Não
é fácil morar na Palestina. O espaço geográfico que, até 1948, pertencia
completamente à ela, está hoje repartido em três regiões. Uma corresponde a
Israel e as outras, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, são habitadas em grande
parte por árabes de origem palestina, e compreendem o almejado Estado da
Palestina. Mas continua ocupado por israelenses, na ausência de um tratado de
paz definitivo.
O
povo palestino se encontra atualmente disseminado em países árabes ou em
territórios reservados aos refugiados. É difícil para todos, inclusive para
quem se atreve a jogar futebol por lá.
A
história de Mahmoud Sarsak é um exemplo das perseguições que esse povo sobre
por parte dos israelitas. Sarsak foi preso em 22 de julho de 2009 no “Erez
Crossing” (um cruzamento de fronteira na barreira de Israel-Gaza), quando
viajava entre sua casa em Gaza e a Cisjordânia para se unir ao seu novo clube,
o Balata Youth, uma equipe de futebol palestina fundada em 1954 e com sede no
campo de refugiados de Balata, em Nablus.
Ele
foi detido sob a suspeita de ser um combatente ilegal ligado ao Movimento da
Jihad Islâmica, um grupo militante palestino, considerado terrorista pelos
governos dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, Austrália e Israel.
O
mais estranho em tudo isso é que a Lei do Combatente Ilegal é uma lei
israelense que só se aplica a não palestinos. Por exemplo, libaneses pegos
dentro de Israel ou na fronteira podem ser chamados disso.
O
serviço de segurança geral “Shin Bet”, uma das três principais organizações da
comunidade de inteligência israelense, ao lado de Aman (inteligência militar) e
do Mossad (serviço de inteligência estrangeiro) alegou que Sarsak havia
plantado uma bomba que feriu um soldado israelense.
A
agência disse que não tinha provas suficientes para um julgamento, mas mesmo
assim ele foi mantido preso por três anos sem acusações formais. Em 2013 Sarsak
disse que foi submetido a tortura física e mental durante o período em que
esteve preso.
Os
palestinos suspeitavam que Sarsak foi preso porque os israelenses tinham medo
que ele - o jogador mais jovem a fazer parte da Liga Palestina, com apenas 14
anos - em breve estaria fazendo gols para algum time grande do mundo e tirando
a camisa na comemoração para mostrar mensagens pró-Palestina, em vez de piadas
medíocres e mensagens dos patrocinadores.
Além
de Sarsak havia outros palestinos presos, até muitos doutores com PhD e
jogadores profissionais de futebol. O lugar estava cheio de palestinos
talentosos, o que reforçou a ideia de que se tratava de uma política de Israel
para evitar que esses palestinos brilhassem e mostrassem seu lado civilizado
para o mundo.
Os
primeiros 45 dias preso foram os mais difíceis, já que foi torturado física,
mental e verbalmente. Eles o transferiram para uma cela com outros prisioneiros
por oito meses. Depois disso, foi chamado de volta por outros 12 dias e
torturado e interrogado. Isso aconteceu três ou quatro vezes durante o período
em que esteve recluso.
Sarsak
começou uma greve de fome em 19 de março de 2012, depois que sua detenção
administrativa foi renovada pela sexta vez.
Essa decisão foi uma resposta à morte de Zakaria Issa, um jogador de
futebol internacional palestino que morreu pouco depois de ser libertado.
Zakariya
Issa estava numa das celas e tinha câncer, mas eles nunca o ajudaram. Ele
morreu naquela cela. Isso mexeu com Sarsak, que começou a pensar: “Preciso me
ajudar porque ninguém mais vai”. Por exemplo, a FIFA não o estava ajudando
naquela época.
Foi
assim que decidiu pela greve de fome, que o fez perder metade de seu peso normal
e ter os músculos prejudicados. Durante a greve de fome chegou perto da morte.
Ele
insistiu em ser considerado como prisioneiro de guerra, porque foi detido sob a
Lei de Combate de Ilícitos de Israel. E chegou a recusar uma proposta para sair
do país exilado para a Noruega por três meses.
O
mundo passou a se interessar pelo caso. Em 5 de junho de 2012 foi organizado em
Londres uma série de protestos visando chamar a atenção para a causa de Sarsak.
Em
8 de junho, a FIFPro (em português Federação Internacional dos Jogadores
Profissionais de Futebol), que representa futebolistas profissionais de todo o
mundo, pediu a sua libertação imediata.
Juntaram-se
a esse pedido Eric Cantona, ex-jogador francês, Frédéric Kanouté, futebolista do
ano na África, o então presidente da UEFA, Michel Platini e o então presidente
da FIFA, Sepp Blatter.
Sarsak
também recebeu apoio dos futebolistas Abou Diaby, francês de origem marfinense
e Lilian Thuram, ex-atleta também francês. E fora do futebol, do diretor de
cinema britânico Ken Loach e do professor norte-americano Noam Chomsky, também
solicitaram sua liberação.
Em
14 de junho, a “Amnistia Internacional” pediu que Sarsak fosse admitido no hospital
ou libertado, sob a alegação que lhe tinha sido negado o acesso adequado a um
tratamento médico.
No
dia 14 de junho de 2012, Sarsak retomou o consumo de leite depois de se
encontrar com autoridades israelenses. Em 18 daquele mês, o advogado dele disse
ter aceito um acordo para acabar com a greve de fome em troca da liberdade.
Em
10 de julho de 2012, Israel liberou Sarsak da prisão. À sua chegada a Gaza, foi
saudada com uma cerimônia de boas-vindas, na qual dezenas de membros da Jihad Islâmica
Palestina (PIJ), presentes na cerimônia, derrubaram rifles no ar. Nafez Azzam,
um dos líderes do grupo, descreveu Sarsak como "um dos nossos membros
nobres".
As
mulheres também acenavam as bandeiras pretas da PIJ nas casas próximas. As ruas
foram decoradas com enormes fotos de Sarsak, que depois de sair de seu carro foi
carregado nos ombros e beijou e abraçou amigos e familiares.
Na
ocasião afirmou: "Esta é uma vitória para os prisioneiros e agradeço a
todos os órgãos palestinos, árabes e internacionais e pessoas que me
defenderam".
Quando
saiu, se sentiu como se tivesse nascido de novo. Ficou muito feliz em ter
liberdade e ver a família outra vez. Ao mesmo tempo ficou triste por deixar
seus irmãos sofrendo na prisão.
Três
anos de sua vida foram tirados. Ficou na prisão dos 21 aos 24 anos — alguns dos
melhores anos na vida de um jogador de futebol. Foi prejudicado em termos de
saúde e psicologicamente. Depois que saiu, demorou oito meses para ser
fisicamente capaz de tentar jogar bola novamente.
Contou
que o lobby sionista sempre tenta retratar Israel como um país civilizado, que
age de acordo com as leis de direitos humanos, que são amantes da paz e tudo
mais.
Israel
chegou a pedir a alguns países europeus para que não deixassem Sardak entrar,
dizendo que se tratava de um “terrorista”. E que eles tentam desacreditar e
silenciar qualquer palestino que surja na mídia ocidental.
Desde
a sua libertação, Sarsak procurou aumentar a conscientização sobre a
perseguição dos jogadores de futebol palestinos pelo governo israelense e se opôs
à participação do seu país no Campeonato Sub-21, realizado em Israel.
Ele
contou que os israelenses usavam técnicas de tortura diferentes para pessoas
diferentes. Eles costumavam lhe interrogar por vários dias e não o deixavam
dormir. Uma sessão chegou a durar 14 horas contínuas.
Certa
ocasião eles amarraram Sarsak numa cadeira por algumas horas com música alta
para que não conseguisse dormir. E depois as perguntas recomeçavam. Eles
queriam que o futebolista admitisse algo que não tinha feito, para justificar a
coisa toda, nacional e internacionalmente.
Em
outra oportunidade ele foi amarrado numa cadeira e o lugar transformado em
geladeira. A sala ficou numa temperatura de -12º ou -15ºC por cerca de meia
hora. Quando Sarsak já estava quase desmaiando, eles o levaram ao hospital para
ser reanimado. E começava o interrogatório de novo.
Quando
criança Sarsak tinha como seus ídolos no futebol Alessandro Del Piero, Frank
Lampard e Zinedine Zidane. Depois de se tornar jogador, ele atuou regularmente
pelo time de futebol olímpico palestino e duas vezes na seleção nacional principal,
concorrendo contra a China e o Iraque.
Sarsak
cresceu num campo de refugiados na Faixa de Gaza. Havia um clube de futebol lá,
onde treinava frequentemente. E acabou entrando no time jovem nacional da
Palestina, depois no time nacional palestino e no time olímpico. Jogava de
centroavante ou ala direita.
Existem
duas estruturas de ligas por lá, uma na Cisjordânia e outra na Faixa de Gaza
por causa da separação geográfica. A da Cisjordânia é um pouco mais organizada
e mais regular, já que há mais estabilidade por lá.
Em
Gaza, se consegue fazer um campeonato a cada quatro anos, pois são sempre interrompidos
por ataques, incursões, bombardeios e tudo mais.
Em
2009 e em 2012, Israel destruiu os estádios de futebol da Palestina. A suspeita
é de que eles queriam impedir os palestinos de mostrar uma face mais positiva e
de se integrar com a comunidade internacional.
Os
recursos são escassos e, obviamente, se torna um tanto perigoso reunir uma
grande multidão, principalmente em Gaza. Mas os palestinos são torcedores
devotados, vão aos jogos não importando o que aconteça.
Em
Gaza, há um clube grande em Rafah, no campo de refugiados de al-Shati, e outro
em Shejaia. E os palestinos são loucos pela Liga Espanhola. Metade das pessoas
torce pelo Barcelona e metade para o Real Madrid. (Pesquisa: Nilo Dias)