Heleno
de Freitas talvez tenha sido o mais polêmico jogador do futebol brasileiro até
hoje. Um verdadeiro craque que maravilhava multidões. Mas sofria de uma doença
que foi diagnosticada tarde demais, paralisia geral progressiva, também
conhecida como neurossífilis ou sífilis terciária, que não tem cura e o
tratamento apenas impede o avanço, sem dar fim às sequelas.
Essa
doença, contraída possivelmente por seu envolvimento com prostitutas, foi a
grande culpada pelas atitudes amalucadas que tomava dentro e fora de campo. A
sífilis é um mal silencioso. Na primeira fase, aparecem pequenas feridas, que
somem em três semanas. Pouco tempo depois, a manifestação é uma alergia no
corpo, que igualmente desaparece.
O
paciente perde peso, apresenta fortes dores musculares e passa a caminhar como
se estivesse perdendo o equilíbrio. As principais manifestações psiquiátricas
são mania de grandeza, discurso sem nexo e confusão entre fantasia e realidade
– sintomas apresentados por Heleno.
Heleno
nasceu em São João Nepomuceno (MG), no dia 12 de fevereiro de 1920. Tinha sete
irmãos. Aos sete anos de idade já jogava futebol no segundo time do infantil do
Mangueira, de sua cidade natal. Em 1933, quando tinha 11 anos, sua família se mudou
para o Rio de Janeiro.
No
Rio foram morar no Posto 6, localizado no canto direito da Praia de Copacabana,
e que na época recém começava a ser
povoado. Hoje é uma área nobre, repleta de construções.
Foi
um pouco adiante de onde morava, no Posto 4, que Heleno começou a mostrar seu
futebol refinado, no time de praia do famoso “Neném Prancha”, roupeiro do
Botafogo, onde jogavam várias pessoas ligadas ao alvinegro carioca. De cara se
destacou e em 1935, aos 15 anos já estava fazendo sua primeira partida oficial
pelo “Glorioso”.
Os
estudos e o trabalho, que ele conheceu cedo, não permitiam uma dedicação total
ao futebol. Nessa época cursava o Ginasial no Colégio São Bento e trabalhava na
firma Hime & Companhia. Depois obteve o bacharelado em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Faculdade de Direito, atual Faculdade Nacional de Direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Era
considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e
diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel
e chapéus. Chegou uma hora em que a irregularidade no comparecimento aos
treinos fez com que Heleno deixasse o clube, ficando apenas no time de praia, a
título de recreação.
Em
1938, porém, alguns amigos decidiram levá-lo para o Fluminense, dono de uma
equipe forte, onde teria maiores possibilidades de progredir na carreira. Foi
para o tricolor sem contudo abandonar o Botafogo. Isso era possível, porque
alguns clubes já haviam adotado o profissionalismo, exemplo do Fluminense e
outros não, caso do Botafogo.
Durante
algum tempo Heleno viveu a curiosa experiência de jogar nos dois times. Em 1940
ele integrou-se totalmente ao Botafogo. Mas sua estada no Fluminense foi
importante, visto que o treinador uruguaio Carlomagno descobriu que ele não era
centro-médio, posição em que se apresentou no clube, e sim centro-avante.
Ainda
em 1940 ele seguiu para sua primeira experiência internacional, uma viagem do
Botafogo ao México. Era reserva de Carvalho Leite, artilheiro do clube, e chegou
a entrar no time algumas vezes. Nesse mesmo ano conquistou a titularidade nas
disputas do Campeonato Carioca, com o time perdendo o título na última rodada.
Com
seu 1,82m de altura não demorou a se tornar o maior ídolo botafoguense, antes
de Garrincha, mesmo tendo sido campeão pelo clube uma única vez, em 1935.
Heleno começou a ser considerado o mais clássico e o mais elegante dos
centro-avantes do futebol carioca e brasileiro. Era dono de grande habilidade e
excelente cabeceio.
De
1940 a 1947 suas atuações no Botafogo o levaram a uma ascensão enorme. Todos
concordavam que se tratava de um craque. Virou celebridade em todo o país. Sua
carreira chegou ao auge em 1945, quando foi artilheiro com 6 gols e o grande
cartaz do Campeonato Sulamericano disputado no Chile, embora o Brasil não tenha
sido campeão.
E
não foi pouca coisa, pois se destacou num ataque que tinha Tesourinha, Zizinho,
Jair e Ademir, craques notáveis. Ao todo fez 18 partidas pela Seleção
Brasileira, tendo ainda disputado e ganho a Copa Roca, em 1945 e a Copa Rio
Branco, em 1947. Heleno nunca jogou uma Copa do Mundo, pois as competições de
1942 e 1946 foram canceladas devido a Segunda Guerra Mundial.
E
na Copa do Mundo de 1950, mesmo já sofrendo de sífilis, Heleno foi cortado pelo
técnico Flávio Costa. Para muitos torcedores e jornalistas de todos os países
da época, isso foi crucial para a perda da Copa, pois Heleno era ainda um dos
principais jogadores brasileiros.
Ele
foi o inventor da jogada “domínio no peito”, também chamada de “matada no
peito”. E ficou conhecido pelo seu jeito clássico em campo, pelo seu futebol
arte e jeito provocador de jogar. Heleno de Freitas, por exemplo, quando ficava
cara a cara com o goleiro levantava a bola para ele mesmo cabecear.
Depois
da consagração começou também o seu fim. A sífilis já lhe destruia o sistema
nervoso. A torcida já o via como um jogador indisciplinado, irascivel e mal
comportado.
Heleno
foi Deus e diabo. Deus no trato da bola, demônio no trato com os homens. A grande
explosão veio em 1947. No ano anterior um filme fez grande sucesso na cidade,
“Gilda”, em que a atriz Rita Hayworth desempenhava o papel de uma mulher
temperamental e voluntariosa.
Foi
o que bastou para os torcedores do Fluminense e seus amigos do “Clube dos
Cafajestes” verem uma semelhança entre “Gilda” e ele. Não deu outra. Nos
pequenos estádios do Rio, ainda não havia o Maracanã, a platéia gritava
“Gilda”, “Gilda”, “Gilda”, o que levava Heleno a loucura. Aos poucos essa
atmosfera começou a insdispô-lo também com os companheiros, técnicos,
dirigentes, adversários e juízes.
Deixou
General Severiano em 1948, quando foi vendido ao Boca Juniors, da Argentina, na
maior transação do futebol brasileiro até então. O presidente recém eleito,
Carlito Rocha ainda tentou mantê-lo no clube, mas Heleno era homem de palavra e
honrou o compromisso assumido com a equipe argentina. Na sua passagem pelo
Botafogo marcou 209 gols em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro
da história alvi-negra.
Heleno
chegou a conquistar um Campeonato Carioca em 1935, ao contrário do que é
divulgado. Poucos sabem, mas Heleno fez uma partida pelo clube quando tinha
somente 15 anos. Não se sabe, mas é provável que Heleno tenha sido o jogador
mais jovem a estrear no Botafogo desde que um grupo de garotos fundou o clube.
E ainda o atleta mais jovem a ser campeão de algum torneio profissional,
recorde que dificilmente será batido algum dia.
No
Boca Juniors não teve o sucesso esperado, pois as outras vedetes do clube o
boicotaram. Por isso voltou ao Brasil para jogar no Vasco da Gama, onde foi
campeão carioca de 1949. O time cruzmaltino era chamado de “Expresso da
Vitória”.
Ainda
vestiu às camisas do Atlético Junior, de Barranquilla, da Liga Pirata da
Colômbia, Santos e América carioca, onde encerrou a carreira. Jogou apenas
menos de um tempo pelo clube de Campos Sales, tendo sido expulso aos 35 minutos
do primeiro tempo, após acertar um carrinho violento em um zagueiro adversário.
Heleno
de Freitas foi homenageado em Barranquilla com uma estátua com a seguinte frase
"El Jogador", pela sua passagem pela Colômbia, onde foi ídolo
nacional. Em 2012 ganhou uma estátua em São João Nepomuceno, sua cidade natal.
Ainda
tentou, depois, voltar aos campos pelo Flamengo por indicação do técnico
Kanela, do time de basquete, mas se desentendeu com os jogadores do rubro-negro
num jogo-teste e acabou dispensado.
Advogado,
boêmio, catimbeiro, boa vida, irritadiço, galã, Heleno era um homem quase
intratável. Depois de 11 anos jogando futebol, entrou para a história como um
dos maiores jogadores sul-americanos e também o primeiro "craque
problema" do futebol brasileiro.
Sua
vida foi marcada por vícios em drogas como lança-perfume e éter. Isto o fez
tentar se auto-eletrocutar num treino do Botafogo. Boêmio, era frequentador de
diversas boates do Rio de Janeiro.
Até
hoje é reconhecido como o primeiro e o maior gênio romântico do futebol por ter
sido estrela, bonito, rico, vaidoso, elegante, boa família, formado,
mulherengo, festeiro, temperamental e a amar de verdade um clube no Brasil.
Heleno é considerado o maior ídolo do
Botafogo pré-Mané Garrincha.
Heleno
foi casado com Ilma,
que conhecia muito bem os seus problemas com drogas e mulheres. Mesmo assim o
aceitou como marido. Teve um filho apenas, Luiz Eduardo, que nunca soube o que
é amor paterno.
A
mãe, depois de se separar de Heleno, com pouco mais de três anos de união,
casou-se com João Emídio Resende da Costa, sobrinho do ex-governador mineiro
Israel Pinheiro. O padrasto não permitia que se fizesse qualquer menção ao nome
do ex-jogador. Luiz Eduardo era matriculado em escolas onde não se praticava o
futebol.
Quando
tomou ciência de quem era filho, o garoto passou a perguntar aos outros se
conheciam o centroavante do Botafogo. Teve um choque quando um taxista lhe
respondeu: “Qual? Aquele que morreu louco”?
Pai
de cinco filhas, Camila, Bianca, Joanna, Danuza e Mariah, Luiz Eduardo mora no
Leblon, no Rio de janeiro e torce pelo Fluminense. Separado da única mulher, trabalha
como corretor de imóveis e gosta de passar o tempo com o neto mais novo,
Matheus Amado Pimenta D’Aguiar.
O
filho de Heleno se lembra pouco do pai. Nascido em 1949, ano em que Heleno
voltava ao futebol brasileiro, teve o último contato com ele em Barranquilla,
em 1951. Sua mãe estava em Chicago, junto com os avós maternos e passaram pela
Colômbia. Tinha pouco mais de dois anos, mas lembra dos gritos de “arriba,
arriba” no estádio. Talvez seja sua única memória bem distante do pai.
Luiz
Eduardo conheceu São João Nepomuceno aos 14 anos e ficou impressionado com o
quanto Heleno era querido por lá. Foi bem recebido na cidade e levado para
jogar uma pelada. No primeiro passe que recebeu, se enrolou todo com a bola.
Alguns gritaram: “É mentira! Esse perna de pau aí não é filho do Heleno”.
Segundo
o ex-goleiro Danton, Heleno, quando já estava internado em um sanatório, em
Barbacena (MG), costumava assistir, acompanhado do médico doutor Tollendal, os
jogos do time local do Olympic. E nos seus delírios megalomaníacos contava que
teve envolvimentos amorosos com várias mulheres bonitas, incluindo um caso
nunca comprovado com Eva Peron, no período em que ele jogou na Argentina.
Segundo
a sobrinha do jogador, Helenize de Freitas, Heleno contava muitos casos já
durante o período que morou em São João Nepomuceno, entre 1952 e 1954, antes de
se internar em definitivo. Ele contava que era amigo do Víctor Mature, ator de
“Sansão e Dalila”. Como ele convivia com muitos artistas nos tempos de glória do
Rio, os parentes não duvidavam. Depois viram que já era efeito da doença.
Heleno
de Feitas deu entrada na Casa de Saúde São Sebastião em 19 de dezembro de 1954.
Cinco anos depois o médico José Theobaldo Tollendal diagnosticou que ele sofria
da doença conhecida por “paralisia geral progressiva”, após exames feitos na
Casa de Saúde Santa Clara, em Belo Horizonte, um mês antes de sua morte.
Heraldo
de Freitas, irmão do ex-jogador foi quem custeou às despesas hospitalares.
Heleno morreu no dia 8 de novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade. Hoje é
nome de rua em São João Nepomuceno. Uma ruazinha tranquila, bem diferente de
sua vida atribulada.
Títulos.
Seleção Brasileira, Copa Roca: (1945); Copa Rio Branco: (1947). Botafogo: Campeonato
Carioca (1935); Torneio Inicio do Campeonato Carioca: (1947); Campeonato
Carioca de Aspirantes: (1944 e 1945); Campeonato Carioca de Amadores: (1943 e
1944); Copa Burgos, disputada no México: (1941); Taça Prefeito Doutor Durval
Neves da Rocha (1942). Pelo Vasco da Gama. Campeonato Carioca: (1949); Campeonato
Carioca de Aspirantes: (1949). Pelo Santos. Taça Santos: (1952); Torneio FPF: (1952);
Quadrangular de Belo Horizonte: (1951). Foi artilheiro da Copa América: (1945)
e do Campeonato Carioca: (1942).
Sua
vida é retratada no filme “Heleno, o principe maldito”, do diretor José
Henrique Fonseca e estrelado por Rodrigo Santoro que faz o papel título. No
filme, o diretor relembra a atmosfera dos anos 1940, usando fotografia em preto
e branco que evoca os clássicos filmes de Hollywood.
No
elenco, além de Santoro, estão Alinne Moraes, no papel de Ilma, Angie Cepeda,
que vive Diamantina, uma vedete amante do jogador no auge da carreira, e Othon
Bastos, interpretando Carlito Rocha, o mítico e supersticioso dirigente
alvinegro.
Heleno de Freitas morreu louco. (Foto: Acervo fotográfico do Botafogo F.R.)
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