Em 21 de junho de 1941, os exércitos de Hitler iniciaram a invasão a URSS. O povo soviético, indefeso, foi tomado de surpresa. O ditador Stalin havia firmado um infame “pacto de não agressão” com Hitler em agosto do ano anterior. Os nazistas avançaram quase sem obstáculos e em menos de um mês fizeram mais de um milhão de prisioneiros.
Em 23 de junho, como grande parte da população de Kiev, o goleiro Trusevich, do Dínamo, se apresentou como voluntário ao exército. E responderam que não fazia falta, que tudo estava sob controle. Em julho, começou a evacuação de parte da população civil de Kiev. Um dos centros de operações foi no estádio do Dínamo. Três jogadores, Trusevich, Makhinya e Kuzmenko, foram admitidos finalmente no exército. Outros permaneceram na cidade.
Em que pese a luta feroz do 37º Exército Vermelho, de milicianos e guerrilheiros, em 19 de setembro os nazistas haviam ocupado a capital ucraniana, que se transformou em uma cidade sangrenta e escravizada, com grande parte de sua população encarcerada em prisões e campos de trabalhos forçados.
Os alemães fizeram prisioneiros 630 mil soldados, dos 677 mil que participaram da batalha. Trusevich foi preso e enviado a Darnitsa, um campo de concentração. Isoladamente aconteciam ações de resistência. Em novembro os nazistas disseram que fuzilariam 100 ucranianos por soldado alemão morto. Ao mesmo tempo, muitos habitantes dos campos de concentração foram encaminhados ao trabalho forçado.
Prisioneiros catalogados como "inofensivos" foram libertados e passaram a integrar a população da Kiev ocupada. Os ex-jogadores do Dínamo, “Kolya” Trusevich, Alexei Klimenko, Ivan Kuzmenko, Nikolai Makhinya, Pavel Komarov, Makar Goncharenko, Fyodor Tyutchev, Mikhail Sviridovsky e Mikhail Putsin viram-se de repente em condição de miséria perambulando pelas ruas da cidade, sem ter onde morar ou como se alimentar.
Os nazistas a partir de então começaram a restabelecer a infraestrutura industrial local. Foi quando retornou ao funcionamento a Padaria Nº 3, que era na realidade uma grande fábrica, na qual 300 trabalhadores produziam diariamente mais de 50 toneladas de várias qualidades de pães. A frente dela foi colocado um cidadão tcheco, Josef Kordik, que vivia em Kiev desde a primeira guerra. Havia lutado com os alemães e se somou aos ocupantes. Mas não havia abandonado seu amor aos esportes e seu grande fanatismo pelo Dínamo.
Um dia se encontrou na rua com o goleiro Trusevich, que vivia como um mendigo, faminto e esfarrapado. E o levou para trabalhar na padaria, onde já estavam numerosos desportistas, protegidos por Kordik. E colocou em prática um sonho que tinha oculto. Na primavera de 1942, Trusevich começou a buscar seus antigos companheiros. Foi o começo do Football Club Start , que tanto em russo ucraniano quanto em inglês, significa “começo”.
Nikolai Trusevich nasceu em Odessa, na Ucrânia, em 22 de novembro de 1909. Começou a jogar futebol aos 13 anos, porém só despontou no jogo anos depois por conta de sua condição familiar. Desde muito novo, ajudava a alimentar a família, já que seu pai não conseguia trabalho. Logo conseguiu ocupação como aprendiz numa padaria e acabou se tornando mestre padeiro. O compromisso com o trabalho, o pouco convívio social e a necessidade de retomar os estudos, não deixavam que o futebol fosse prioridade na vida de Trusevich, mesmo assim, quando algum tempo sobrava, ele jogava.
Começou a carreira em sua cidade natal, no time do Pishevik, equipe formada pelos operários da indústria alimentícia local, em 1926. Em 1929 foi vendido ao Dínamo de Odessa, aonde começou a ganhar fama a nível nacional. Durante sete temporadas foi ídolo no clube por seu estilo pouco convencional e arrastava multidões quando jogava justamente por seu jeito brincalhão e exuberante.
Em 1935 transferiu-se para o Dínamo de Kiev, que era um dos melhores times da Europa na época. E foi em Kiev que teve início a carreira trágica, porém heróica, deste grande goleiro ucraniano, que era considerado uma muralha em seu tempo.
Para quem o observava ficava óbvio que o Odessa era pequeno demais para sua habilidade, já que não se restringia à pequena área. Trusevich inovou saindo da área e fazendo muitas vezes a função de zagueiro além de utilizar os pés e não as mãos em grande parte de suas defesas.
História interessante é contada quando depois de uma vitória acachapante sobre a seleção da Turquia, Trusecivh organizou um banquete surpresa para os adversários derrotados. Não que esta atitude estivesse ligada a alguma arrogância, é que Trusevich era homem de maneiras impecáveis e para que a surra em campo sobre o adversário não ficasse vista como falta de educação ou de hospitalidade por parte do povo ucraniano.
Para alegrar os visitantes, Trusevich se incumbiu de distraí-los com sua "dança do goleiro", que consistia em dobrar-se, balançar-se, esticar-se e saltar para apanhar uma bola imaginária ao som de um pot-pourri de tango e jazz. O ponto alto do "espetáculo" de Trusevich se deu quando a música parou e ele se congelou.
De repente, caiu duro para frente, mas instantes antes de tocar o chão, ele esticou os braços e num salto voltou a ficar de pé e a fazer a sua "dança do goleiro" novamente. Inevitavelmente a platéia pediu bis, e Trusevich repetiu sua dança quantas vezes foram necessárias para deixar os visitantes satisfeitos e confortáveis.
Impecável, exigente e bem sucedido em tudo o que fazia, Trusevich não ficaria marcado apenas pela inovação dentro de campo, ou pelo ímpeto de se lançar aos pés dos atacantes em divididas perigosas ou por sua amabilidade, cortesia e alegria. Os tempos de guerra com a invasão alemã e posterior ocupação de Kiev mostraria ao mundo que Trusevich era um homem determinado e filho leal da mãe Rússia.
E na padaria de Kordik se reuniam os sobreviventes que permaneciam na cidade, como Mikhail Putistin, Ivan Kuzmenko, Makar Goncharenko, Mikhail Svyridovskiy, Fedir Tyutchev, Mykola Korotkykh e Oleksiy Klimenko. A eles se somaram três integrantes do Lokomotiv Kiev: Vladimir Balakin, Mikhail Melnyk e Vasil Sukharev. Shchegotsky havia saído da cidade e lutava no Exército Vermelho, assim como Makhinya. Yatchmennnikov havia morrido num campo de concentração. Lazar Kogen havia sido fuzilado por ser judeu, e Burdukov havia desaparecido.
Todo o grupo de limpeza externa da fábrica era formado por jogadores de futebol, e desde as janelas recebiam a solidariedade de seus companheiros que lhes atiravam pães, arriscando a vida, caso fossem vistos pelos nazistas
Kordik conseguiu que as autoridades locais recomeçassem o campeonato de Kiev. Foi organizada uma liga, que era mantida por Georgi Shvetsov, antigo futebolista e técnico do Rukh. A decisão de entrar para a liga não foi fácil para os jogadores do Start. Havia entre eles os que acreditavam que participar do campeonato de Shvetsov era o equivalente a colaborar com os nazistas, que patrocinavam a liga como meio de reintroduzir a "normalidade" na cidade sitiada. Outros eram da opinião de que jogar poderia ajudar a aumentar a moral da população de Kiev.
A equipe por fim decidiu participar. Para enfatizar o fato de que estavam jogando pela cidade, os futebolistas usavam camisas de malha vermelhas, que Trusevich e Putsin haviam encontrado em um depósito abandonado. Com Trusevich a frente, e os demais jogadores do Dínamo, e vários do Lokomotiv, formou-se o F.C. Start. O único jogador do time que tinha chuteiras apropriadas era o ponta Makar Goncharenko.
Em 7 de junho começou o torneio. Como um milagre apareceu uma equipe com camisas vermelhas. Apesar do estado de debilidade física de seus integrantes, o F.C. Start venceu ao Rukh por 7 X 2. Logo depois, no novo estádio, o Zenit, derrotou a Guarnição Húngara por 6 X 2. E poucos dias depois, a Guarnição Romena, por 11 X 0. Depois aplicou 9 X 1 nos Operários da Estrada de Ferro.
O MSG, da Hungria perdeu duas vezes, 5 X 1 e 3 X 2. Um ar nervoso começou a soprar. Os alemães aumentaram o preço dos ingressos para cinco rublos, numa tentativa de afastar os ucranianos dos estádios. Mas de nada adiantou, o futebol se tornara uma das poucas, se não a única forma de diversão e de esquecimento da vida difícil que estavam levando. Continuaram a encher os estádios para torcer pelo F.C.Start.
Um dos pontos fundamentais da ideologia nazista era o controle dos meios de comunicação, através da propaganda oficial e da destruição da imprensa livre. E na Ucrânia não foi diferente. Após a tomada de Kiev, um único jornal continuou aberto na cidade, o "Nova Ukrainski Slovo".
No início da retomada do futebol, quando o esporte era apoiado pelos alemães, o diário dedicava um bom espaço à apresentação das partidas. No dia seguinte, porém, relegava as vitórias do Start aos pés de alguma coluna de menor visibilidade. (Pesquisa: Nilo Dias)
O time do F.C. Stuart.
Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
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