O
ABC Futebol Clube, de Natal (RN) comemorou seu centenário no último dia 29 de
junho. Surgido em 1915, quando a capital do Rio Grande do Norte era apenas uma
cidade pacata e provinciana, com uma população estimada em 27 mil habitantes, o
ABC se tornou ao logo dos anos a maior e mais querida agremiação futebolística
do Estado e recordista mundial em conquistas de títulos estaduais.
Quando
o ABC surgiu o termo prefeito ainda não existia, havia o intendente municipal
de Natal, que era o comerciante e abolicionista Romualdo Galvão. Um ano antes,
o Rio Grande do Norte havia elegido pela primeira vez pelo voto direto, um
governador, que foi o magistrado Joaquim Ferreira Chaves, que acabou com a
oligarquia dos Albuquerque Maranhão em terras potiguares.
As
diversões em Natal eram restritas apenas ao “Cine Politheama”, do “seu Leal”,
ao “Cine-Teatro Carlos Gomes”, hoje “Teatro Alberto Maranhão”, as festas
religiosas, um futebol ainda muito primitivo e o circo do “seu” Striguini, que
vez por outra aparecia por lá. Em termos de esportes não havia vôlei, nem
basquete. Nem concursos de misses, nem biquínis e nem “brejeiras”.
Os
homens tinham palavra e prezavam a sua honra, e o nosso “Réis” era moeda forte,
conforme disse o ex-presidente do ABC, médico José Tavares, em conferência
proferida por ele na comemoração do 44º aniversário do clube, em 1959.
Nesse
cenário de pequena e melancólica cidade, foi que na tarde de 29 de junho de
1915, um grupo de jovens, entre eles alguns praticantes de remo, fundou o ABC
Futebol Clube.
A
reunião ocorreu no casarão do coronel Avelino Alves Freire, respeitado
comerciante e presidente da Associação Comercial do Rio Grande do Norte,
situado na Avenida Rio Branco, no bairro da Ribeira, com frente para os fundos
do então “Cine-Teatro Carlos Gomes”.
Estiveram
na reunião e foram considerados fundadores do ABC os seguintes desportistas:
João Emílio Freire, filho do coronel Avelino Freire, e eleito por unanimidade
como o primeiro presidente do ABC; o
próprio coronel Avelino Alves Freire; Avelino Alves Freire Filho, conhecido
como “Lili”, também filho do coronel Avelino e primeiro goleiro do alvinegro
potiguar; Alexandre Bigois; Arary Brito; Artur Coelho; Álvaro Borges; Antônio
Alves Ferreira; Cipriano Rocha Filho; Carlos Noronha; Cícero Aranha; Francisco
Deão; Francisco Antônio; Frederico Murtinho Braga; Francisco Mororó; José
Potiguar Pinheiro; José Cabral de Macedo, o “Tarugo”; Júlio Meira e Sá; Josafá
dos Santos; João Cirineu de Vasconcelos, o “Baluá”; João dos Santos Filho; José
Pedro, o “Pé de Ouro”; José Aurino da Rocha; Luiz Nóbrega; Manoel Dantas Moura;
Manuel Dantas Cavalcanti; Manoel Avelino do Amaral; Manoel Bezerra da Silva, o
“Paraguay”; Marciano Freire; Mário Eugênio Lira; Silvério Carlos de Noronha e Solon
Rufino Aranha.
Na
mesma reunião foi escolhido o nome do clube, que por sugestão de José Potiguar
Pinheiro, passou a se chamar ABC Futebol Clube, aprovado por unanimidade.
O
conjunto de letras ABC prestou uma homenagem ao “Pacto de Amizade Fraternal,”
amparado diplomaticamente pelos países Argentina, Brasil e Chile, assinado em
1903. A escolha do nome veio revelar a preocupação social dos jovens rapazes,
apesar da maioria pertencer à alta sociedade natalense.
A
primeira Diretoria, escolhida também naquela data, ficou formada por João
Emílio Freire, presidente; José Potiguar Pinheiro, vice-presidente; Manoel
Dantas Moura, 1º secretário; Solon Rufino Aranha, 2º secretário; Avelino Freire
Filho, tesoureiro e José dos Santos, diretor de esportes. Essa equipe diretiva ficou
à frente do ABC, no período de 29/06/1915 a 03/06/1916.
O
pesquisador natalense, Procópio Netto, autor do livro “Os Esportes em Natal”,
de 1991, revela que o primeiro jogo do ABC Futebol Clube aconteceu em 20 de
setembro de 1915, contra o Natal Esporte Clube. O placar foi uma histórica
goleada do ABC por 13 X 1. Não existem maiores detalhes na imprensa local sobre
esse jogo.
Já
a segunda partida do ABC mereceu
registro no jornal “A República”. O “match” aconteceu no dia 26 de setembro de
1915, às 16 horas, no “ground” da “Vila Cincinato”, contra o América, o seu eterno
e mais tradicional rival.
Nova
goleada do ABC, dessa feita por 4 X 0. O jornal noticiou que o ABC utilizou seu
segundo quadro, enquanto o América contou com seu primeiro quadro.
O
2º “team” do ABC estava assim distribuído: Avelino (Lili) – Batalha, Borges -
Cabral (Tarugo) – Paraguay – Freire – Bigois – Moacyr – Mandu - Nóbrega e
Mousinho. Reservas: Baluá, Elissozio e Bill.
O
1º “team” do América com Siqueira I – Lélio – Gato – Carvalho – Galo – Antônio
– Barros - Siqueira II – Neco - Garcia e Pipio. Reservas: Revorêdo, Lopes e
Tupy.
Atuou
como referee, assim era chamado o árbitro, Júlio Meira e Sá; referees de linha
Manoel Gomes e Aguinaldo Fernandes; referees de goal, que ficavam atrás das
traves, Sérgio Severo e Araty Brito. Os gols do ABC foram marcados por Mousinho
(dois), Mandu e Baluá
O
casal Vicente Farache Netto (1902-1967) e Maria do Rosário Lamas Farache
(1906-1949), teve imensa importância na vida do clube. Durante quase 15 anos,
enquanto foram casados, de 1935 a 1949, ano da morte de Maria Lamas, o casal
protagonizou um verdadeiro caso de amor com o ABC.
Vicente
Farache, natural de Natal e filho do italiano José Farache e da brasileira
Maria Carmina Farache, era um homem de posses, visto seu pai ter sido um
comerciante de prestígio no início do século XX.
Vicente
também jogou no seu clube de coração, quando tinha 18 anos. Foi um ponteiro
direito bastante limitado, que fez parte do time que conquistou o primeiro
título de campeão potiguar.
Consciente
de que o futebol não era o seu forte, dedicou-se ao comércio e concluiu o curso
de Direito, no Rio de Janeiro, em 1927. Anos depois foi promotor público em
Natal, e membro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte.
Quando
voltou a Natal, em 1928, não quis mais saber de jogar, dedicando-se à condição
de dirigente, onde mostrou muita competência, fazendo jus ao título de patrono
do clube. Como diretor técnico foi deca campeão potiguar, de 1932 a 1941.
Ele,
igualmente foi responsável pela vinda de grandes jogadores para o ABC, entre os
quais “Xixico”, primeiro grande ídolo do clube, vindo do Ceará, “Dequinha”, que
brilhou no Flamengo, do Rio de Janeiro e o grande ídolo Jorginho Tavares, todos
de Mossoró.
Vicente
foi bem mais que um dirigente. Era ele que contratava, dispensava, treinava,
pagava os salários, empregava jogadores em suas duas lojas na Ribeira, a de
sapatos e tecidos “Vicente Farache Netto” e uma joalharia, além de hospedar e
alimentar os atletas em dias das partidas, e ainda, comprar o material de
treino e de jogo.
Para
isso, contou com a ajuda dos quatro irmãos, principalmente de Antônio, o
“Tonho” Farache, que com o seu antigo “Ford” transportava os jogadores para
onde fosse necessário.
Mas,
sem dúvida, o grande lastro de Vicente Farache foi a sua esposa, a chilena
Maria Lamas Farache, filha do casal de palestinos Elias e Mercedes Lamas
radicalizado no Chile, que por amor ao marido entregou-se de corpo e alma à
causa abecedista.
Ela
tinha o jeito de um italiano carrancudo, mas era gentil. Só não admitia que
alguém falasse mal do ABC na frente dela, aí virava um bicho.
Vicente
vivia para o clube, mas dona Maria era quem cuidava de tudo dele e também fazia
muito pelo ABC, diz Maria Clotilde da Costa Rodrigues, 89 anos, a “dona
Clotilde”, que por 18 anos, de 1937 a 1955, trabalhou na Relojoaria Farache, na
Ribeira, pertencente aos irmãos Farache.
Assim
como Vicente, Maria Lamas veio de uma família bastante conceituada em Natal,
proprietária de respeitadas casas comerciais no tradicional bairro da Ribeira,
a “Chilenita” e o “Armazém Elias Lamas”.
A
família Lamas foi responsável, juntamente com a família Lamartine, pela
introdução em Natal, de um dos esportes mais elitizados: o tênis. Nem por isso,
deixou de seguir o marido servindo ao ABC no que fosse possível.
O
ABC divide com o América, de Belo Horizonte, a condição de recordista
brasileiro de títulos consecutivos, o “deca campeonato” estadual, conquistado
entre 1932 e 1941. A façanha está devidamente registrada no “Guiness Book of
Records”. Já o América das “Alterosas” foi 10 vezes campeão entre 1916 e 1925.
Os
deca campeões pelo ABC Futebol Clube, de 1932 a 1941, foram estes: Tarzan,
Diógenes, Edgar, Nené, Daniel, Nunes, Jônatas, Bicudo, Zé Maria, Pedrinho,
Albano, Mário Mota, Pageú, Vilarim, Nezinho 1º, Nezinho 2º , Netinho, Cesário,
Neguinho, Nenéo, Gageiro, Joãozinho, Zé Lins, Tico, Saravotti, Enéas, Barbalho,
Paulino, Elias, Xixico, Dorcelino, Adalberto, Pereirão, Augusto Lourival, Mário
Crise, Soldado, Romano, Arlindo, Zeca, Hermes, Acácio, Valter, Teixeira,
Osvaldo, Edvard, Nepó e Novinho. Técnico: Vicente Farache nos 10 títulos.
Em
1973, a equipe bateu outro recorde, até hoje inigualável e digno de presença no
“Guinnes Book”. Durante 108 dias, o time excursionou pela Europa, Ásia e
África, se transformando no clube de futebol a permanecer maior tempo fora do
Brasil, um feito que entrou para história do esporte nacional.
A
delegação alvinegra deixou Natal em 17 de agosto e retornou no dia 6 de
dezembro do mesmo ano, 112 dias contando viagens aéreas e terrestres.
A
excursão só aconteceu porque o clube estava suspenso por dois anos, pela então
Confederação Brasileira de Desporto (CBD), hoje CBF, por ter utilizado dois
jogadores irregulares, Rildo e Marcílio, em um jogo contra o Botafogo (RJ),
pelo “Brasileiro” de 1972.
A
excursão, em termos esportivos foi um sucesso. Em 24 partidas contra times e
seleções dos três continentes, o ABC conseguiu sete vitórias, 12 empates e
apenas cinco derrotas. Foram 30 gols a favor e 21 contra.
Para
se ter uma ideia do que fez o ABC, nas últimas 14 partidas o time se manteve
invicto, enfrentando Seleções como da Romênia, Somália, Etiópia e Líbano. No
time, jogadores categorizados como Sabará, Maranhão, Alberi, Danilo Menezes e
Jorge “Demolidor”. A maior goleada da excursão foi sobre a seleção Etíope de
Novos, 6 X 2.
Os
atletas que participaram da excursão foram os goleiros Veludo, Erivan, Floriano
e ainda Sabará, Edson, Telino, Walter Cardoso, Anchieta, Wagner, Soares,
Baltazar, Valdecy Santana, Maranhão, Libânio, Alberi, Morais, Danilo Menezes e
Jorge “Demolidor”, este o artilheiro, balançando as redes adversárias 10 vezes.
O
chefe da delegação foi Jácio Fiúza e formada ainda pelo técnico Danilo Alvim, o
supervisor José Prudêncio Sobrinho, o médico Sérgio Lamartine, o fisicultor
Sebastião Cunha, o massagista Zózimo Nascimento e o jornalista Celso
Martinelli, da Rádio Cabugi, que gravava os jogos, reproduzidos depois em Natal
para os torcedores saudosos da equipe no outro lado do Atlântico.
Os
jogos da excursão foram estes: 29/08: ABC 1 X 0 Fenerbahce, da Turquia, gol de
Morais; 31/08: ABC 2 X 3 Altaye, da Turquia. Gols do ABC, Alberi e Jorge
“Demolidor”; 02/09: ABC 0 X 0 Manissa, da Turquia; 06/09: ABC 0 X 2
Panathinaikos, da Grécia; 10/09: ABC 0 X 0 Kastoria, da Grécia; 15/09: ABC 1 X
1 Seleção da Romênia. Gol do ABC Jorge “Demolidor”; 17/09: ABC 3 X 3 Arges
Pitesti, da Romênia. Gols do ABC, Danilo Menezes, Jorge “Demolidor” e Morais;
19/09: ABC 0 X 1 Craióva, da Romênia; 23/09: ABC 0 X 4 Rapid DFC, da Romênia;
09/10: ABC 0 X 2 Constanza, da Romênia ;
14/10: ABC 1 x 0 Zeljaznicar, da
Iugoslávia. Gol de Jorge “Demolidor”; 17/10: ABC 0 X 0 Bugoyno, da Iugoslávia; 20/10: ABC 0 X 0
Bor, da Iugoslávia; 04/11: ABC 1 X 1 Seleção do Líbano. Gol do ABC, Jorge “Demolidor”; 08/11: ABC 6 X 2 Seleção
de Novos da Etiópia. Gols de Alberi (2), Jorge “Demolidor” (2), Danilo Menezes
e Libânio; 11/11: ABC 0 X 0 Seleção da Etiópia; 16/11: ABC 3 X0 Horsed, da
Somália. Gols do ABC, Alberi, Libânio e Soares; 18/11: ABC 4 X 0 Kifnave, da Somália.
Gols do ABC, Alberi, Libânio, Valdeci e Anchietas; 21/11: ABC 1 X 1 Seleção da
Somália. Gol do ABC, Alberi; 23/11: ABC 2 X 0 Seleção de Uganda. Gols do ABC,
Alberi e Anchieta; 25/11: ABC 0 X 0 Express, de Uganda; 27/11: ABC 4 X 0 Arms,
da Uganda. Gols do ABC, Jorge “Demolidor” (2), Alberi e Walter Cardoso; 29/11:
ABC 1 X 1 Norogoró, da Tanzânia. Gol do ABC, Jorge “Demolidor” e em 30/11: ABC
0 X 0 Seleção da Tanzânia.
O
centenário do ABC foi comemorado no Estádio “Frasqueirão” com grande número de
torcedores e autoridades presentes a “Missa em Ação de Graças”, celebrada pelo padre
Murilo, que fez questão de entoar o hino do clube, que fez eco pelas galerias
da praça de esportes.
Entre
às várias personalidades do mundo esportivo do Rio Grande do Norte que estiveram
presentes, destacaram-se o ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, o
senador Garibaldi Alves Filho, o governador Robinson Faria, prefeito de Natal
Carlos Eduardo Alves e o presidente da Federação Norte-riograndense de Futebol
(FNF), José Vanildo. (Pesquisa: Nilo Dias)
ABC, deca campeão potiguar.(Foto: Arquivo do clube)