Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Uma história mal contada

Nas festividades comemorativas aos 500 anos do Descobrimento do Brasil, a Editora Objetivo, do Rio de Janeiro, contratou o jornalista, escritor e tradutor gaúcho, Eduardo Bueno, conhecido como “Peninha”, para escrever uma coletânea denominada “Terra Brasilis”, voltada para leigos, sobre a História do Brasil. São três volumes: “A viagem do descobrimento – A verdadeira história da expedição de Cabral”, “Náufragos, traficantes e degredados – As primeiras expedições ao Brasil” e “Capitães do Brasil – a saga dos primeiros colonizadores”, publicados entre 1998 e 1999. A vendagem desses três livros alcançou mais de 500 mil exemplares até hoje.

Bueno escreveu ainda, mais dois títulos sobre a história do Brasil: “Brasil: Terra à Vista! A aventura ilustrada do Descobrimento” e “Brasil: uma História - a incrível saga de um país” O seu sucesso como escritor é inquestionável. Ele pretende aprofundar suas pesquisas e escrever outros livros sobre o “Período pré-Cabralino”, “Bandeiras” e “O Brasil Holandês”. Se o leitor tiver sorte poderá encontrar algum volume desgarrado, talvez num sebo.

Faço toda essa introdução para dizer que as coisas são mal contadas não somente na História do Brasil. Na história do futebol, também. E por isso merecem aprofundamento. Já escrevi sobre as dúvidas que são lançadas sobre o prioneirismo de Charles Miller, na introdução do futebol no nosso país e se Pelé realmente é o maior artilheiro de todos os tempos. E tantos outros questionamentos que os estudiosos do futebol sabem bem quais são.

Entendo que nesse mar de dúvidas nem a FIFA escapa quanto ao que seja verdadeiro. É o caso do primeiro jogo de futebol noturno realizado no Brasil. Quase toda a literatura sobre o assunto existente, aponta a Light and Power, uma empresa canadense que abastecia de energia elétrica a cidade de São Paulo nos anos 20, como a responsável pela realização do feito pioneiro através de sua equipe de futebol, a Sociedade Esportiva Linhas e Cabos (depois, Associação Atlética Light & Power, equipe amadora, extinta), presidida pelo funcionário Severino Gragnani, um imigrante italiano, originário de Massarosa (Lucca).

Depois que a empresa cedeu um terreno na Rua do Glicério para uso da equipe, Gragnani teve a idéia de fazer um jogo de futebol à noite, utilizando os faróis de 20 bondes sustentados por quatro torres de madeira. O jogo foi entre os times das Linhas e Cabos e da Associação Athlética República, um clube da Capital, em 23 de junho de 1923. Os visitantes venceram por 2 X 1.

Em 1954, logo após o falecimento de Gragnani, a FIFA reconheceu esse como o primeiro jogo de futebol disputado no mundo, com iluminação artificial. Na verdade, foi só o primeiro na capital paulista. A prefeitura de São Paulo, por sugestão do jornalista Basilio Babo Sposito, colocou um busto em bronze de Gragnani, na Praça Charles Miller, em 1963. Depois, o busto foi transferido para o interior do Estádio do Pacaembu, onde se encontra até hoje.

Nada contra a iniciativa do eletricista paulista. Mas o primeiro jogo noturno realizado no Brasil aconteceu bem antes. Foi no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, já naquela época uma cidade rica e culturalmente evoluída, inclusive no futebol. Foi lá que a bola rolou a noite pela primeira vez, em 25 de dezembro de 1915, na inauguração dos refletores do estádio do Sport Club União (extinto), que ficava na esquina das ruas General Osório e 3 de maio.

A festa foi muito bonita, noticiaram os jornais, presidida pelo senhor Rodolfo Ibaños, que em nome da Comissão dos festejos, convidou o capitão Leopoldo Haertel, para acionar o sistema de iluminação. O orador da cerimônia foi o doutor Ildefonso Alves de Carvalho que enalteceu o pioneirismo do S.C. União. No jogo inaugural, o G.E. Brasil não foi nada gentil, venceu o dono da casa, o União e por goleada, 5 X 1. Nos segundos quatros, que fizeram a preliminar houve empate em 1 X 1.

O Festival da Iluminação, assim denominado pelos organizadores, continuou no dia seguinte (26), quando o União, se reabilitando da derrota para o Brasil, venceu o F.B.C. Rio-Grandense, de Rio Grande, por 6 X 1.

A necessidade de se apurar os fatos com clareza, fica evidente também por outra informação historicamente não verdadeira. De que o futebol só teve iluminação de verdade a partir de 31 de março de 1928, na inauguração dos refletores do estádio de São Januário. Foram realizados dois amistosos naquela noite: na preliminar, América 1 X 1 São Cristóvão, e no jogo de fundo Vasco da Gama 1 X 0 Wanders (Uruguai).

Existem outras versões que também indicam onde e quando foi realizado o primeiro jogo noturno no Brasil. Eis algumas: a página “História de Guaxupé”, na Internet informa que na passagem do ano de 1921, realizou-se em Guaxupé (MG) o primeiro jogo de futebol noturno do Brasil, no campo do antigo Seminário São Luíz Gonzaga, entre as equipes do XV de Novembro x Academia de Comércio (2 X 1).

Também a empresa “Coleman”, em sua página na Internet cita a realização de um jogo noturno em 1909, iluminado por ela. Porém, não informa quem jogou, onde e nem a data completa.

Contudo, existem registros de outros jogos noturnos realizados bem antes do de São Paulo. Os jornais “Gazeta de Notícias” e “O Imparcial” noticiaram que “Pela primeira vez no Brasil e cremos que na América do Sul, o público carioca vai ter a satisfação de assistir ao seu sport predilecto, praticado à noite, às 21 horas”. Em 5 de setembro de 1914, o Villa Isabel F.C. derrotou a Seleção da Liga Campista, por 4 X 0, em jogo amistoso disputado no campo do Jardim Zoológico, em Villa Isabel, Rio de Janeiro.

No dia 12 de Outubro de 1914 os jornais voltaram a noticiar mais um jogo amistoso noturno no campo do Jardim Zoológico, quando o Villa Isabel, perdeu de 6 X 1 para o América. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Os faróis de 20 bondes iguais a este, iluminaram o campo do primeiro jogo noturno, em São Paulo (Foto: Acervo da Light and Power)