Quem
não lembra de Roberto Nunes Morgado, um conhecido árbitro de futebol, nascido
em São Paulo, capital, em 1946 e falecido em 26 de abril de 1989, aos 43 anos
de idade?
Ficou
famoso por imitar o estilho espalhafatoso de Armando Marques, um dos melhores
juízes do futebol brasileiro em todos os tempos. Morgado foi polêmico, adorava
chamar a atenção durante os jogos que arbitrava.
Não
era muito alto, media 1,71 metro e pesava somente 59 kg. Por isso ganhou o
apelido de “Pantera cor de rosa”. A cada lance que apitava, costumava fazer
indicações exageradas, levando as torcidas ao delírio.
Mas
ninguém podia dizer que não era corajoso. Prova disso é que num jogo entre
Vasco da Gama, do Rio de Janeiro e Ferroviário, do Ceará, pelo Campeonato
Brasileiro de 1983, expulsou a Polícia Militar de campo, mostrando cartão
vermelho e tudo.
Em
razão disso a Comissão Brasileira de Arbitragem exigiu que fosse feito um exame
de sanidade mental nele. Mas Morgado não mostrou nenhuma preocupação com isso.
Ao contrário, levou na brincadeira e disse que se tornara o único juiz da praça
que tinha atestado de sanidade mental.
Há
algum tempo atrás, Roberto Nunes Morgado tinha sido assaltado e ferido com
certa gravidade. Necessitou ficar internado e sua maior preocupação era saber
se poderia voltar a apitar.
Os
médicos notaram que a recuperação dos ferimentos era rápida, mas a psicológica
não corria tão bem. A arbitragem era o seu único caminho, e o medo de não poder
mais vestir o uniforme negro, rezar muito nos vestiários e ser o todo poderoso
das partidas, era intenso.
Os
episódios anteriores a internação foram muitos e todos lhe provocaram reações
de desespero. Problemas pessoais, sentimentais, profissionais. Era filho único
de uma família humilde.
Roberto
Nunes Morgado sempre foi escolhido para dirigir jogos importantes. Umbandista
por convicção chegava sempre com uma hora e meia de antecedência aos estádios
onde iria trabalhar, pois seu ritual demorava quase uma hora, com reza aos seus
orixás.
Mas
ele começou a mudar depois de ter sido ferido. Tornou-se mais introvertido, com
sintomas de displicência, deixou o emprego que tinha de relações públicas na “Churrascaria
Boi na Brasa”, alegando que precisava dormir cedo e não queria andar a noite
pelas ruas de São Paulo.
Passou
a viver somente das arbitragens e com pouca atividade, o que lhe ocasionou um grande
tempo ocioso, que serviu para refletir, raciocinar. Percebeu a sua importância
para os pais – dependentes dele – e verificou um futuro incerto, repleto de
altos e baixos.
A
sua queda psicológica foi flagrante. Insistia em recusar a ajuda de alguns
amigos e suas arbitragens começaram a provocar dúvidas e contestações, algo
raro na sua carreira.
As
pessoas criticavam seus trejeitos, atitudes arrogantes, lembrando Armando
Marques, mas não atacavam suas boas condições técnicas e físicas. Entretanto,
abatido, a preparação física foi esquecida e os reflexos diminuíram.
Em
26 de junho de 1981 a Federação Paulista de Futebol resolveu interna-lo em uma
clínica importante, conhecida, famosa. Local de recuperação física e mental,
ideal para repouso, desintoxicação e sonoterapia.
O
tratamento era caro. Somente pessoas abastadas ou uma entidade assumindo as
despesas, poderiam usufruir das comodidades do local.
Lágrimas
escorriam dos olhos de Roberto Nunes Morgado, mas ele admitia não ter outra
solução. Estava apavorado, vivendo uma enorme crise emocional, um verdadeiro
drama.
Os
episódios anteriores a internação foram muitos e todos provocaram reações de
desespero no árbitro de futebol. Problemas pessoais, sentimentais,
profissionais.
Apesar
de tudo isso, os médicos garantiam que ele poderia voltar a apitar normalmente.
Ficaria totalmente recuperado, afirmavam os especialistas e viveria tranqüilo.
Os
problemas sentimentais ajudaram muito a chegada do desespero e Morgado chegou a
confessar que “queria morrer, desacreditava em Deus e seria melhor para todos,
ele desaparecer…”.
O
médico Osmar de Oliveira, outro amigo de Morgado, o atendeu dezenas de vezes
nas mais variadas horas do dia e da noite. Preocupado com a sua saúde, Morgado
queria vitaminas, análise cardíaca, pulsação.
Queria
o amigo médico para certas confissões e desabafos. Tinha medo de perder a
condição de aspirante do quadro da FIFA e ao mesmo tempo não conseguia reagir
ao abatimento que o envolvia.
Foi
aconselhado a procurar um psicólogo. Depois de algumas consultas começou a
mostrar sintomas de recuperação. Aquele medo, aquela “mania” de doença, aqueles
traços de insegurança pareciam estar desaparecendo.
Mas
o rompimento amoroso, a dependência da arbitragem, a família precisando dele,
provocaram uma crise emocional fortíssima. Às cinco horas da madrugada de um
domingo em que jogariam Ponte Preta e São Paulo, em Campinas, o médico Osmar de
Oliveira foi acordado.
Morgado
precisava dele. Estava afobado, nervoso, não conseguia dormir e iria apitar
naquela tarde um verdadeiro clássico em Campinas. Estava desesperado e não
conseguia controlar-se.
O
médico o encaminhou para o Hospital Bandeirante e recebeu o tratamento
necessário acrescido de um calmante. Em vista deste fato, Osmar de Oliveira
proibiu que ele trabalhasse no jogo Ponte Preta e São Paulo.
O
diretor do departamento de árbitros não foi localizado e o secretário-geral da
Federação Paulista de Futebol assumiu o problema e substituiu Morgado por Almir
Laguna.
Seu
último jogo como profissional do apito foi a segunda semifinal do Campeonato
Paulista de 1987, entre São Paulo e Palmeiras. Sua atuação ficou marcada pelo
fato de ter expulsado quatro jogadores do alviverde, tendo sido bastante
criticado por isso.
Depois
do jogo o árbitro foi vetado para o restante do Campeonato Brasileiro daquele
ano. Não conseguiu atingir a nota mínima em uma prova por escrito da Comissão
Brasileira de Arbitragem de Futebol.
Homossexual
assumido ficou famoso por frequentar seguidamente a boca do lixo paulistana ao
lado de um grupo de amigos. Em fevereiro de 1988 foi internado no Hospital
Emílio Ribas, em São Paulo, com Aids. Abandonado pelos amigos e pela esposa
morreu um ano depois.
Esse
paulista chegou rápido ao quadro de aspirantes da FIFA. Com ele, trouxe um
currículo carregado de controvérsias. Por duas vezes foi internado na Clínica
Maia, uma casa de tratamento para problemas psicológicos, em São Paulo.
Entre
os amigos, porém, Morgado gozava de outra fama. Nos quarteirões formados pelas
ruas Rego Freitas e Marques de Itu, em plena Boca do Lixo, no centro de São
Paulo, ele era uma espécie de rei.
Seus
súditos, um grupo entre cinco ou 10 pessoas, boa parte homossexuais como ele.
Na hora das farras, Morgado era quem pagava a conta. O pessoal explorava o
Morgado.
Depois
do diagnóstico de Aids, todos se afastaram dele. Nenhum dos antigos amigos doou
1 real sequer quando foi passada uma lista de contribuição. Nenhum deles o
visitou no hospital.
Antes
de falecer, internado na Clinica Bezerra de Menezes, em São Bernardo do Campo,
Nunes Morgado pediu um novo exame de Aids. A entrega dos resultados acabou se
transformando no pior momento de sua vida.
Ele
recebeu trêmulo o envelope lacrado com o resultado do exame. Ao ler o que todos
já sabiam, começou a chorar e a gritar: “Eu não tenho Aids coisa nenhuma! É
meningite! É só um problema de pulmão! Quero um terceiro exame. Este aqui é
fajuta”, acusou entre lágrimas.
Nunes
Morgado chegou a voltar para casa, ficar junto com a família. Uma semana
depois, mesmo com proibição médica, ele tomou uma garrafa de pinga. Quando
voltou para seu apartamento na Praia Grande, bateu na mulher e chutou o filho.
Morgado
estava completamente embriagado. Foi obrigado a se internar novamente na
Clínica Bezerra de Menezes. Desde então seu estado de saúde foi piorando. Com o
tempo ele ficava cada vez mais fraco. Sua morte foi inevitável, no dia 26 de
abril de 1989, com apenas 43 anos de idade. (Pesquisa: Nilo Dias)
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