Nos anos 50 os grandes clubes do futebol brasileiro realizavam longas e cansativas excursões por gramados de todo o mundo, principalmente da Europa. Santos, Vasco da Gama, Flamengo, Botafogo e outros tinham mercado garantido para exibições em qualquer continente. Assim, quando terminavam os campeonatos regionais começavam as longas excursões em busca de dinheiro.
E no meio dos “grandes”, muitas vezes alguns times pouco conhecidos, atraídos por empresários nem sempre confiáveis, se enveredavam mundo afora em excursões que nem sempre acabavam bem, se transformando em verdadeiras e trágicas aventuras.
Foi o caso do Bela Vista Futebol Clube, da pequena cidade mineira de Sete Lagoas, que protagonizou um dos maiores vexames já dados por um clube de futebol brasileiro em todos os tempos. Em 1958 o pequeno time interiorano de Minas Gerais, aproveitando o prestígio adquirido pelo nosso futebol, com a conquista do Mundial da Suécia, achou um jeito de organizar uma excursão por gramados da Europa.
O Bela Vista partiu para o desconhecido levando apenas 16 jogadores, o técnico Orlando Rodrigues e o jornalista Roberto Silveira, este como chefe da delegação. O embarque se deu no Rio de Janeiro com direito a fotos e reportagens da imprensa carioca.
A direção do clube nem mesmo sabia do nível dos adversários e muito menos da quota que receberia por jogo. Segundo o empresário Roberto Fauszlinger seria um mínimo de 30 jogos, todos contra times pequenos. Mas não foi bem assim. No dia 3 de agosto o time mineiro realizou seu primeiro jogo pelo “Velho Mundo”, enfrentando em Marseille, na França o Olympique e perdendo por 3 X 1.
O pior estava por vir. O segundo jogo foi no dia 7, nada mais, nada menos contra o temido Real Madrid, da Espanha, na época considerado o melhor time europeu. O Estádio Santiago Bernabeu superlotou para ver o campeão brasileiro, pois assim o Bela Vista foi apresentado. Acreditem o jogo foi disputado palmo a palmo e os espanhóis venceram por um minguado 2 x 1, com o gol da vitória feito de pênalti duvidoso no finalzinho da partida.
Depois o Bela Vista realizou uma série de jogos por gramados da Alemanha e Suíça. Dia 09, perdeu na cidade de Aachen por 2 X 1 para o Alemmania. No dia seguinte, a primeira vitória, 3 X 2 sobre o Lausanne Sports, em Lausanne, Suíça. O resultado deu um novo alento aos jogadores e dirigentes. Mas no dia 13, em Dusseldorf, na Alemanha outra derrota, 2 X 0 para o Fortuna, resultado que se repetiu no dia 20, em Lubeck, na Alemanha, quando perdeu para o VFB.
A reabilitação aconteceu um dia depois, quando o Bela Vista bateu o Heider SV, da cidade alemã de Heider, por 1 X 0. No dia 23, em Zurique, na Suíça, derrota de 2 X 1 para o Grasshoppers. No dia 2 de setembro, depois de quase um mês fora de casa, o Bela Vista se deslocou até a Itália, onde perdeu de 3 X 2 para o Bologna. De volta a Alemanha, um empate em 1 X 1 com o Combinado Rotation-Locomotiv, em Leipzig.
A primeira parte da excursão foi completada com estes jogos: 12/09, Bela Vista 1 x 4 Tennis Borussia, em Berlin, Alemanha; 16/09, Bela Vista 1 x 2 Alliancen, em Copenhague, Dinamarca; 17/09, Bela Vista 3 x 5 Holstein, em Kiel, Alemanha; 20/09, Bela Vista 0 x 3 Werder Bremen, em Bremen, Alemanha; 21/09, Bela Vista 0 x 1 Concordia Hamburg, em Hamburg, Alemanha; 23/09, Bela Vista 0 x 2 Eintracht, em Braunschweig, Alemanha; 25/09, Bela Vista 0 x 6 Blan Witt, em Amsterdã, Holanda e no 29/09, Bela Vista 0 x 5 Birminghan City, em Birminghan, Inglaterra.
Na segunda parte da excursão é que os problemas maiores se apresentaram, e o vexame se acentuou. Os jogadores Assis e Marinho, emprestados pelo Vasco da Gama, do Rio de Janeiro abandonaram a delegação ainda na Espanha, não resistindo ao assédio de clubes europeus. Deixaram apenas um bilhete: “A boca aqui é boa. Adeus que nós vamos nela.”
Os dirigentes não estavam nem ai para os resultados dentro de campo, preferindo passar a maior parte do tempo em hipódromos franceses. Desgostoso, o técnico Orlando Rodrigues também caiu fora.
Quem assumiu o comando do time foi o veterano jogador Gaia. Já na sua estréia no cargo, no dia 1 de outubro um fiasco monumental, uma goleada de 12 X 1 para o Newcastle, perante 25 mil pessoas que foram ver o “campeão do Brasil”. O Bela Vista mandou a campo esta equipe: Adelmar – Izaias e Gaia – Toledo – Salvatore e Edésio – Marin – Nenem – Jorginho – Zico e Murilinho.
Diante disso, o sinal vermelho acendeu no Brasil. O Conselho Nacional de Desportos (CND) pediu para que o clube voltasse imediatamente para o Brasil, o que foi descartado pelo dirigente Ronaldo Pontes, que alegou a existência de um contrato autorizado pelo próprio CND, e em razão disso o Bela Vista iria honrar os compromissos assumidos.
Foi preciso que o Itamarati interviesse, cassando a sua licença de funcionamento, para que finalmente o Bela Vista concordasse em retornar ao Brasil. Antes da viagem de volta, o clube mineiro ainda jogou mais quatro partidas: 6/10, Bela Vista 0 x 4 Middlesborough, em Middlesborough, Inglaterra; 08/10, Bela Vista 0 x 4 Sheffield United, em Sheffield; 13/10, Bela Vista 0 x 8 Lutton Town, em Lutton, Inglaterra e 14/10, Bela Vista 1 x 3 Tottenham Hotspur, em Londres, Inglaterra.
Como não havia lugares suficientes no avião na data marcada para o retorno, os mineiros ainda realizaram outros dois jogos, cujos resultados são desconhecidos. Provavelmente, outras duas goleadas.
Na chegada a Sete Lagoas, uma grande surpresa. Embora a vergonhosa campanha e o retorno forçado, a delegação do Bela Vista foi recebida com festa. Uma multidão tomou conta das ruas da cidade para ovacionar o time, com direito a desfile de caminhão e foguetório. Uma faixa resumiu todo o sentimento da gente do lugar: “Falem mal, mas falem do Bela Vista”.
A fatídica excursão do Bela Vista teve este saldo: 23 jogos, 2 vitórias, 2 empates, 19 derrotas, 18 gols assinalados e 78 gols sofridos. A performance da equipe mineira foi alvo de chacota da imprensa brasileira e internacional.
Ninguém sabe explicar como o empresário Roberto Fauszlinger foi parar em Sete Lagoas, onde acertou com o time uma excursão por vários países europeus, aproveitando o auge do prestígio do futebol brasileiro. O espertalhão contratou os jogos apresentando o Bela Vista como “campeão brasileiro”, garantindo com isso altas cotas. E ficou com o grosso do dinheiro, deixando para o clube mineiro menos de 10% dos lucros.
O Bela Vista recebeu uma cota fixa de Cr$ 35 mil por jogo, somando ao final da excursão Cr$ 805.000,00. Para se ter uma idéia da exploração, no jogo contra o Real Madrid o empresário embolsou Cr$ 365 mil, e contra o Birminghan, da Inglaterra, quase Cr$ 500 mil. Ainda quando o clube estava na Inglaterra, o esperto empresário desapareceu levando consigo uma verdadeira fortuna.
Ainda assim, o clube honrou seus compromissos e não deu calote em ninguém. Prova que a conduta foi exemplar é que o chefe da delegação obteve atestados de boa conduta dos hotéis onde o clube se hospedou. Todos trouxeram presentes: máquinas de escrever, câmaras fotográficas, rádios portáteis etc.
O Bela Vista F.C., fundado em 21 de abril de 1930 encerrou suas atividades em 1987. Até 1999, disputou campeonatos municipais e regionais. Hoje o clube mantém o trabalho na base, disputando o campeonato mineiro nas categorias infantil e juvenil, mas mantém inativo o departamento de futebol profissional. (Pesquisa: Nilo Dias)
A Delegação do Bela Vista F.C. no embarque para a Europa, em 1958. (Foto: Divulgação)
COMENTÁRIOS DE LEITORES
Beto disse...
Ola nilo meu nome é Beto. Não sei se você pode me ajudar ,mas espero que sim.Eu tenho em mãos uma medalha que pertenceu a Cyro Aranha. Essa medalha é da época de 1946, do campeonato Sulamericano em Buenos Aires. É linda e eu acredito que tenha valor, mas não sei como descobrir isso. Se você puder me ajudar entre em contato pelo meu e-mail: beto.barrero@hotmail.com
Obrigado e aguardo sua resposta.
2 de fevereiro de 2010 19:14
Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
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