O futebol brasileiro está de luto. Faleceu na madrugada da última terça-feira (26), no Rio de Janeiro, o ex-zagueiro Moisés Mathias de Andrade, o Moisés, aos 60 anos de idade, vitima de câncer pulmonar. O sepultamento foi no mesmo dia, no cemitério São João Batista, em Botafogo. Jogador viril, daqueles que não brincava em serviço, Moisés ganhou o apelido de “Xerife”, que a imprensa credita a todos os zagueiros que jogam de maneira dura e viril. Mas ele mereceu mais do que qualquer outro, tal rótulo. Foi de sua autoria a frase que se tornou famosa: “Zagueiro que se preza não pode ganhar o Belfort Duarte" (prêmio dado a jogadores que não são expulsos num período de 10 anos).
O ex-jogador não concordava em ser taxado de violento e se defendia dizendo que o zagueiro tinha que impor respeito, marcar duro, nunca deslealmente. E até que Moisés tinha certa razão, pois em sua passagem de dois anos pelo Corinthians foi expulso de campo apenas em duas oportunidades. Apesar do estilo duro em campo, fora dele era conhecido pelo bom humor. Gostava muito de Carnaval e ajudou a fundar o "Bloco das Piranhas", no qual jogadores de futebol desfilavam vestidos de mulher por ruas da Zona Norte do Rio.
Moisés nasceu em Rezende (RJ), em 10 de janeiro de 1948. Era casado com dona Eliete e tinha três filhos, todos adultos, Moisés, Vanessa e o caçula Iaponã, lateral-direito que jogou o último campeonato carioca da 2ª Divisão de Profissionais pelo Guanabara.
Antes de se tornar jogador de futebol, trabalhou no Banco Nacional, agência Rocha Miranda, na década de 60. A carreira de jogador teve início no Bonsucesso. Depois jogou pelo Botafogo, Vasco, Fluminense, Corinthians, Paris Saint-Germain, Flamengo, Portuguesa e Bangu, onde encerrou a carreira no começo da década de 1980. Em 1973 foi convocado por Zagalo e disputou uma partida amistosa pela seleção brasileira, contra a União Soviética no dia 21 de junho de 1973, em Moscou (1 a 0 Brasil). Fez aparte da lista de 40 convocados para a Copa do mundo de 1974, mas não chegou a estar entre os 22.
Moisés dizia que o melhor momento de sua carreira foi no Vasco da Gama, onde chegou em 1971 emprestado pelo Botafogo, que havia contratado o tricampeão Brito junto ao Cruzeiro para formar a zaga com Leônidas. O treinador vascaíno era Paulo Amaral. A defesa se constituía no ponto fraco do time, que ia mal no campeonato carioca. A chegada de Moisés arrumou o setor, e o Vasco melhorou na competição que tinha como atração o Olaria com uma equipe que enfrentava os grandes com igualdade, sob o comando de Afonsinho.
Pois foi o Vasco que tirou a invencibilidade do Olaria, numa noite de quarta feira com gol de Valfrido. Tendo se firmado na zaga do time e arrumado a casa, Moisés foi contratado em definitivo, formando com Renê, Miguel e Joel Santana, por alguns anos a zaga cruzmaltina. Em 1974 conquistou o primeiro título brasileiro pelo Vasco, juntamente com Roberto “Dinamite”. Saiu no início de 1976 para o Corinthians, onde participou da histórica conquista do título paulista de 1977, que interrompeu um jejum de 23 anos. No alvinegro paulista disputou 122 jogos, entre 1976 e 1978.
Da experiência que teve fora do país, no Paris Saint-Germain, onde ficou seis meses, Moisés não guardava boas recordações. Foi o primeiro zagueiro brasileiro a jogar pelo tradicional clube parisiense, antes mesmo de Abel Braga. Não se adaptou ao rigoroso inverno europeu e a solidão, pois era o único jogador brasileiro no grupo. Por isso retornou ao Brasil para defender o Flamengo. O ex-zagueiro contou que naquela época o futebol francês era fraco, o público nos estádios era pequeno e os clubes não pagavam grande coisa.
Depois que encerrou a carreira no Bangu, começou a dirigir o próprio clube em 1983, e ajudou o time carioca a viver um dos seus melhores momentos, em 1985, quando foi vice-campeão brasileiro e estadual, num time que tinha Mário (ex-Vasco), Marinho, Arturzinho e Ado. Moisés e os torcedores banguenses nunca se conformaram com os segundos lugares e garantiam que tudo aconteceu de forma premeditada.
Contra o Coritiba o Marinho recebeu a bola logo depois do meio-campo, entrou cara a cara e fez o gol. O bandeirinha não anulou, mas o juiz marcou impedimento. A decisão do Brasileirão foi para os pênaltis e o Coritiba venceu. Já no Estadual contra o Fluminense o zagueiro Vica, do tricolor agarrou o atacante Claudio Adão na área, um pênalti claro. Mas o árbitro José Roberto Wright não marcou, dizendo que já havia encerrado o jogo.
O Bangu era presidido na época pelo polêmico bicheiro Castor de Andrade, que pagava o “bicho” aos jogadores dentro do próprio vestiário, após os jogos. Ele abria uma maleta e distribuía o dinheiro. Os outros clubes depositavam na conta (quando isso ocorria). Além do técnico Moisés, a Comissão Técnica do clube alvirrubro contava com ex-jogadores famosos nos anos 1960-70. O supervisor era o ex-lateral-direito Neco (Bangu e Cerro Porteño); o treinador de goleiros era o ex-quarto-zagueiro Paulo Lumumba (Grêmio e Fluminense), e o assistente técnico era o ex-lateral-esquerdo Alfinete (Olaria e Vasco).
Do Bangu foi para o Santa Cruz de Recife e depois Ceará, de onde seguiu para Portugal, onde por três anos treinou o Belenenses. Voltou ao Brasil para comandar o Atlético-MG e o América (RJ), e ainda trabalhou sete anos nos Emirados Árabes. Também treinou a equipe da Cabofriense, de Cabo Frio (RJ), onde ficou sete anos.
Ultimamente, sem clube para treinar, e já com problemas de saúde, Moisés dividia seu tempo em duas novas atividades: jogando tênis na quadra do Condomínio Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, onde morava ou em uma pescaria na praia do mesmo bairro.
Os títulos conquistados foram poucos: como jogador, campeão paulista de 1977 pelo Corinthians, e como treinador vice-campeão brasileiro e vice-campeão carioca de 1985, pelo Bangu. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
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