Uma
equipe de atletas refugiados participou da Olímpiada do Rio de Janeiro o ano
passado, sob a bandeira do Comitê Olímpico Internacional (COI). A equipe era
composta por 10 pessoas, seis homens e quatro mulheres: dois nadadores sírios,
duas judocas congolesas e seis corredores da Etiópia e do Sudão do Sul. Todos
foram vítimas de perseguições e tiveram que deixar seus países.
O
Papa Francisco chegou a enviar uma carta aos atletas, em que disse esperar que
a "fraternidade" do time de refugiados "faça bem a todos". Desde
2013, quando assumiu a liderança católica, que Francisco se preocupa com a
crise de refugiados.
Em
sua primeira viagem como papa, Francisco visitou a Ilha de Lampedusa, no Mar
Mediterrâneo, no Sul da Itália, lugar que se tornou o ponto de chegada de
imigrantes e refugiados em travessias ilegais.
Lampedusa
é famosa pelas lindas praias frequentadas pelos italianos em férias. Hoje,
também é lembrada como primeiro ponto de chegada de refugiados, especialmente
do Norte da África, com destaque para a Líbia, por sua posição geográfica.
Pois
bem, o nome Lampedusa chegou a Alemanha, mais precisamente no bairro de Sankt
Pauli, em Hamburgo, onde foi criado um programa de apoio aos refugiados, em que
se destaca um time amador de futebol com tendências libertárias, que congrega
atletas vindos de várias partes do mundo. Todos refugiados.
Desde
antes da atual onda migratória, já no começo dos anos 2000, os refugiados
chegavam a Lampedusa e de lá eram liberados para tentar a vida em algum país
europeu. Por isso o nome do time é uma homenagem a localidade.
Tudo
começou em 2013, dois anos antes de ser deflagrada a Guerra da Líbia. Cerca de 80
dos milhares de refugiados líbios, conseguiram chegar na ilha e posteriormente
a Hamburgo, onde foram abrigados em uma igreja no bairro de Sankt Pauli.
Torcedores
do clube local, o Sankt Pauli se uniram para proteger os recém-chegados contra
o desejo das autoridades locais que queriam expulsá-los. E assim nasceu o
Lampedusa, time de futebol dos refugiados líbios. Com o tempo, pessoas vindas
de diversos lugares do mundo, também passaram a fazer parte do time.
É
o caso de um jogador afegão que não podia jogar em seu país porque não tinha
documentos. E outros que nunca pensaram em jogar futebol, mas com a acolhida em
Hamburgo, preferiram praticar o esporte, em vez de enfrentarem a fúria de
bairros, cidades e países que fazem campanha pela volta dos refugiados a seus
países de origem.
Nenhum
desses atletas refugiados pode jogar em times profissionais da Alemanha, por
que não possuem um endereço registrado, o que no Lampedusa não é empecilho.
Hoje, o clube conta com mais de 30 jogadores.
Rexhep,
um refugiado vindo do Kosovo, chegou a ser deportado para o Leste Europeu,
visto que algumas regras estabelecem que o refugiado deve ficar no país onde
pisa primeiro na Europa. Mas com o tempo, ele conseguiu voltar para o campo de
refugiados em Hamburgo e para o time, onde foi meio campista.
Mas
sua alegria durou pouco. O ano passado, por estar “ilegalmente” no país, foi
preso pela polícia alemã no aeroporto de Hamburgo e agora se encontra em
processo de deportação para o Kosovo, seu país de origem.
O
time, que usa as cores amarela e vermelha, tem quatro treinadoras, todas
ex-jogadoras de futebol. Uma delas, de nome Hagar, pouco mais de 40 anos é dona
de uma loja de material esportivo, que vende camisetas, adesivos e bolsas do time.
Seu marido, de nome Fernando, é o mais velho entre os jogadores do time e o
único refugiado sul-americano da equipe, vindo da Colômbia há alguns anos.
O
escudo do Lampedusa é redondo, com o nome do time em cima e do bairro de Sankt
Pauli embaixo. Dentro, uma âncora representa justamente a cidade e o bairro,
que fica numa região portuária.
A
âncora é formada por um braço com os punhos cerrados em sinal de resistência, e
se o lado esquerdo mostra uma seta, com a tendência esquerdista do time, no
outro está a figura da bola. O lema do clube, “Here to play” (aqui para jogar),
vai ao encontro do lema de muitas lutas pelos refugiados: “here to stay” (aqui
para ficar).
A
maioria dos refugiados não fala inglês e muito menos alemão. Dai a dificuldade
que o time encontra para marcar treinos e viagens, visto que muitos jogadores
não conseguem ler placas ou se orientar via transporte público. Qualquer viagem
para uma cidade fora do perímetro urbano de Hamburgo pode ser a última aventura
de algum jogador na Alemanha, sob risco de deportação.
Todos
os jogadores do Lampedusa não são chamados por sobrenome. Usam somente os
primeiros nomes, para que não sejam identificados e nem criem panelinhas
étnicas.
Os
jogadores se chamam apenas pelo nome, e
tratar alguém pela nacionalidade, “o afegão”, “o árabe”, “o libanês”, “o cara
da Somália”, pode gerar repreensão das treinadoras. As histórias deles como
refugiados não importam. Eles estão ali “para jogar e para ficar”.
"O
importante é que eles estão com outras pessoas que estão na mesma situação que
eles, sem importar se eles vieram do Iêmen, da Albânia ou da Sérvia. Eles não
sabem falar a língua, não têm casa, não tem equipamento. Eles viram irmãos
jogando futebol juntos”, justifica a treinadora.
Mesmo
enfrentando todo o tipo de dificuldades o projeto do Lampedusa foi agraciado
com um “City to City Barcelona FAD Award”, ambicionado prêmio catalão que
escolhe as melhores iniciativas urbanas fora da Espanha que melhoram a vida dos
cidadãos. Um dos patrocinadores do prêmio é a “Fundação Barcelona”, ligada ao
time de Messi, Neymar e Suárez. Por isso o prêmio foi entregue de maneira
especial.
O
FC Lampedusa foi até Barcelona, onde realizou treinamentos na mesma “Ciudad
Deportiva” em que o Barcelona e seu plantel de craques treina diariamente. Teve
também uma visita ao museu do Barcelona. E para alegria das treinadoras,
puderam assistir um treino da equipe feminina principal e conhecer o estádio “Camp
Nou”.
Por
iniciativa do Barcelona, o Lampedusa fez um jogo amistoso na “Ciudad Deportiva”,
contra a Penya Blaugrana Vallirana, time de um projeto social apoiado pelo
clube.
O
time joga apenas partidas e torneios amistosos. Não é também filiado a qualquer
associação. Mas ainda assim é um time de futebol de verdade, com treinos
regulares e alguns jogos. Para ser atleta do Lampedusa tem que ser refugiado e
ter no mínimo 16 anos.
O
Lampedusa tem o apoio do Sankt Pauli, a equipe profissional do bairro, que
ajuda com equipamentos, divulgação e organização de eventos. Em 2015 o time perdeu
o campo onde realizava os treinamentos, e o Sant Pauli liberou toda a estrutura
para uso do time de refugiados.
No
meio do ano, virou parceria registrada: o Lampedusa virou o time oficial de
refugiados do clube da segunda divisão alemã, trocando seu nome de “FC
Lampedusa Hamburgo” para “FC Lampedusa Sankt Pauli”.
O
Sankt Pauli já teve um presidente gay. O time entra em campo ao som de rock and
roll e só tem torcedores de esquerda. O clube alemão da caveira, das bandeiras
de Che Guevara, luta contra o racismo, o fascismo e o machismo. O clube,
enfim, que deixa louco qualquer combatente contra o futebol moderno.
As faixas contra o fascismo, o neonazismo, a favor da
causa palestina e da liberdade de expressão são presentes, bem como alguns
gorros com as cores do arco-íris LGBT se destacam no meio da maioria de uniforme
e cachecóis negros e marrom escuro.
Adesivos
de boas vindas aos refugiados estão por toda parte no bairro e no estádio. Na loja
oficial do Sankt Pauli pode ser vista uma bonita camiseta com um símbolo de
resistência dentro do escudo do clube e a frase, que é o slogan de uma campanha
oficial: “nenhum ser humano é ilegal”. (Pesquisa: Nilo Dias)
O
Lampedusa quanto esteve na Espanha, a convite do Barcelona. (Foto: Divulgação)
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