No
final da década de 1930, houve a implantação no Brasil de um regime autoritário
denominado “Estado Novo”, inspirado na ditadura de António de Oliveira Salazar
em Portugal. Foi implantado por Getúlio Vargas sob a justificativa de conter
uma nova ameaça de golpe comunista no Brasil.
Caracterizava-se
por ser um regime nacionalista, antidemocrático, corporativo, autoritário e antiliberal,
que tinha algumas semelhanças com o fascismo.
O
Governo pregava a construção de uma nova nacionalidade, em que às atividades
físicas fossem compreendidas como fundamentais na perspectiva de criação de um
“homem novo” preparado para a construção de um “Brasil novo”, forte e saudável.
Desse
modo, as práticas esportivas, sobretudo aquelas de maior alcance popular deveriam
estar a “serviço da pátria”. A partir desse cenário, os jogos da seleção
brasileira de futebol configuraram-se como instrumentos de possibilidades de
divulgação do projeto do Estado Novo. Torcer pela equipe nacional, simbolizaria
torcer pela nação.
O
êxito no futebol ou em outras modalidades esportivas foi amplamente explorado
também, por outros países da Europa, simpáticos aos regimes de inspiração
totalitária, e não apenas pela
Itália
e Alemanha.
Os
jogos olímpicos realizados em Berlim em 1936 revelaram essa
perspectiva.
Aliás, foi exatamente na Copa do Mundo de futebol de 1934, e nos jogos olímpicos
de 1936 que Itália e Alemanha, se proclamaram como “países fortes”.
Sabe-se
que Benito Mussolini, presente no estádio de Roma por ocasião da final da Copa
de 1934 entre Itália e Tchecoslováquia, prometeu “uma grande recompensa aos jogadores
italianos se vencessem, e um terrível castigo se perdessem”.
Na
Copa do Mundo de 1934, Adolf Hitler “convocou” os
atletas
da Alemanha para que se dedicassem ao máximo, a fim de que eles demonstrassem, através
dos esportes, a “superioridade racial” dos alemães.
Na
disputa do campeonato mundial de 1938, novamente Hitler se utilizou do futebol como
um instrumento de propaganda política do regime nazista. Tal como em outras circunstâncias,
a prática do futebol foi objeto dos interesses políticos da Alemanha nazista.
Em
1999, Ulrich Lindner e Gerhard Fischer publicaram um livro chamado “Os
atacantes de Hitler”, no qual são narradas as várias situações da relação entre
futebol e nazismo na Alemanha.
Embora
explorado por Hitler, como elemento de legitimidade do seu governo, o futebol
alemão não conquistou a medalha de ouro, nem na olimpíada de Berlim, tampouco o
campeonato de futebol
de
1938. Coube à Itália, a conquista dos dois torneios.
O
Governo Vargas pregava a política de unidade nacional. E para tal usou até de
cerimônias públicas para propagara essa ideia. Em uma dessas cerimônias, Vargas
e alguns chefes estaduais colocaram-se em frente de uma urna prata, proferiram
discursos em prol da unidade nacional, enquanto representantes de todos os Estados
nela depositaram, um após o outro, punhados de terra.
Outra
cerimônia, essa bem mais conhecida, foi a “das Bandeiras”, realizada na Esplanada
do Russell, no Rio de Janeiro, menos de um mês depois do golpe de 10 de novembro
de 1937.
Seu
objetivo era propagar o artigo 2º da Constituição, que proibia o uso de
quaisquer símbolos, hinos e bandeiras que não fossem os nacionais. Na ocasião as
21 bandeiras estaduais foram queimadas em uma grande pira colocada no centro da
praça.
Em
seguida outras 21 bandeiras nacionais foram hasteadas em substituição àquelas, enquanto
o maestro Heitor Villa Lobos regia um conjunto de várias bandas e um coro de
colegiais na execução do Hino Nacional.
O
futebol brasileiro, de estilo individualista e exibicionista, não se curvou à
tentativa do governo de Getúlio Vargas em usá-lo como instrumento político.
A
historiadora Melina Pardini lembra que, apesar de o Estado Novo – período de
1937 a 1945, em que Vargas impôs um governo autoritário – tentar concretizar o
seu projeto de construir uma nação ordenada e disciplinada com o futebol, havia
muitos aspectos do esporte que afrontavam esse plano.
Melina
Pardini apresentou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH),
da Universidade de São Paulo (USP), o estudo de mestrado “A Narrativa da Ordem
e a Voz da Multidão: Futebol na Imprensa durante o Estado Novo.”
Segundo
ela, o Governo de Getúlio Vargas utilizava alguns métodos considerados
eficazes, para propagar a sua ideologia através do futebol. Um deles era o controle
da mídia, que só publicava o que lhe interessava.
O
futebol era visto como o esporte nacional e servia de instrumento político, pois
poderia ajudar na ideia de um projeto de construção de uma nação ordenada e
disciplinada, embora o estilo individualista do brasileiro jogar, a chamada “malandragem”.
E
isso ficou evidenciado por Leônidas da Silva, que era conhecido por “Diamante
Negro”. Tratava-se de um negro, que tinha na malandragem sua maior virtude. E
isso desagradava a política do “Estado Novo” que pregava a superioridade do
homem branco, a disciplina e a coletividade.
Leônidas,
além de um extraordinário jogador era idolatrado pela população, especialmente
os mais pobres. O governo buscou formas de diminuir a popularidade do jogador,
com a imprensa dizendo que ele era um “mestiço a serviço da nação”.
A
pesquisadora também lembrou outros artifícios de controle do Estado Novo, como a
inauguração do estádio do Pacaembu, em 1940, onde era exaltada a participação de
Vargas na construção da obra.
A
presença brasileira na Copa do Mundo de 1938, com uma Seleção verdadeiramente
nacional, já que em 1930 e 1934 as brigas entre as Federações do Rio e São
Paulo não permitiram isso, foi tratada como uma prova de unidade nacional.
E
o Governo tirava proveito disso, espalhando que foi ele que propiciou a criação
de uma seleção com os melhores jogadores para promover o futebol brasileiro no
exterior.
Melina
destacou a importância da rivalidade regional existente na época entre Rio de
Janeiro e São Paulo. E isso era tão grande que até os jornais trocavam ofensas
quando times dos dois locais se enfrentavam. O que acabou prejudicando a ideia
governamental de união nacional através do esporte.
A
pesquisadora usou como instrumentos para viabilizar seu trabalho, três jornais
de grande circulação na época, “Correio Paulistano”, de São Paulo e “Gazeta de
Notícias” e “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro.
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