Nascido
em Pau Grande, no Rio de Janeiro, "Mané Garrincha" era filho de pai alagoano. Seu
Amaro dos Santos era natural de Quebrângulo, interior do Estado, e foi criado
na aldeia dos "Fulniôs", índios de origem pernambucana, mas que por conta de
perseguições foram para Alagoas em 1860.
Somente
aos 26 anos, em 1914, Amaro e a esposa foram para o Rio de Janeiro, terra onde
o bicampeão mundial nasceu, 19 anos depois. Para o autor do livro "Garrincha,a flecha Fulnio", Mário Lima, que é torcedor fanático do Botafogo, escrever sobre "Garrincha", seu grande ídolo foi uma honra.
Manoel
Francisco dos Santos, o "Garrincha", teve vários apelidos durante a vida de
jogador. “Anjo das Pernas Tortas”, “Alegria do Povo” ou simplesmente “Mané”. “Flecha
Fulniô” também se destaca, pois faz referência direta à origem indígena do
craque, até hoje usada como justificativa quando se tenta descrever o seu
espírito indomável.
As
raízes indígenas de “Garrincha” explicam muitas coisas sobre sua vida. Todos
sabem que o maior problema na vida dele foi o alcoolismo. Mas isso tem relação
direta com a cultura. Quando pequeno, tomava uma bebida na mamadeira que trazia
álcool.
As
várias mulheres que teve, os filhos, tudo isso tem no íntimo dele, a raiz
indígena. Dentro de campo, o espírito moleque, driblador, típico da capoeira. A
alegria, a felicidade e a receptividade dos índios "Fulniô" são marcas registradas
da tribo.
A seca e o calor escaldante na localidade de Águas Belas, Agreste de
Pernambuco, nunca foram empecilho para que a molecada vivesse um burburinho em
torno de uma bola de futebol, nos dois campos lá existentes, um de chão batido e outro de areia clara – que
ficam dentro da área demarcada da aldeia.
Times
formados por garotos treinam diariamente para os jogos que acontecem sempre nos
fins de semana, em disputas acirradas por um lugar nos quatro times que
representam a tribo – Guarany, Juventude, Palmeiras e Fulniô.
Alguns dos
jogadores têm pernas tortas e arqueadas, parecidas com as do seu parente mais
famoso, o chamado “Flecha Fulniô”, Manoel dos Santos, o “Mané Garrincha”.
O
curioso é que ninguém na tribo sabia da ancestralidade indígena de “Garrincha”.
A revelação só aconteceu em 1995, com a publicação do livro “Estrela Solitária
– um brasileiro chamado Garrincha”, do jornalista Ruy Castro, o maior biógrafo
de Mané.
Em
sua obra conta a importância dessa ancestralidade indígena de ”Garrincha” para
interpretar tanto a exuberância e a simplicidade de seu futebol, quanto o
comportamento avesso às normas sociais e à disciplina.
Um
mapa de Alagoas – mostrando mais especificamente a cidade de Quebrângulo, para
onde parte da tribo fugiu após uma diáspora. A família de “Garrincha” saiu de
Águas Belas, Pernambuco, para Alagoas.
Foi
em 1860 que aconteceu a diáspora dos “Fulniôs”. Com a ação dos brancos, que
queimavam aldeias e usavam das armas mais violentas, e a conivência das
autoridades, não restou outra alternativa aos membros da tribo a não ser fugir.
Vivendo
em Águas Belas, Pernambuco, a poucos quilômetros da fronteira, Alagoas parecia
o local ideal e os bisavós de “Garrincha”, foram os primeiros a deixar o lar
em busca de uma forçada – nova vida.
Depois
de passarem por Santana do Ipanema, eles logo alcançaram as proximidades de
União dos Palmares, na “Serra da Barriga”, nomeando o lugar de “Laí-Eefà”, ou
“quebro e engulo”.
O
nome soa familiar aos alagoanos e foi exatamente por lá o início da parte "Caeté" da história do jogador. E, nessa história, um dos personagens mais importantes foi
seu Amaro Francisco dos Santos, o pai de “Garrincha”.
Nascido
em Quebrângulo em 1897, ele próprio acabou por fugir também mais tarde, mas,
dessa vez, da pobreza. O destino escolhido foi o Rio de Janeiro, para onde
partiu aos 26 anos com a mulher – uma negra pernambucana chamada Carolina –, e
a primeira filha do casal, a alagoana Rosa. O convite veio por parte do irmão,
então já fixado na capital carioca.
O
irmão mais velho de seu Amaro, "Manoel Caieira", como era chamado, já tinha ido e
se fixado por lá, era gerente de uma loja de fiação de um grupo inglês, e aí
chamou a família para ir para o Rio, em “Pau Grande”, na serra fluminense, onde
morava. Quando Amaro chegou lá já tinha Rosa e, alguns filhos depois é que veio
o “Garrincha”.
Passaram-se
os anos e hoje não existe no local uma única pessoa que tenha ouvido falar
sobre isso. Sem concentrações de “Fulniôs” por lá , a única tribo de Alagoas
está fixada em Porto Real do Colégio, nas ruas a população desconhece o fato.
Nos cartórios também não há qualquer registro e nem as fotos mostradas aos mais
velhos ajudaram a desvendar o mistério.
O
cacique da aldeia em Águas Belas, João Francisco dos Santos, tinha uma explicação.
“Não admira que não se tenha encontrado nenhum documento sobre os pais dele.
Naquele tempo, índio não tirava identidade nem nada. Quem diabo gostaria de ser
índio naquela época?”.
Lembrado
ou não na localidade, para Mário Lima, autor do livro “Garrincha: A Flecha
Fulniô”, o que importa mesmo é que foi de terras alagoanas que saiu um dos maiores
craques já vistos nos campos de futebol. Todos sabem que “Garrincha” era do Rio
de Janeiro, nasceu lá, mas sua origem era “Fulniô”.
Quando
menino “Garrincha” jogava pelo menos
duas ou três peladas por dia e, aos 13 anos, já era o artilheiro nos times de “Pau
Grande” e região. A fama da infância revelava o talento para a bola, mas foi
apenas aos 20 anos, em 1953, que ele entrou para o primeiro time profissional
da carreira: o Botafogo. A convocação para a “Seleção Canarinha” não tardou e
chegou logo dois anos depois, em 1955.
Foi
no “Mundial do Chile”, em 1962 que o craque se consagrou. Jogando pelo
machucado “Pelé” e por todo o time, ele fez de tudo: cruzamentos perfeitos, gol
de cabeça e, claro, driblou brilhantemente como sempre, sendo eleito o melhor
jogador e ajudou o País a trazer o bicampeonato. E ganhou o posto de lenda
eterna do futebol.
Mas
não só por sua atuação com a camisa do Brasil o atleta ficou conhecido. Ídolo
máximo do carioca Botafogo, por lá fez 240 gols, o que lhe garantiu a colocação
de terceiro maior artilheiro do time, ficando atrás apenas de "Quarentinha" e
Carvalho Leite. Foram 12 anos atuando pela equipe, também bicampeã em 1962. A
última partida aconteceu em 1965 e, o último gol, contra o Flamengo.
Como
a vida segue por linhas tortas, a queda já vinha sendo traçada lentamente desde
1963, quando o joelho direito passou a lhe render problemas. O joelho ficava
muito machucado, mas ele jogava e não estava nem aí.
E o Botafogo foi culpado por
isso. Botava o “Mané” para jogar de qualquer jeito. Ele sofreu muita
infiltração de "Cortisona" e também nunca quis operar, preferia as rezadeiras de ”Pau
Grande”.
Apesar
da aversão, acabou tendo indo parar na sala de cirurgia e, depois disso, nunca
mais foi o mesmo. Em decadência, passou a jogador mambembe, ganhando os campos
Brasil afora.
Jogou em lugares que ninguém imagina. Em 10 anos, foram muitas às rápidas passagens em clubes de vários Estados, incluindo aí os alagoanos CSA
e ASA. Fez, ainda, incontáveis jogos de exibição como artista saltimbanco.
Segundo
se sabe, “Garrincha” passou por cerca de 60 cidades, do Espírito Santo a
Alagoas, cruzando pelo interior de Minas, Bahia e Pernambuco. “Mané” viajou de
avião, trem, carro e barco para jogar.
Em
muitas cidades, o campo era de terra batida, sem grama, como seu antigo
campinho de pelada em sua terra natal. “Garrincha” era recebido pelas
autoridades locais com quantidades industriais de cachaça e carnes típicas.
Seu
último jogo foi em Planaltina (DF), em evento organizado por Manoel Esperidião,
o “Manoelzinho”, ex-presidente do Sobradinho Esporte Clube, que guarda até hoje a
camisa e as chuteiras que o ex-craque usou na ocasião.
Em
um país que se ufana da mistura de três raças, identificar os jogadores de
origem branca ou negra é fácil. Mas rastrear as raízes indígenas de um atleta é
um trabalho de detetive.
Muitos
futebolistas foram batizados profissionalmente como "Índio", e 20
foram registrados com essa denominação pela CBF em 10 anos.
O
Brasil tem 240 povos indígenas, com 180 línguas diferentes, somando quase 900
mil pessoas, sendo que a metade delas vive nas áreas amazônicas.