela, que sem dúvida se constitui num monumento histórico da cidade de Parnaíba. E que merece ser preservado. (Pesquisa: Nilo Dias)

Arquibancada do antigo estádio Internacional, que foi doado ao Parnahyba e rebatizado de Estádio Petrônio Portela e hoje abriga o Centro de Treinamento (CT), do Parnahyba Sport Club. (Foto:Acervo fotográfico do Parnahyba S.C.)

sábado, 19 de outubro de 2013

A tragédia de Alegrete

O dia 4 de dezembro de 1983 ficou marcado para sempre nas vidas de Celeni Viana e José de La Cruz Benitez Santa Cruz. O primeiro era atacante da Associação Atlética Alegrete e o segundo, goleiro do S.C. Internacional, de Porto Alegre. A tragédia aconteceu no jogo amistoso disputado entre as duas equipes, no Estádio Municipal Farroupilha, na cidade gaúcha de Alegrete.

Eram 8 minutos de jogo quando Celeni, de 19 anos, chocou-se com a cabeça de Benitez. O goleiro paraguaio, que foi titular do tricampeonato brasileiro invicto do Internacional acabava de encerrar a carreira naquele lance, aos 31 anos de idade.

No choque, Benitez bateu a cabeça e sofreu com o "efeito chicote", quando a cabeça é atirada para trás e volta. A coluna amassou o nervo na hora, o que ocasionou paralisia dos membros superiores e inferiores, conforme o doutor Paulo Rabelo, que era o médico do Internacional naquela fatídica tarde em Alegrete.

Após o choque, o goleiro ficou caído na área, enquanto o jogo prosseguia. Mauro Galvão, que assim como os demais corria para o ataque, reparou que Benitez continuava caído. Voltou para perguntar se estava tudo bem e notou que o companheiro estava sufocando, sem ar.

Acenou desesperadamente para o médico que correu para o gramado e, ao chegar ao paraguaio, de cara confirmou o pior: o camisa 1 do Internacional estava tetraplégico - e com asfixia, decorrência da contusão medular.

Benitez estava lúcido, mexia com a cabeça e os olhos, e sinalizou que havia batido com a cabeça. O médico constatou que do pescoço para baixo, estava tudo paralisado. Ainda no gramado, o goleiro conseguiu recuperar a respiração, depois que o médico utilizou seus conhecimentos de primeiros socorros, segurando-lhe a cabeça e ajudando a retomar o fôlego.

O jogo prosseguiu com Gilmar Rinaldi entrando no lugar de Benitez. Ruben Paz fez o gol da vitória colorada ainda no primeiro tempo, aos 41 minutos.

Benitez saiu de maca, em direção ao vestiário, onde o roupeiro Gentil Passos tirou-lhe as chuteiras, luvas e ataduras, para que não comprimissem a circulação. O goleiro, já sem as chuteiras, pediu ao roupeiro que as tirasse de seus pés. Gentil Passos entendeu na hora que ele não sentia mais as pernas e começou a chorar.

Até aquele momento, apenas poucas pessoas sabiam do drama que Benitez estava enfrentando para conseguir sobreviver. Os jogadores e o restante da delegação só ficaram sabendo do que ocorria, no intervalo do jogo.

O jogador foi levado para o hospital da Santa Casa de Alegrete. A esperança de que houvesse uma recuperação rápida, até que foi aventada, quando o goleiro fez movimentos involuntários dos músculos em suas pernas. Mesmo com a paralisia momentânea, o corpo de Benitez reagia. O doutor Paulo Rabello chegou a dizer para Benitez, na ocasião, que ele voltaria a andar.

Horas depois do atendimento hospitalar, o médico e o goleiro deixaram Alegrete, embarcando em um helicóptero do Exército, daqueles sem portas, de filmes de guerra. Mal conseguiam conversar, devido ao barulho das hélices. Desceram em Santa Maria. De lá, um jatinho levou os dois para o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

Foi quando Benitez reencontrou a mulher, Ivana, gaúcha de Taquari. Eles ainda não haviam completado um ano de matrimônio. Casaram com pompa em 18 de dezembro de 1982. A partir do acidente, Ivana se mostrou como uma bênção na vida de Benitez. 
 
Na primeira semana em que esteve hospitalizado, Benitez correu sério risco de vida, pois teve uma infecção renal, decorrente do acidente. O doutor Paulo Rabelo garante que ele só sobreviveu porque sempre foi muito forte.  Benitez sofreu uma espécie de amassamento da medula, o que não permitia que o cérebro enviasse “mensagens” ao restante do corpo.

Benitez ficou sabendo que nunca mais poderia jogar, num encontro, na casa do doutor Paulo Rabelo, na Rua da República, em 1985. Foi depois de um jantar entre as famílias, que o médico chamou o goleiro para uma conversa na sala de estar, quando explicou detalhadamente por que, apesar da recuperação dos movimentos parciais de braços e pernas, o corpo de Benitez não permitiria o retorno ao futebol. Foi uma conversa dramática, dura, em que os dois choraram abraçados.

O choque ocorrido em Alegrete acabou por mudar os rumos das vidas de Benitez e Celeni. O atacante deixou de jogar futebol, depois da promessa que fez, de que se Benitez não retornasse aos gramados, ele também deixaria de jogar.

Celeni ainda conseguiu dar a volta por cima e refez sua vida, superando o trauma que sofreu ao ser chamado de “assassino” nas ruas de Alegrete. Por muito tempo o jovem atleta da Associação Atlética Alegrete teve de aguentar ser chamado assim. As pessoas que passavam de carro, abriam os vidros só para xingá-lo.

Hoje, é vereador em terceiro mandato na cidade. De vez em quando joga um futebolzinho, mas só na várzea. Com 50 anos de idade, o ex-jogador é pai de sete filhos e avô de sete netos.

O jogador do time interiorano garantiu sempre que não tocou com o pé na testa do goleiro, mas sim com o joelho direito e que saltou para não acertá-lo. Conseguiu tirar a perna esquerda, mas não deu para evitar o choque com a direita. O lance teria sido casual. Na ânsia de fazer o gol, o atacante viu Benitez virando-se rapidamente para a bola e, em um instante, caíu ao chão.

O ex-goleiro até hoje caminha com dificuldade, apoiado na perna esquerda. Utiliza-se de uma muleta, à mão direita, para realizar pequenas e lentas manobras dentro do apartamento de três quartos, seu refúgio há anos. A perna direita jamais foi totalmente recuperada, apesar das três décadas de fisioterapia. Precisará de próteses nos joelhos – gastos pela carreira e pelo acidente de Alegrete.

A tragédia de Alegrete deixou marcas mais profundas. Benitez e a esposa Ivana não puderam ter filhos. Guardaram o carinho para a papagaia “Princesa” e a papafigo “Bombom“, um passarinho azulado, que à noite dorme deitado em uma caminha, com direito a coberta.

Quando jogava, Benitez, que pesava cerca de 120 quilos e tem 1 m 85 cm de altura, já havia retirado os meniscos dos joelhos, por lesões. Na preparação física estava acostumado a carregar sacos de areia, subindo e descendo arquibancadas. Hoje, anda com dificuldade, amparado pela muleta que o permite repousar o pé direito no chão, enquanto caminha com o esquerdo.

Tudo na vida tem um preço. Os 13 anos de carreira como jogador e a tragédia de Alegrete custaram muito caro. Hoje, Benitez, com 61 anos, pouco sai de casa, passa boa parte do dia sentado, assistindo jogos pela TV. Tem como companhia a esposa Ivana, com quem divide um apartamento em uma rua calma do bairro Menino Deus.

O Grêmio Náutico União, onde faz fisioterapia é um dos poucos lugares que frequenta. Vez que outra vai ao Paraguai visitar parentes. Quase sempre mostra um sorriso triste no rosto. E costuma dizer: “O que fica da vida são os amigos. E, graças a Deus, ainda tenho alguns bons companheiros na minha agenda”.

Nos anos 90, depois que foi obrigado a deixar os gramados, Benitez tentou a carreira de treinador. Dirigiu o Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul e o São José, de Porto Alegre, além de ter sido orientador de goleiros do Internacional.

Depois trabalhou como empresário, tendo sido responsável pela vinda de importantes atletas paraguaios que brilharam na dupla Gre-Nal como Arce, Gamarra, Rivarola e Enciso. Mas a dificuldade de locomoção, não o deixou continuar na carreira de empresário. Mas ainda tem contatos no Paraguai e um bom olho para jovens jogadores.

Hoje Benitez vive da poupança, de dois imóveis alugados em Assunção (Paraguai) e da aposentadoria de R$ 1,5 mil do INSS. E também convive com dores diárias, com as quais aprendeu a lidar, sem medicação.

Este ano de 2013 foi especial para Benitez e Celeni. O ex-atacante do time de Alegrete foi até Porto Alegre visitar o ex-goleiro do Internacional, 30 anos depois da tragédia de 1983.

Antes desse encontro, os dois só haviam se visto uma única vez. No dia seguinte ao acidente, Celeni visitou Banitez no Hospital Moínhos de Vento, na Capital. O ex-atacante lembra que estendeu a mão para cumprimentar Benitez, e esta caiu, sem forças.

Na recente visita que fez, Celeni, com os olhos marejados, disse estar aliviado e livre de uma condenação de 30 anos, depois de receber o abraço apertado de Benitez, que sem nenhum ressentimento disse: “Que bom te ver, guri. Que coisa boa ver que tu está bem, que alegria. Tá com uma cara boa... Nunca mais tive notícias tuas. Esse guri não teve culpa. São coisas do futebol, coisas da vida”.

Benitez nasceu em Assunción, no Paraguai, dia 3 de maio de 1952. Começou a carreira no Olimpia, clube de seu país, e foi para o Internacional em 1977, para substituir o lendário goleiro Manga.

O começo no Inter não foi bom, por essa razão foi emprestado ao Palmeiras, em 1978, quando o titular Leão, servia a Seleção Brasileira. Pelo clube paulista fez 24 jogos, com 13 vitórias, oito empates e três derrotas, tendo sofrido 13 gols. 

Em 1979, voltou ao Internacional, onde fez grandes partidas e conquistou vários títulos, entre os quais o de campeão brasileiro invicto, em 1979, além dos campeonatos gaúcho de 1978,1981,1982 e 1983. (Pesquisa: Nilo Dias)
  
Depois de 30 anos, Celeni e Benitez voltaram a se encontrar. (Foto: Divulgação)