Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

segunda-feira, 28 de março de 2016

A morte de uma lenda do futebol

Morreu no último dia 24, em Barcelona (Espanha) onde morava, Hendrik Johannes "Johan" Cruyff, o melhor futebolista neerlandês de todos os tempos. Ele nasceu em Amsterdã, no dia 25 de abril de 1947. Seu sobrenome é originalmente grafado, na língua neerlandesa, como "Cruijff", sendo mais popularmente escrito como "Cruyff" no exterior.

Ele foi praticamente criado dentro do Ajax. Seu pai, Manus, era dono de uma mercearia que fornecia frutas ao clube. Sua mãe trabalhou como faxineira do clube após tornar-se viúva.

Com apenas quatro anos de idade, o garoto “Cruyff” frequentava os vestiários. Por ideia da mãe, o filho entrou nas categorias de base do Ajax. Ela acreditava que assim ele poderia superar a deficiência que tinha nos pés, cuja má formação o obrigava a utilizar aparelhos ortopédicos.

O garoto estreou no time principal do Ajax em 1964. Um ano depois, em 1965, chegou Michels, que aceitou o jogo ditado por “Cruyff” e os títulos viriam em série: o Ajax foi campeão neerlandês na primeira temporada com ambos trabalhando juntos, a de 1965/66.

Outros três títulos no campeonato nacional vieram em espaço de cinco anos. Cinco Copas dos Países Baixos também foram levantadas no período.

Com 19 anos de idade estreou pela Seleção dos Países Baixos em 1966, em jogo contra a ainda respeitada Hungria, em partida válida pelas eliminatórias para a Eurocopa 1968, quando fez um gol.

Cruijff transformou a Seleção Neerlandesa, então modesta, em uma potência mundial. Mas não foi de imediato. O país não se classificou para as fases finais da própria Euro 1968 e também da de 1972, e Copa do Mundo de 1970.

A revista brasileira “Placar”, em uma edição especial, elegeu os 100 melhores jogadores de futebol do Século XX, sendo que ele ocupou a terceira posição, atrás somente de Pelé e Maradona.

"Cruyff" não tinha semelhança com o futebol de Pelé e Maradona, se assemelhava mais a Alfredo Di Stéfano. Era um jogador de muita velocidade, intuição, inteligência e objetividade em campo.

Era considerado um jogador revolucionário, tático, ofensivo, coletivo, vistoso e eficiente. Suas extraordinárias atuações no Ajax inspiraram muitos jogadores e treinadores a partir de suas extraordinárias atuações no clube e, também na Seleção Holandesa na Copa do Mundo de 1974.

Foi ele e o seu treinador no Ajax, Barcelona e na Seleção Neerlandesa, Rinus Michels que criaram o chamado futebol total, no qual os jogadores de linha se sentem à vontade ao desempenhar todas as posições. Foi essa a última revolução tática na história do futebol, mesmo passados mais de 40 anos da Copa do Mundo de 1974.

O rodízio que funcionara bem no Ajax, chamado de "futebol total", transformou-se para os olhos do mundo no "Carrossel Holandês". Era um grupo de grande talento que trouxe inovações para a época como a valorização da troca de passes e posse de bola, a linha defensiva de impedimento e marcação firme, tentando roubar a bola ainda na intermediária adversária.

“Cruyff”, era um jogador com fome de bola. Corria o campo inteiro para marcar o adversário e tirar-lhe a bola. Era magro e dono de um fôlego privilegiado, sabedor como ninguém de como controlar a velocidade, sabendo de antemão o que iria fazer, depois de receber a bola.

Foi escolhido pelo IFFHS o maior jogador europeu do século XX, e o segundo maior do mundo, atrás somente de Pelé. Para o colunista Maurício Barros, da ESPN Brasil, Cruyff é o maior da história do futebol na soma jogador-treinador, mesmo sem ter ganho nenhuma Copa do Mundo.

Ele pode ser taxado de um revolucionário do futebol. Sabia impor suas noções de táticas, e a negociar seus termos salariais. Foi o casamento perfeito, quando se encontrou em 1965 com Rinus Michel, até então um professor de ginástica para crianças surdas.

Michel chegou ao Ajax para ser o técnico. Ambicioso, planejava transformar o clube, até então uma equipe semiprofissional que fazia jogos pelo leste de Amsterdã, em um time internacional de ponta. Ele e “Cruijff” conseguiram isso em seis anos.

Frank Rijkaard, um dos seus discípulos, afirmava que Diego Maradona poderia ganhar um jogo sozinho, mas não tinha o talento de “Cruyff” para mudar a tática do time para vencer a partida.  Dava a impressão de que tinha quatro pernas, sendo hábil no chute com o lado de fora do pé.

Era capaz de dar giros em pequenos espaços, tinha chutes longos e certeiros, driblava fácil e ainda era bom cabeceador e artilheiro. Tinha uma personalidade forte e não aceitava ordens.

Na Copa dos Campeões da UEFA, o Ajax chegou à final em 1969. No caminho, eliminou o Benfica de Eusébio, mas perdeu a decisão para o Milan. Em 1971, 1972 e 1973 foi tricampeão da mais importante competição europeia.

Pelos títulos de 1971 e 1973 foi premiado com a “Bola de Ouro”, da France Football, sendo o primeiro neerlandês a recebê-la.
O Ajax também venceu a Copa Intercontinental de 1972, derrotando o Independiente, da Argentina por 3 X 0, depois de empatar em 1 X 1 fora de casa,  com gol de “Cruyff”.  O clube não ganhou outras Intercontinentais pois não quis participar.

Em 1971, foi o Panathinaikos quem enfrentou os uruguaios do Nacional. Em 1973, quando a disputa seria outra vez contra o Independiente, o Ajax voltou a ceder a vaga para o vice-campeão
europeu, desta vez a Juventus, de Turim (Itália).

“Cruijff “ liderava sozinho um time de bairro, dono de um estádio pequeno até para as segundas divisões da Itália ou Espanha, cujos jogadores não ganhavam mais do que um bom lojista. Ainda assim conseguiu reinventar o futebol dentro do clube.

Em 1973, decidiu sair do clube, vítima do próprio poder que ajudara a deixar nas mãos dos jogadores: seus colegas decidiram que o novo capitão do clube seria Piet Keizer. “Cruijff” foi então para o Barcelona, onde se encontrava Michels, o homem que o compreendera.

Chegou ao clube espanhol na negociação mais cara do futebol mundial até então. O Barcelona pagou cinco milhões de florins, preço tão alto que o governo espanhol não aprovou a transferência.

Só conseguiu ser levado porque foi registrado oficialmente como uma peça de máquina de agricultura. O jogador justificou o alto investimento. No jogo de estreia fez dois gols e reconduziu o Barcelona a um título espanhol que não ganhava havia 14 anos, quando ainda jogavam pelo clube Luis Suárez, László Kubala, Zoltán Czibor, Sándor Kocsis e Evaristo.

Foi o melhor jogador do campeonato, ganhando sua terceira “Bola de Ouro”. O ano não podia ter sido melhor, já que a Seleção Neerlandesa conseguiu se classificar para a Copa do Mundo de 1974, coisa que não acontecia desde a segunda participação, na edição de 1938.

Em 1975, 1976 e 1978, o campeão foi o Real Madrid. Na única temporada em que os “merengues” não foram bem, ficando em 9º lugar no campeonato, o Barcelona perdeu o título, que ficou com o Atlético, de Madrid, por um ponto.

Além do título nacional de 1974, Cruijff só conseguiu ganhar com o Barcelona a Copa do Rei de 1978. Ficou oito anos no clube. Quase morreu por lá, quando sofreu um infarto, em 1991, muito provavelmente consequência dos cigarros que inveteradamente fumava. Teve, por isso, de implantar pontes de safena.

Logo depois se aposentou, não participando da Copa do Mundo de 1978. Ele se dizia cansado da violência que imperava nos gramados espanhóis, onde chegou a ter uma perna quebrada.

Cruijff se despediu dos gramados em outubro de 1978, vestindo a camisa do Ajax, em um jogo amistoso contra o Bayern Munique.  Os alemães ganharam por 8 X 0. Mas tudo não passou de um adeus fictício. O investimento que o jogador fez na criação de porcos, o fez perder milhões, de dólares, o que o obrigou a voltar a jogar.

Foi para os Estados Unidos, onde poderia viver tranquilo, no anonimato. Passou dois anos por lá, onde jogou primeiro no Los Angeles Aztecs, tendo novamente como treinador Rinus Michels. Depois foi para o Washington Diplomats. Também fez uma partida de exibição pelo New York Cosmos.

Se o futebol americano era calmo, Cruijff não foi. Sempre de mau humor, deixou quase loucos colegas e outros técnicos. Certa vez, quando o seu técnico no Diplomats estava fazendo a preleção, ele levantou-se, limpou o quadro-negro e disse: "É claro que faremos tudo diferente disso".

Um dos jogadores do Diplomats teria dito que o clube, ao contratar o neerlandês, deveria ter pago também por um estoque de algodão para que todos ali tivessem algo mais para tapar os ouvidos.

Sem clima para continuar nos Estados Unidos, voltou para a Espanha, dessa feita para defender o pequeno Levante, de Valência, que estava na segunda divisão. Mas não obteve sucesso, pois o clube estava afundado em dívidas.

Depois disso jogou uma partida pelo Milan, em um torneio amistoso organizado por Silvio Berlusconi, mas saiu vaiado após uma atuação apagada. Retornou aos Países Baixos e ao Ajax. Enfrentou resistências, sendo chamado de "desbocado" e "dinheirista". Dizem que ele cobrava para dar autógrafos.

Em seu retorno ao Ajax foi campeão neerlandês da Copa nacional. Também causou furor ao inventar a cobrança em dois lances de um pênalti. Em outra partida, ao cobrar a penalidade, apenas tocou a bola para a frente, deslocando o goleiro enquanto um companheiro corria atrás da bola para repassar-lhe para que concluísse sem obstáculos para as redes.

Outro lance foi de calcanhar: Cruijff certa vez avançou em direção ao gol e o goleiro adiantava-se para tentar bloquear-lhe. Ele então virou-se e passou a correr em direção ao próprio campo, sendo seguido pelo goleiro até perto do meio-de-campo, quando este então percebera que em algum momento Cruijff chutara para as redes sem interromper seu passo.

Após duas temporadas o Ajax o mandou embora, pois já o consideravam velho demais. Aos 36 anos, assinou contrato com o rival Feyenoord, onde jogou sua última temporada profissional. Foi campeão da Eredivisie, quebrando um jejum de dez anos do novo clube no campeonato nacional. Também foi campeão da Copa dos Países Baixos.

Desde 1996, 12 anos após a aposentadoria de Cruijff, um troféu que leva seu nome foi criado pela Real Associação de Futebol dos Países Baixos, sendo entregue ao vencedor da partida entre os campeões do campeonato e da Copa nacionais.

No livro de sua autoria “Futebol Total”, lançado em 1974, Cruijff antecipou que não iria para a Copa do Mundo de 1978. De fato, acabou não indo à Argentina, o que foi por muito tempo interpretado como um protesto à ditadura militar naquele país.

Mas 30 anos depois, foi revelado o real motivo: ele afirmou que, já em 1978, sofrera uma tentativa de sequestro e, temendo novos ataques, contratou seguranças particulares por um ano e meio. E também por causa da confusão conjugal que tivera pouco antes da final de 1974.

Dois anos depois de deixar o Feyenoord, voltou ao Ajax, porém sem êxito. Em 1988, os Países Baixos finalmente conquistaram um torneio, a Eurocopa, sob o comando de Rinus Michels.

Sua saída da direção técnica do Barcelona não foi nada amistosa: quando soube que seria substituído, jogou uma cadeira na porta do escritório do cúpula do clube e gritou bem alto: “Deus o punirá por esta ação, da mesma forma que o puniu antes!", em referência a um neto recém-falecido do presidente.

Em 2009 foi técnico da Catalunha, cuja seleção não é reconhecida pela FIFA e costuma fazer partidas apenas anuais. Deixou o comando da equipe em janeiro de 2013. Sua despedida foi em um amistoso contra a Nigéria, no Estádio Cornellà-El Prat, em Barcelona.

Também chegou a jogar uma partida pela Seleção Catalã. O jogo realizou-se em 9 de junho de 1976. Cruijff atuou ao lado de pelo menos dois outros não-catalães, sequer espanhóis: o compatriota e colega de Barcelona Johan Neeskens (autor do gol da Catalunha) e o chileno Carlos Caszely, do Español.

O Ajax não teve vida fácil com Cruijff. No final de março de 2011, toda a diretoria, incluindo o presidente do clube, entregou seus cargos por discussões com ele. Seu radicalismo era tanto, que chegou a declarar que iria torcer contra o próprio país na final da Copa do Mundo de 2010. O adversário foi a Espanha, repleta de jogadores do Barcelona.

Se o Ajax não deu andamento aos projetos de Cruijff, om o Barcelona foi diferente. Graças a ele foram montadas 12 equipes, cada uma com até 24 jogadores, que são orientados por técnicos licenciados pela UEFA.

As categorias inferiores do Barcelona são consideradas as maiores produtoras de jogadores de alto nível, chegando a levar até 15 anos para formar um atleta. Josep Guardiola foi um dos garotos levados diretamente por Cruijff ao time principal.

Em 2010, foi nomeado presidente de honra do Ajax. Meses depois, porém, a honraria lhe foi retirada pelo presidente do clube, Sandro Rosell. Rosell, sob a justificativa que a decisão do mandatário anterior, Joan Laporta, fora antidemocrática, sem consulta aos sócios.
Cruijff foi condecorado com a classe de cavaleiro da Ordem da Casa de Orange.

Era também membro honorário da Real Associação de Futebol dos Países Baixos e do Ajax. Foi eleito em 2004 o sexto maior neerlandês da história, estando à frente de nomes como Anne Frank, Rembrandt e Vincent van Gogh.

Além do futebol, também gostava de jogar golfe. Na década de 1970, ele chegou a gravar uma música de relativo sucesso nas paradas neerlandesas, "Oei Oei Oei (Dat Was Me Weer een Loei)" - em português, "Oi Oi Oi (Que belo chute)", que foi relançada após sua transferência para a Espanha, onde foi ainda mais popular.

Era casado com Danny Coster desde antes da fama internacional, em 1968, e a considerava a pessoa mais importante da sua vida. O casal escandalizava a conservadora sociedade espanhola nos tempos franquistas, em que agiam como jovens europeus modernos, fumando e usando cabelos compridos (no caso de Cruijff) e minissaia (no caso da mulher). Tiveram três filhos, Chantal, Susila e Jordi.

Sua fama de rebelde também se fez presente na Espanha, onde desafiava árbitros e policiais. Mas se identificou com a cultura catalã, tanto que batizou o filho mas novo com a versão local do nome de São Jorge, o santo padroeiro da região, além de viver na cidade até morrer. Falava o espanhol com sotaque catalão. E se considerava “um cara do mundo”.

Títulos. Campeonato Neerlandês (1965-66, 1966-67, 1967-68, 1969-70, 1971-72, 1972-73, 1981-82 e 1982-83); Copa dos Países Baixos (1966-67, 1969-70, 1970-71, 1971-72 e 1982-83); Copa dos Campeões da Europa (1970-71, 1971-72 e 1972-73); Copa Intercontinental (1972); Supercopa Europeia (1972 e 1973);

Barcelona: Campeonato Espanhol (1973-74); Copa do Rei (1977-78); Feyenoord: Campeonato Neerlandês (1984); Copa dos Países Baixos (1984).

Como técnico. Ajax: Copa dos Países Baixos (1985-86 e 1986-87); Recopa Europeia (1986-87); Barcelona: Campeonato Espanhol (1990-91, 1991-92, 1992-93 e 1993-94); Supercopa da Espanha (1991, 1992 e 1994); Copa do Rei (1989-90); Copa dos Campeões da Europa (1991-92); Supercopa Europeia (1992); Recopa Europeia (1988-89).

Títulos individuais. FIFA 100 (2004); All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA (1974); Ballon d'Or (1971,1973,1974); Melhor jogador Estrangeiro de La Liga (1977,1978, 1979, 1980); Considerado o melhor de todos os tempos; Artilheiro do ano (1976,1978,1979,1980). (Pesquisa: Nilo Dias)


Nenhum comentário: