A
I Grande Guerra criou o fenômeno da popularidade do futebol feminino na Inglaterra. Jogos
chegavam a ter mais de 50 mil espetadores. No
dia 26 de dezembro de 1920, cerca de 53 mil pessoas lotaram as dependências do estádio
do Everton, em Liverpool, Inglaterra, para assistirem a um jogo de futebol. E
do lado de fora outras 14 mil almas quase brigavam em busca de lugarzinho.
Não
seria nada de anormal, se o jogo fosse entre dois times masculinos de futebol.
Mas não era. De um lado estava o "Dick, Kerr’s Ladies F.C". e do outro o "St.
Helens Ladies", duas equipes femininas.
O
sucesso desse jogo acendeu a luz vermelha nos dirigentes da Football
Association (FA), temerosos que o futebol feminino quebrasse as receitas do futebol
masculino, tão devastado que se encontrava pelo advento da I Grande Guerra, que
jogou uma geração de jovens para a batalha das frentes e das trincheiras,
tirando-os gramados.
Em
5 de dezembro de 1921, a FA proibiu as mulheres de jogarem futebol em qualquer
campo de clube pertencente à clubes filiados a vaidosa Federação Inglesa, sob a
discutível desculpa de que “têm surgido diversas queixas sobre os jogos de
futebol praticados por mulheres, que nos forçam a expressar a opinião de que
este desporto é muito pouco indicado para o sexo feminino e não deve, de forma
alguma, ser encorajado”.
E
mais: “Surgiram, igualmente, queixas sobre as condições em que estes jogos têm
decorrido e da forma como as receitas desses jogos têm sido utilizadas para
fins não caritativos. Somos de opinião que uma excessiva percentagem dessas
receitas tem sido desviada para despesas inadequadas. Desta forma vimos
requerer aos clubes nossos filiados que recusem ceder as suas instalações para
estes jogos”.
A
verdade é que esta decisão absolutamente sexista só foi revogada em 1971. Na
livre Inglaterra, as mulheres passaram a jogar na clandestinidade.
Ninguém
imaginava ainda que o futebol feminino iria sofrer tão forte machadada na sua
progressão que o deixaria marcado por cinco décadas. Uma vaga absurda de inveja
levantava-se em Londres.
A
discutível decisão da FA não dobrou o espírito das raparigas de Preston. O
treinador Alfred Frankland, conhecido por “Pop Frankland”, desafiou a
cartolagem ao dizer: “Continuaremos a jogar, e se os organizadores de jogos de
exibição não nos cederem campos, jogaremos em terra lavrada".
Em
1922, a equipe estava na América do Norte. Proibida de jogar no Canadá, seguiu
para os Estados Unidos. Lutava contra a discriminação com todas as suas forças.
Enfrentou nove times compostos por homens, obtendo três vitórias, três empates
e três derrotas. Na Inglaterra, ninguém as esquece até hoje.
Um
dos clubes envolvidos no jogo de 1920, que lotou o estádio do Everton, foi o “A
Dick, Kerr & Company”, que era de uma empresa de construção de locomotivas
e carruagens fundada em Kilmarnock, na Escócia, e com sede na cidade inglesa de
Preston.
Em
1914, com o recrutamento militar de uma enorme fatia da população masculina, as
mulheres entraram com força como operárias para as fábricas da Grã Bretanha.
As
que trabalhavam na “Dick, Kerr” não demoraram muito a dedicarem-se a disputa de
jogos de futebol nas instalações da empresa durante os momentos de descanso e,
até, nos dias livres. Seguiram-se desafios contra outros grupos de
trabalhadoras.
Um
fenômeno de surpreendente popularidade emergia por entre os subúrbios
industriais das cidades da velha Inglaterra. Com o epicentro em Preston, bem
entendido. No dia de Natal de 1917, o “Dick, Kerr Ladies F.C.” arrastou até ao
Deepdale, o maior estádio da região, 10 mil pessoas que assistiram a uma
vitória sobre a “Arundel Coultartd Factory”, por 4 X 0.
A
renda desse jogo destinou-se ao auxílio de operários feridos na guerra ou em
serviço.
As
moças de Preston ganharam um prestígio tal que se dedicaram a encontros de
exibição por todo o país. A “Dick, Kerr & Co.” pagava a cada uma 10
shillings por jogo, como forma de cobrir as despesas de deslocação, o que as
tornou praticamente profissionais.
Na
França, Alice Milliat, a grande responsável pela presença das mulheres nos
Jogos Olímpicos (estrearam-se em 1900, mas apenas no golfe e no tênis), estava
atenta ao que se passava em Preston. Era uma personagem inabalável.
No
ano de 1920, reuniu uma equipe de futebol feminino que se deslocou a Inglaterra
para o primeiro torneio internacional entre mulheres. Ou melhor, entre duas
equipes de mulheres. A já famosa “Dick, Kerr Ladies F.C.” e uma Seleção da
França. Quatro jogos, em Preston, Stockport, Manchester e Londres, Stanford
Bridge, com três vitórias britânicas e um empate.
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