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quinta-feira, 25 de julho de 2019

Tramways, o “Furacão elétrico" pernambucano

O Tramways, time que era sustentado pela “Pernambuco Tramways and Power Company Limited”, que explorou os serviços de energia elétrica e de bondes do Estado durante 50 anos (1912 até 1962), e que está desativado há muito tempo, conseguiu uma façanha, até hoje não igualada: é o único clube que conquistou de maneira invicta um bi-campeonato estadual, nos anos de 1936 e 1937.

A empresa inglesa foi responsável pela transição dos bondes puxados por burros para os elétricos, na primeira metade do século 20. Daí, a equipe de futebol também ser conhecida como os “elétricos”.

O clube disputou por sete anos o principal “Campeonato Pernambucano”. E nesse período causou muitos estragos aos seus adversários mais fortes, o chamado “trio de ferro”, Sport, Náutico e Santa Cruz, além do América, que na época gozava de prestigio. Mas desapareceu da mesma forma como surgiu, rapidamente, e por isso ganhou o apelido de “Furacão”.

Os jogadores eram funcionários da Companhia. Domingos, Furlan e Rubinho, despachavam no escritório central, que ficava na esquina da Rua Aurora com a Princesa Isabel.

O ponteiro Olívio trabalhava na seção de energia. O goleiro Zé Miguel ficava até altas horas da noite como chefe de quarto do departamento de luz. Já “Sopinha”, “Guaberinha”, “Paisinho” e Faustino exerciam outras funções na empresa.

Alguns desses jogadores também atuavam em times de bairros, na “Liga Suburbana”, que era muito forte na época. Casos de Zé Miguel, Olívio, “Paisinho” e “Quetreco”.

Os “Elétricos” disputaram sete estaduais, de 1935 a 1941. O primeiro título, em 1936, foi tumultuado. Mesmo faltando 16 jogos para o campeonato acabar, os clubes e a “Federação Pernambucana de Desportos” resolveram encerrar o certame.

Mesmo com uma campanha muito superior a dos rivais, com sete pontos a mais do que Náutico e Santa Cruz, ainda ficou a dúvida se o time teria fôlego para se manter na ponta.

Sua última partida foi contra o Sport, a quem venceu por 3 X 2, com dois gols de “Sopinha” e um de Olívio. Foram 11 vitórias e dois empates.

O time campeão de 1936 tinha essa formação: Zé Miguel – Domingos – Jorge. Zezé – Faustino e Furlan. Alcides – Bermudes – Sopinha – Quatreco e Olívio.

No ano seguinte, os “Transviários” fizeram uma campanha ainda mais arrebatadora, para dizimar quaisquer dúvidas: 14 vitórias e apenas um empate, 64 gols marcados e 16 levados.

A prova da superioridade do Tramways foi a goleada aplicada no Sport, por 5 X 2, no jogo que ratificou o título. Olívio, Navarra, Alcides, Quetreco e Sopinha “Elétricos”.

Só utilizando atletas “prata da casa”, talvez o Tramways não conseguisse sagrar-se bi-campeão invicto. Foi preciso tirar os jogadores “Zezè”, Júlio Fernandes e “Alcides Cachorrinho”, todos do Santa Cruz.

“Cachorrinho” marcou 56 gols pelo Tramways em campeonatos pernambucanos, tornando-se o maior artilheiro da equipe na história da competição. Com dinheiro de sobra, o técnico Joaquim Loureiro veio de São Paulo para armar a equipe.

O time bi-campeão tinha esta formação: Zé Miguel – Domingos e Ernesto. Guaberinha – Paizinho e Furlan. Alcides – Omar – Navarra (Spinha) – Quetreco e Olívio.

Na trajetória do primeiro título estadual do Tramways, em 1936, um jogador merece um capítulo à parte. Dono de um potente chute, de causar medo nos goleiros, como diziam os jornais pernambucanos da época, o argentino Bermudes foi um dos pilares da inédita conquista do grêmio transviário.

Em 13 jogos pelo Tramways no Estadual de 36, o meia-direita Bermudes fez 19 gols, cravando o seu nome na galeria dos artilheiros do Campeonato Pernambucano.

Náutico, Sport e Santa Cruz sofreram nas mãos, ou melhor, nos pés do gringo, que balançou a rede do trio de ferro. O Torre, principal rival do Tramways, era sua vítima favorita. Na goleada por 8 X 4 sobre o Madeira Rubra, Bermudes fez a metade dos gols do seu time.

Ao todo, juntando os Estaduais de 1935 e 36, Bermudes marcou 32 gols pelo Tramways – terceiro maior goleador da equipe no Pernambucano, atrás de “Alcides Cachorrinho” (56 gols) e Olívio (46).

O sucesso nos “Elétricos” fez com que o Náutico o contratasse. No Timbu, ele foi novamente campeão pernambucano, em 1939, o segundo da história alvirrubra, ao lado dos Carvalheira: Fernando, Zezé e Emídio.

Companheiro de Bermudes nessa conquista, o ex-goleiro Djalma Cristaino Santos, falecido em agosto de 2012, aos 94 anos, lembrava com muita saudade do amigo.

“Bermudes era formidável, um grande amigo. Dançava muito bem tango. Um dia, chegou a notícia de que ele havia morrido. Pedi licença a Cabelli (Umberto, técnico uruguaio, que comandava o Náutico) e fui para a pensão onde ele morava.

Chegando lá, o encontrei no chão, envolto em cigarros e bebidas, mas estava vivo. Então, entrei em contato com a família dele e o seu pai mandou dinheiro para enviá-lo de volta a Buenos Aires”, relatou.

Nos anos 50, o ex-goleiro alvirrubro foi à capital argentina somente para rever o amigo. “Em 1953, nos encontramos em Buenos Aires. Ele estava trabalhando como locutor de rádio.

Foi a última vez que nos vimos”, relembrava Djalma, que soube da morte do amigo anos depois, através de uma carta enviada pelo esposa do argentino, Helena.

Pelo Náutico, Bermudes anotou 12 gols pelo Estadual de 39. No ano seguinte, porém, anotou apenas dois, ambos em amistosos.

As cores do Tramways eram branco, azul e vermelho, por isso era chamado de tricolor transviário. No biênio 1936/1937, foi ele que mandou no futebol pernambucano, mantendo-se invicto nesse período.

O Tramways era de uma época em que o profissionalismo ainda não tinha se consolidado em Pernambuco. A maioria dos jogadores  ainda não tinha contrato e não recebia dinheiro para jogar futebol.

Mas no caso dos “Elétricos”, a situação era um pouco diferente. Muitos que jogavam pelo Tramways era em troca de emprego na empresa, o que se constituía em uma espécie de amadorismo marrom, já que os atletas tinham salário, não pelo futebol, mas pelas funções que exerciam na companhia inglesa.

O médico cardiologista escritor Rostand Paraíso, autor do livro “Esses Ingleses”, destacou na obra a presença e influência inglesa no Recife, contando passagens vivenciadas pelo Tramways. 

Até 1941, quando disputou o seu último Estadual, o Tramways seguiu fazendo um papel digno. O fim da equipe foi assim explicado por Haroldo Praça, em seu livro “O Gôl de Haroldo”, de 2001.

“Não obstante reunir bons jogadores e armar equipes destacadas, o “Elétrico” foi vitimado por moléstia incurável: clube de dono (Antônio Rodrigues de Souza, diretor da empresa britânica, responsável pelo investimento na montagem dos times de 1936/37). E aí começou a entrar para a história mais uma aparição brilhante efêmera.” (Pesquisa: Nilo Dias)


O time campeão de 1936