Como
os amigos sabem, o operador deste blog é natural de Dom Pedrito (RS). Encontrei
este bonito artigo de autoria do Kledir Ramil, da famosa dupla de cantores
gaúchos, Kleiton e Kledir. É gostoso demais, daí a publicação aqui.
Futebol
de Campanha
Eu
estava lá no Laranjal sem nada pra fazer e apareceu o Toco dizendo que ia ter
uma costelada em Dom Pedrito, na estância de um primo dele. Juntamos a turma,
lotamos a Rural Willis do Joca e pegamos a estrada.
Já
na chegada, nos olharam meio atravessado. É claro, se tu chega sozinho num
churrasco sem ser convidado, tudo bem, sempre sobra um naco de carne. Mas levar
mais oito amigos é um exagero. Além disso, no Interior ninguém gosta quando vem
gente de fora, porque as gurias ficam ouriçadas.
Pra
quebrar o clima pesado, Toco sugeriu pro primo que se organizasse um jogo de
futebol. Os de casa contra os forasteiros, no caso, nós. Futebol de campanha é
um jogo pra macho. Só quem já viu pra entender. Não tem muita regra. Com camisa
pra lá, sem camisa pra cá e do pescoço pra baixo, é canela.
Pra
quem não é gaúcho, eu preciso explicar que campanha é aquela região do Rio
Grande, onde o trabalho duro e cotidiano com a agropecuária vai tornando os
homens um pouco mais, digamos assim, embrutecidos. Resumindo, é terra de
grosso.
O
campinho ao lado da estância era todo esburacado e cheio de bosta de vaca.
Ficava numa várzea que tinha sido plantação de arroz e depois virou um clube
que, além do "estádio", tinha cancha de bocha e um bolicho pra vender
cachaça.
Jogaram
uma moeda pra cima e começou o entrevero.
Na
falta de uma estrutura de equipe e alguma tática de jogo, combinei com os
companheiros que eu seria o ponto de referência. Era só jogar a bola pra mim,
que o resto eu resolvia.
Corri
pro meio da área adversária e fiquei na banheira, esperando um lançamento. Não
sei como, de repente a bola sobrou. Matei a redonda no peito e o zagueiro se
veio na minha direção. Era um alemão de dois metros de altura, com cara de quem
tomou chá de losna sem açúcar. Uma jamanta.
O
índio jogava de bota, bombacha e espora chilena. E eu ali, de pé descalço.
Tentei reclamar com o juiz, mas Sua Excelência estava totalmente borracho, com
um apito numa mão e uma garrafa de canha na outra. Já estava naquele ponto em
que dava um gole no apito e assoprava o gargalo.
Pois
bem, matei a bola no peito e o animal se veio. Dei um toquinho de calcanhar e o
balão de couro descreveu uma circunferência no ar, por cima daquele caminhão de
carne com osso e espora chilena.
Quando
o taura tentou frear, escorregou no barro, levantou as patas em direção ao céu,
deu um duplo twist carpado invertido e caiu de bunda no lamaçal.
A
torcida veio abaixo, às gargalhadas. Desloquei o goleiro com uma firula e
joguei a bola no fundo das redes. Ato contínuo, corri pra galera e dediquei
aquela obra-prima pra uma loira assanhada que estava sentada na primeira fila
da arquibancada.
Nesse
meio tempo o alemão já havia se levantado e veio bufando pra cima de mim. O
tempo fechou. O pau comeu. O que era pra ser um jogo de futebol virou
espetáculo de luta livre. Com camisa versus sem camisa.
Nunca
mais pude voltar a Dom Pedrito. Juro que não foi deboche. Como é que eu ia
saber que a loira era noiva do zagueiro?
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