Morreu
hoje aos 84 anos de idade, no Asilo Guillermo Rawson, em Buenos Aires,
Argentina, onde morava há vários anos, Hilda Maia Valentim, também conhecida
por “Hilda Furacão”.
Segundo
a assistente social que a acompanhava, Hilda sofria de problemas respiratórios
e renais, mas morreu de "morte natural". Era natural de Recife, onde
nasceu no dia 30 de dezembro de 1930.
Ainda
muito pequena foi morar com a família em Belo Horizonte. Na juventude,
tornou-se famosa, em seu meio, como a prostituta "Hilda Furacão". O
nome se deveu a sua reputação de mulher “braba”, que brigava por quase nada com
seus clientes e colegas.
Ela
ficou famosa ao virar personagem do livro “Hilda Furacão”, de autoria do
escritor Roberto Drummond, falecido em 2002, que virou minissérie, da TV Globo,
exibida em 1998, com Ana Paula Arósio no papel principal.
O
romance de Hilda com Paulo Valentim teve início na Belo Horizonte dos anos
1950, quando o jogador atuava pelo Atlético Mineiro, junto de outros craques
famosos como “Kafunga”, “Mão de Onça”, Murilo e Haroldo. Boêmio inveterado,
Paulo Valentim gostava de frequentar casas de prostituição na capital mineira.
Foi
no “Hotel Maravilhoso”, na rua Guaicurus, que o ponteiro-direito e “Hilda
Furacão” se conheceram. Quase todos os dias, após os treinos e jogos, Paulinho,
como era carinhosamente chamado pelos companheiros de time, tomava o rumo dos
bares da zona boêmia.
Certa
noite, depois de beber algumas cervejas na mesa com Hilda, foi até o quarto
dela, encantando-se com seus carinhos, passando a procura-la sempre que tinha
oportunidade. Nos primeiros tempos até que não era ciumento, tanto que ficava
jogando cartas e bebendo, esperando que ela ficasse disponível para ele
Passado
algum tempo as coisas mudaram. Suas costumeiras bebedeiras quase sempre
acabavam em brigas. Passou a ter um ciúme doentio da amante, tanto que além de
bater naqueles que via como rivais, quebrava tudo o que via pela frente nos botecos.
É
claro que os dirigentes do Atlético não estavam gostando nada disso. Tanto é
verdade que virou um problema. Foi por isso que o “Galo” o vendeu para o
Botafogo, em 1957. O alvinegro carioca era treinado por João Saldanha e tinha
no elenco “feras” como Didi, Garrincha, Amarildo, Nilton Santos e Zagallo.
Paulo
Valentim foi para o Rio de Janeiro, mas seu pensamento não sai de Belo
Horizonte, na zona boêmia, em que “Hilda Furacão” residia. Volta e meia o
craque dava uma escapada de “General Severiano” e ia de ônibus se encontrar com
a amada.
Muitas
foram as vezes em que atrasou o retorno ao Rio de Janeiro, o que obrigava algum
dirigente do time carioca viajar até Belo Horizonte para buscá-lo e o levar de
volta, quase à força.
A
paixão tomou conta dele por inteiro, tanto que não conseguia mais longe de
Hilda. Foi por isso que tomou a decisão de pedi-la em casamento e leva-la para
sua cidade natal, Barra do Piraí (RJ). Um dos padrinhos de casamento foi o
técnico João Saldanha. Em meio a cerimônia, o padre ficou sabendo do passado
pouco recomendável da noiva e resolveu dar-lhe uma descompostura. Fez um
sermão, aconselhando-a a largar a chamada “vida fácil”.
Foi
o que bastou para Paulo Valentim enfurecer e partir sobre o padre. Ele não
admitia que que alguém falasse no passado de sua mulher. Não fosse a turma do
“deixa disso”, entre os quais se encontrava João Saldanha, o padre teria levado
uma tremenda surra.
Apesar
de tudo, a carreira futebolística de Paulo Valentim foi vitoriosa. Conseguiu
chegar à Seleção Brasileira. Em 1959, num jogo frente o Uruguai, pelo
Campeonato Sul-Americano disputado na Argentina, aconteceu uma briga
generalizada, ainda no primeiro tempo.
Eu
lembro desse jogo. Já morávamos em Pelotas e eu escutei tudo pelo rádio. Paulo
Valentim, segundo contam, é claro, com algum exagero, sozinho, bateu em todo o
time uruguaio.
O
Brasil ganhou por 3 X 1, de virada. No outro dia as manchetes dos jornais
falavam mais sobre a briga, do que o resultado do jogo. Os argentinos colocaram
Paulo Valentim nas alturas. O Boca Juniors passou a se interessar por ele, e o
comprou por uma verdadeira fortuna.
Vestindo
a camisa azul e amarela do time de “La Bombonera” virou herói. Graças aos seus
gols o Boca Juniors ganhou os títulos nacionais de 1962 e 1964.
Paulo
Valentim e Hilda ostentavam uma vida de luxo em Buenos Aires. O apartamento em
que moravam era alugado pelo Boca Juniors e tinha até paredes cobertas de
veludo. O carro do casal era um “Impala”, presente do clube.
Era
comum ver o casal nos melhores restaurantes. Tudo corria bem para eles. Veio o
primeiro filho, Ulisses, que foi alfabetizado em espanhol. Com o decorrer dos
jogos a fama de Paulinho só fez crescer. Era respeitado pelos colegas de clube,
que faziam questão de sair com o casal.
Mas
nada é eterno. Valentim voltou a beber, e isso teve influência no seu
rendimento dentro de campo. O futebol já não era mais o mesmo, por isso o Boca
concordou que ele se transferisse para o São Paulo.
Viajou
para a capital paulista sem a mulher, que ficou em Buenos Aires cuidando da
casa e do filho, Ulisses. A passagem pelo tricolor paulista foi curta. Menos de
um ano.
Como
tinha criado fama pelos bons tempos de artilheiro, especialmente na América
Latina, acabou indo para o Atlante, da Cidade do México. Hilda foi com ele.
Tinha esperança de que os bons tempos, os carros de luxo, casa boa e comida
farta voltassem.
Ledo
engano, Valentim estava velho. Nos dois anos em que esteve lá não conseguiu
jogar como antes. Começaram as reclamações dos torcedores. O futebol parecia
tê-lo abandonado. O Atlante não o quis mais. Valentim voltou para Buenos Aires
bem pior do que saiu. Estava tomado pelo vicio do álcool.
O
Boca Juniors continuou a lhe pagar a moradia, mas agora uma casa pequena, sem o
luxo de antes. E um emprego de técnico das divisões de base. Tudo mudou, era
outra vida bem diferente daquela dos tempos de fama. Hilda dava atenção ao
filho, enquanto Valentim tentava fazer dele um jogador. Ele estava no time
infantil, mas não tinha o futebol esperado.
Dispensado
do Boca Juniors, a vida piorou. Além da bebida passou também a jogar cartas.
Ainda bem que o filho Ulisses já trabalhava e passou a ajudar a família, que
morava em casas emprestadas, geralmente por pessoas ligadas ao Boca, que nunca
abandonaram o ídolo.
Em
9 de julho de 1984, Paulo Valentim deixou este mundo, em consequência da
bebida. O Boca Juniors bancou o sepultamento no “Cemitério de Chacaritas”.
Apesar do tempo sem jogar, não foi esquecido pela torcida que compareceu em
peso a um dos maiores funerais da história de Buenos Aires.
O
Boca Juniors ainda o eternizou, ao mandar construir no Estádio de “La Bombonera”,
uma “estrela em bronze”, homenageando o grande ídolo.
Com
a morte de Paulinho, Hilda passou a depender unicamente do filho, Ulissses, que
mostrava grande dedicação a mãe. Mas como não há nada que não possa ficar pior,
Ulisses descobriu que estava com diabetes. Arrasado, tentou o suicídio tomando
fungicidas.
Nos
momentos de angústia, chegou a escrever uma carta à companheira, Teresa Ignes
Rodríguez, pedindo desculpas pelas vezes que a traiu. E a sua mãe, a quem
reiterava a paixão, o amor. Mas ele sobreviveu.
Em
2013, a diabetes acabou matando Ulisses. Outra vez foi o Boca Juniors quem ajudou
Hilda. O clube soube reverenciar o nome de um ídolo, não o abandonando e nem a
família em momento algum. Gestos nobres de seus dirigentes.
Depois
da morte do marido e do filho, Hilda Maia Valentim passou a viver amparada pela
municipalidade de Buenos Aires, interna no “Hogar Dr. Guillermo Rowson”, onde
foi localizada pelo jornalista Ivan Drummond, do jornal “O Estado de Minas”, sobrinho
do escritor Roberto Drummond.
Uma
assistente social brasileira ajudou Ivan a elucidar a história da paciente. Em
agosto de 2014, a reportagem do “Fantástico”, da Rede globo, foi até o asilo e
conversou com Hilda, que na época estava com 83 anos.
Já
não era mais nem sombra da mulher que o imaginário de leitores e
telespectadores brasileiros criou e que atravessou décadas. A “Hilda Furacão”, criada
por Roberto Drummond, era apenas uma triste lembrança.
Hilda e Paulinho Valentim.